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03/01/2024

ANNO HOMINIS (AH) OU ANNO MUNDI (AM) ?

 6 dias ou milhões de anos?

A questão da origem e idade do universo tem ocupado o ser humano desde sempre, começando com os antigos mitos, passando pelos filósofos, às teorias científicas. Hoje, diríamos que há dois grandes campos de opinião: os evolucionistas e os criacionistas. A principal diferença entre uns e outros está na rejeição ou aceitação de um Criador, um ser inteligente, na origem do universo e da vida. Sem Criador, a ciência não tem uma explicação para a origem da matéria/espaço/tempo.

Mas não vamos entrar neste debate.

No campo dos criacionistas, também há dois campos: os que acreditam que Deus criou o mundo em 6 dias de 24 horas – os criacionistas de terra jovem - e os que apoiam uma duração mais longa – os criacionistas de terra velha.

Não havendo (não tendo) dúvidas sobre a verdade fundamental de que Deus é a causa da existência do universo e do ser humano, como afirma a Bíblia, é mais complicada a questão de quanto tempo durou a obra da criação. E com isso a questão da idade do universo. Evitei o assunto durante muito tempo, procurando saber mais, com a mente aberta às duas hipóteses. O leitor do blog poderá ter observado que usei AH (ANNO HOMINIS), mas também AM (ANNO MUNDI). O uso de AM subentende que Deus criou os céus e a terra em 6 dias de 24 horas. Ao usar AH deixei esta sensível questão em aberto.

Ao usar AH (Anno Hominis), começamos a cronologia com a criação do homem. Neste caso, quanto à idade do ser humano, a Bíblia deixa indicações claras e informação cronológica que nos permitem calcular o tempo desde a criação de Adão até Jesus. É o que temos procurado verificar neste blogue.

Mas voltando aos dias da criação.

Uma justificação para a criação em 6 dias apoia-se na instituição, por Moisés, da semana de 7 dias. “Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra, mas o sétimo dia é o sábado do Senhor” (Ex 20:9-10) – Porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há, e ao sétimo dia descansou” (Êxodo 20:11).

Porque os nossos dias, de sol a sol, têm 24 horas, infere-se que os dias da criação – “e foi a tarde e a manhã o dia …” – também só tinham 24 horas.

Uma justificação para uma terra velha apoia-se em 2Pedro 3:8 “que um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia”. Mil, usado como hipérbole (figura de estilo que consiste no exagero de expressão, ampliando a verdadeira dimensão das coisas) permite um tempo muito mais longo, indefinido.

De acordo com os mais recentes dados científicos, o universo tem aproximadamente 13,8 bilhões de anos.


Mas o que nos diz a Palavra?

Nota: Grande parte do texto que segue devo-o a uma inspiradora conferência de John Lennox, 7 days that divide the world.  John Lennox: "Seven Days That Divide the World" - YouTube 

Será que não há uma relação metafórica entre Gn 1 e Ex 20:11? [1]

Um claro exemplo de uma metáfora na Bíblia é quando Jesus diz “eu sou a porta” (João 10:9). Não fazemos o erro de pensar que Ele é uma porta física, de madeira ou de ferro. Mas a nossa experiência do mundo natural, da realidade que nos rodeia, permite-nos interpretar e compreender esta metáfora. Jesus é, efetivamente, a “porta” para a salvação; é através dele que temos acesso a Deus.

Outra metáfora usa terminologia relativa à construção de uma casa, para explicar, entre outros, a criação da terra: “Ele lançou os fundamentos da terra, para que vacile em tempo algum (Salmo 194:5). “Do Senhor são os alicerces (ou pilares) da terra, e assentou sobre eles o mundo“ (1Samuel 2:8) – e outros numerosos versículos em que a criação da terra é assemelhada à construção de uma casa com “fundamentos”, “colunas” ou “pilares”, que fazem com que a casa está segura e não se move, senão pela ira de Deus (Sl 75:3; 82:5; 102:25; 104:5; Pv 8:29; Is 13:13; 48:13).

Se interpretássemos estes versos literalmente, continuaríamos a apoiar a teoria geocêntrica de Aristóteles e Ptolomeu, defendida até ao século XVI pela comunidade científica, que a terra estava parada no centro do universo enquanto os corpos celestes orbitavam em círculos concêntricos ao seu redor. Esta teoria foi desafiada primeiro por Copérnico (1473-1543), depois por Galileo (1564-1642) e Keppler (1571-1630) até que a teoria heliocêntrica (a terra move-se em volta do sol) que defendiam foi comprovada cientificamente no século XVIII por James Bradley. [2]

Assim, 1Sam 2:8 pode, sem problemas, ser considerado uma expressão metafórica, que compreendemos com base em nosso conhecimento, científico, da realidade. Embora não sendo fixa e fundada em pilares, a terra, de facto, está fixa e segura pela força da gravidade que a mantém em posição em relação aos outros astros e planetas.

Agora, quanto à metáfora dos dias da criação. Só Deus, o Criador, podia ter narrado a Adão como o mundo foi criado. Esta narrativa não é pormenorizada, mas estabelece alguns elementos fundamentais para a nossa compreensão. Criado há poucos dias, Adão não conheceria nem compreenderia o conceito de milhões de anos. Então Deus usou o termo “dia”, que era uma unidade de tempo que Adão conhecia pela experiência. Moisés, em Ex 20:11, simplesmente usou a referência à narrativa da criação. O importante não é a duração do “dia”, mas o facto de uma obra que evolui em direção a um descanso.


O uso da palavra “dia” em Génesis.

O que é que Génesis diz realmente? Como é usada a palavra “dia” (IOM)?

Verificamos que só em Gn 1 a palavra “dia” - IOM - é utilizada com vários sentidos diferentes.

No primeiro dia, Deus cria a luz, à qual chama Dia. E às trevas chamou Noite. O uso de “Dia” está aqui apenas para descrever luz, e isto em contraste com trevas/noite. Nada há que indique tratar-se de uma unidade de tempo. “Dia”, nesta passagem, é luz.

Luz/dia e trevas/noite é um conceito anterior ao fenómeno celestial cósmico da rotação da terra sobre o seu próprio eixo em volta do sol.


Só a partir do quarto dia, quando Deus cria os luminares na expansão dos céus para haver separação entre o dia e a noite, e com isso também a relação orbital entre a terra e os astros, que se torna possível entender um dia como um período de 24 horas. Mas será que a velocidade em que a terra e os planetas se movem sempre foi a mesma?

A luz (Gn 1:3) é anterior à luz do sol e dos astros. A luz é de Deus; a luz é o próprio Deus. «O Senhor é a minha luz e a minha salvação» (Salmo 27:1). Jesus é a luz que resplandeceu nas trevas, incompreendida» (João1:1-9). «Eu sou a Luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida» (João 8:12). No final da história, na Nova Jerusalém, a cidade não necessita de sol nem de lua, não haverá mais noite e não necessitarão de lâmpada, nem de luz do sol, porque o Senhor Deus os alumia; o Cordeiro é a sua lâmpada (Ap 21:23; 22:5).

Ao criar os “luminares” no quarto dia, Deus gerou uma analogia entre a luz verdadeira, espiritual, e a luz solar, natural, para que pudéssemos compreender (um pouco) a primeira.


Na frase “E foi a tarde e a manhã o dia … “ (Gn 1:5, 8, 13, 19, 23, 31), “dia” representa um ciclo em que se observa uma sequência de um período de dia e um período de noite, mas nada dá a entender que se trata de um período de tempo definido. Interpretar esta frase como um período de 24 horas é uma dedução de Ex 20:11, da experiência e do conhecimento da duração – atual – da rotação da terra sobre o seu eixo.

Em todos estes versículos, Deus fala algo em existência. “E disse Deus: haja ...”. O dia pode referir-se apenas ao momento em que Deus falou. Falando, iniciou um processo que pode ter durado milhões de anos, ou meros segundos.


O sétimo dia. Se consideramos todos os dias da criação como unidades de tempo com a mesma duração (quer de 24 horas na teoria de uns, quer de milhares de anos segundo a teoria de outros), o que fazemos com o sétimo dia? Do primeiro ao sexto dia, a narrativa é concluída com “E foi a tarde e a manhã o dia …”. Mas já repararam que no sétimo dia não há tarde e manhã? O sétimo dia seria então um dia muito muito longo … A ausência de “tarde e manhã” deita por terra a teoria de que todos os dias teriam literalmente uma duração igual desde o princípio da criação.

Compreendemos o sétimo dia num sentido espiritual (descanso). Na instituição da semana, é introduzida uma analogia com a criação: os dias de trabalho, como a obra de Deus, culminam em descanso, após avaliação (juízo).

Mas o nosso tempo é o tempo da terra, o tempo dos homens. Se, para Deus, mil anos é como um dia, significa que o tempo de Deus é diferente.


No princípio criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas (Gn 1:1-2). Isto (o princípio) aconteceu antes do “primeiro dia”, antes de Deus dizer “Haja luz”. O princípio é um momento indefinido no passado. Não é dito quanto tempo passou entre Gn 1:1 e Gn 1:3.


Gn 2:4 – Estas são as origens (TOLEDOT) dos céus e da terra, quando foram criados: no dia (IOM) em que o Senhor fez a terra e os céus  

Este versículo introduz a primeira secção TOLEDOT (ver ELLEH TOLEDOT). Nesta frase, a palavra “dia” refere-se ao conjunto de dias da criação, não a um único dia.


- E ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim pela viração do dia (Gn 3:8).

Esta expressão é geralmente interpretada, um pouco romanticamente, que Deus costumava passear no jardim no final do dia, quando aparece a brisa refrescante da tardinha, para ter comunhão com o homem. Mas será este o verdadeiro significado?

Literalmente, esta frase pode ser traduzida assim: Deus passeava no jardim no espírito/sopro/vento (RUAH) do dia (IOM). A palavra RUAH aparece aqui pela segunda vez no texto. A primeira é em Gn 1:2 – o Espírito (RUAH) de Deus se movia sobre a face das águas.

O espírito (RUAH) movia-se sobre a face das águas, nas trevas, e sobre a terra sem forma e vazia (v.2); e a seguir surge a luz (v.3). Em Gn 3:8, o espírito (RUAH) aparece sobre o caos provocado pelo pecado de Adão e Eva. O “dia” traz luz sobre as coisas. O dia, sendo luz, revela tudo (Lc 12:2-3). Nesta passagem, o “dia” é um dia de juízo sobre o teste a que o homem fora submetido (Gn 2:15-17). Em toda a Bíblia, há numerosas passagens sobre o “dia do Senhor”, em que “dia” não significa uma duração, mas um acontecimento que pode ser um momento como pode durar muitos dias.


Conclusão:

O uso da palavra “dia” em Génesis com diferentes sentidos (luz, um ciclo de dia e noite, um conjunto de “dias”, um acontecimento/julgamento) não parece apoiar a possibilidade de dias de 24 horas e deixa claramente aberta a porta a uma interpretação longa.

A Bíblia não discute a idade do universo, nem da terra, em lugar algum. Não é importante. Se fosse importante, não teria Deus dito exatamente qual a duração dos “dias” da criação? Não é assunto que deva levantar disputas entre crentes.

O que não quer dizer que não possamos procurar saber. “E apliquei o meu coração a esquadrinhar, e a informar-me, com sabedoria, de tudo quanto sucede debaixo do céu: esta enfadonha ocupação deu Deus aos filhos dos homens, para nela os exercitar” (Ecl 1:13).

Génesis não diz quando, mas diz-nos como esta criação aconteceu: Deus criou por palavras de comando. O Salmo 33 confirma Génesis: Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, e todo o exército deles pelo espírito da sua boca … Porque falou, e tudo se fez; mandou, e logo tudo apareceu (Sl 33:6, 9). Se o texto não dissesse como criou, não teríamos a compreensão de que havia um Criador. O como define a criação. A vida não surgiu da matéria autonomamente. Os céus e a terra e tudo o que há neles surgiram de maneira sobrenatural. No princípio (e antes do princípio) estava o Criador.

 

Notas:

[1] Metáfora:
recurso expressivo que consiste em usar um termo ou uma ideia com o sentido de outro com o qual mantém uma relação de semelhança (Porto Editora – metáfora no Dicionário infopédia da Língua Portuguesa [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2023-12-24 16:22:42]. Disponível em https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/metáfora

'Tropo em que a significação natural de uma palavra se transporta para outra em virtude da relação de semelhança que se subentende; imagem; figura. 'in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/algumas-figuras-de-estilo/14744 [consultado em 24-12-2023].

[2] Embora os autores bíblicos usem metáforas, não eram ignorantes. Por exemplo:

Job 26:7 [ele] suspende a terra sobre o nada

Is 40:22 Ele é o que está assentado sobre o globo da terra

 

20/06/2019

QUANDO COMEÇA O DIA? (revisto)


Gn 1:14-18 – Haja luminares na expansão dos céus, para haver separação entre o dia e a noite; e sejam eles para sinais e ara tempos determinados e para dias e anos. […] o luminar maior para governar o dia e o luminar para governar anoite; e fez as estrelas […] para governar o dia e a noite, e para fazer separação entre a luz e as trevas.

Os astros – sol, lua, planetas e estrelas – funcionam como um relógio gigante. Mas acontece que todos estes astros têm ciclos diferentes, não coincidentes, em relação à terra, o que resulta em sistemas diferentes de calendário.

Distinguem-se dias, semanas, meses, e anos.

A unidade mais pequena é o dia.

Primeiramente, dia está associado à luz. Gn 1:5 – E Deus chamou à luz Dia (YOM); e às trevas Noite (LAYILA). Portanto, no sentido mais estrito, dia é o período em que há luz. Jo 11:9 – Não há doze horas no dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo.

A palavra dia também é usada no sentido de um período de 24 horas, ou seja, um dia como a revolução da terra sobre o seu próprio eixo (Gn 1:5, 8,13, 19, 31). Por exemplo, em Josué 10:13 – E o sol se deteve, e a lua parou … o sol, pois, se deteve no meio do céu, e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro. O sentido de dia aqui é de uma duração mais prolongada do que 12 horas, que poderá ser de um dia inteiro de 24 horas, que inclui o dia e a noite.

Entre o dia e a noite, e entre a noite e o dia, há períodos de transição naturais, observáveis: a manhã (BOKER), que põe fim à noite, e a tarde (EREB), ao pôr-do-sol que põe fim ao dia. Dt 16:6 – sacrificarás a páscoa, à tarde (EREB), ao pôr-do-sol … Depois do por-do-sol e antes da noite plena há um período de crepúsculo. É quando se acendem as lâmpadas no santuário (Ex30:8). É quando as moças saíam a tirar água, depois do calor do dia (Gn 24:11). O mesmo acontece no início do dia, há um período de alva entre o fim da noite e o dia pleno: a ‘manhã’ (BOKER).

Jos 8:29 – ao rei de Ai enforcou num madeira, até à tarde (EREB); e ao pôr-do-sol ordenou que o seu corpo se tirasse do madeiro.

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Em relação ao dia, uma questão que se coloca é se o novo dia começa à tarde, com o por-do-sol ou se começa de manhã.

Assume-se geralmente que o dia bíblico começa à tarde com o pôr-do-sol. E há várias evidências que apoiam isto. Por outro lado, também há evidências que indicam que se entendia que o dia começava de manhã e terminava na manhã do dia seguinte. Também é possível, mesmo provável, que os dois sistemas eram utilizados simultaneamente. Isto porque o calendário utilizado era um calendário misto, lunissolar, governado em parte pelo sol e em parte pela lua.


Evidências de que o dia começava à tarde.

Os meses eram governados pela lua. E a lua começa a ser visível no céu ao fim do dia, à tarde, mesmo antes do por-do-sol.

O calendário das festas ou solenidades era governado pela lua, como se pode ver pelo uso da palavra MO’ED, no plural MO’ADIM).

Gn 1:14 – Haja luminares na expansão dos céus … ; e sejam eles para sinais e para tempos determinados (MO’ADIM) e para dias e anos.

Lv 23:2, 4 – As solenidades (MO’ADIM) do Senhor que convocareis serão santas convocações; estas são as minhas solenidades (MO’ADIM) […] que convocareis no seu tempo determinado (MO’ED).

Também a celebração da páscoa e dos asmos indicam que o dia começa à tarde, ao por-do-sol:

Ex 12:18 – No primeiro mês, aos 14 dias do mês à tarde, comereis pães asmos …
Lv 23:5 – No mês primeiro, aos 14 do mês, pela tarde, é a páscoa do Senhor
Ex 12:8 – Naquela noite comerão a carne assada no fogo, com pães asmos
Ex 12:29 – E aconteceu que, à meia-noite, que o Senhor feriu a todos os primogénitos na terra do Egipto
Ex12:42 – Esta noite se guardará ao Senhor, porque nela os tirou da terra do Egipto
Ex12:17 – Guardai a festa dos pães asmos, porque naquele mesmo dia, tirei os vossos exércitos da terra do Egipto.
Num 33:3 – Partiram de Ramesses no dia 15 do primeiro mês; no dia seguinte à páscoa, saíram os filhos de Israel aos olhos de todos os egípcios
Lv 23:6 – Aos 15 dias deste mês, é a festa dos asmos do Senhor; 7 dias comereis asmos.

A páscoa era sacrificada à tarde, ao por-do-sol, do dia 14. À noite, comiam a carne. E naquela mesma noite, que já é designada como dia 15, saíram do Egipto. A refeição daquela noite era também a primeira com pães asmos, portanto pertence ao primeiro dia dos 7 dias da festa.

O mesmo é o caso da celebração do dia da expiação, que era um dia de jejum (afligireis as vossas almas). Lv 23:32 – aos 9 do mês à tarde, de uma tarde a outra tarde, celebrareis o vosso sábado (SHABBATH); ou seja, do pôr-do-sol até ao pôr-do-sol do dia seguinte. Lev 23:32 – Sábado de descanso vos será, então afligireis as vossas almas; … de uma tarde (EREB) a outra tarde (EREB), celebrareis o vosso sábado.

Ne13:19 - Sucedeu que dando as portas de Jerusalém já sombra antes do sábado, ordenando-o eu, as portas se fecharam; e mandei que as não abrissem até passado o sábado.

Em Neemias é claro que o sábado começava à tarde.


Evidências de que o dia começava de manhã.

Por outro lado, há várias passagens que indicam que um novo dia começa de manhã; a noite que precede essa manhã ainda pertence ao dia anterior.

Isto é uma lógica natural, que resulta da observação do sol.

Gn 19:33-34 – naquela noite, veio a primogénita [de Loth] e deitou-se com seu pai… No outro dia, a primogénita disse à menor: eu já ontem à noite me deitei com meu pai

Lv 7:15 – A carne do sacrifício de louvores, da sua oferta pacífica, se comerá no dia do seu oferecimento; nada se deixará dela até à manhã (BOKER). (ver também Lv 22:30)

Jz 19:9 -  … já o dia se abaixa, e já a tarde vem entrando … peço-te que aqui passes a noite … e amanhã de madrugada levantai-vos a caminhar.

1Sam 19:11 – Saul mandou mensageiros à casa de David, que o guardassem, e o matassem pela manhã: do que Mical, sua mulher, avisou a David, dizendo: se não salvares a tua vida esta noite, amanhã te matarão.

At 4:3 – E lançaram mão deles, e os encerraram na prisão até ao dia seguinte, pois já era tarde.
Ver ainda Atos 20:7-11 e 23:31-32

Em todos estes versículos, o dia é considerado como começando de manhã.

E parece também ser o caso de Ex 16, que conta a história do maná, onde inclusive o sábado é contado a partir da manhã do dia em que não há maná.

O maná aparecia com o orvalho, pela manhã (v.14), e colhia-se logo pela manhã. Ao 6º dia colheram pão em dobro (v.22). Vs.23-27 – Amanhã (MACHAR) é repouso, o santo sábado do Senhor: o que quiserdes cozer no forno, cozei-o, e o que quiserdes cozer em água, cozei-o em água; e, tudo o que sobejar, ponde em guarda para vós, até a manhã (BOKER). E guardaram-no até a manhã (BOKER) como Moisés tinha ordenado … Então disse Moisés: Comei-o hoje, porquanto hoje é o sábado do Senhor; hoje não o achareis no campo. Seis dias o colhereis, mas o sétimo dia é sábado; nele não haverá. E aconteceu, ao sétimo dia, que alguns do povo saíram para colher, mas não o acharam.

Como o episódio do maná aconteceu logo no início da partida do Egipto, ainda as regulações acerca das festas e solenidades (MO’ADIM- Lv 23) não terão sido dadas, o sábado ainda era percebido como começando de dia seguido de noite.

E ainda, se é necessário o texto bíblico salientar que o sábado (isto é o ‘descanso’ SHABBATH) se celebra de uma tarde a outra tarde (Lv 23:32), isto parece implicar que o caso do sábado é diferente dos outros dias. O natural é o dia começar de manhã.

Ainda em apoio a isto é Num 28:3-4 e Ex 29:38-42 que falam do holocausto contínuo: a oferta, cada dia, de dois cordeiros de um ano. Um cordeiro sacrificarás pela manhã e o outro cordeiro sacrificarás de tarde. A este respeito, também Josefo, ao explicar o sacrifício contínuo, diz que um cordeiro de um ano é sacrificado todos os dias, no início e no fim do dia (Ant.3.10.1), significando que para ele o dia terminava com o por-do-sol.


Génesis 1

Com base em Génesis 1, assume-se, geralmente, que no calendário bíblico o dia começava à tarde: foi a tarde e a manhã o dia primeiro, segundo, etc. Mas será esta a leitura correta?

Olhemos novamente para Génesis 1:5 e distinguimos bem as palavras:

Gn 1:5 - E Deus chamou à luz dia (YOM), e às trevas chamou noite (LAYILA). E foi a tarde (EREB) e a manhã (BOKER), o primeiro dia.

EREB é o ponto de intersecção que termina a parte do dia em que há luz do sol, e BOKER é o ponto de intersecção que termina a noite para o começo de um novo dia de luz. EREB não é sinónimo de noite. BOKER não é sinónimo de dia.

O versículo não diz que é a parte das trevas ou noite (LAYIL) que antecede a parte da luz ou dia (IOM) para fazer o primeiro dia. Mas lemos que EREB (pôr-do-sol ou tarde) vem primeiro, e BOKER (manhã ou madrugada) vem depois. EREB e BOKER não são a mesma coisa que o dia/luz e trevas/noite, mas são apenas períodos curtos de transição entre dia/noite e noite/dia respetivamente.

Parafraseando Gn 1:5 – Deus chamou à luz dia e às trevas noite. E veio a tarde/o pôr-do-sol, e depois veio a manhã/madrugada. E assim terminou o primeiro dia.

O primeiro dia (como todos os outros dias) tem esta sequência: Dia/luz – EREB/pôr-do-sol – noite/trevas – BOKER/manhã.

O Comentário do Velho Testamento de Keil & Delitzsch parece-me ser o único que tem esta interpretação.

Todos os outros comentários assumem à partida que em Gn 1:5 dia (YOM) e manhã (BOKER) são a mesma coisa, bem como noite e tarde, baseando-se no pressuposto não questionado de que os judeus contam os dias de uma tarde à outra tarde. E interpretam todos Lev 23:32 como referindo-se de a todos os dias semana, enquanto o contexto deixa bem claro que o que se trata neste versículo é a celebração do sábado (descanso) da festa, neste caso do dia da expiação que é celebrado de uma tarde a outra tarde.

«Deve observar-se que os dias da criação são delimitados pela chegada da tarde e da manhã. O primeiro dia não consistia nas trevas iniciais e na origem da luz, mas foi formado depois da criação da luz pela primeira permuta de tarde e manhã. […] Só depois de a luz ter sido criada, e a separação da luz e das trevas ter acontecido, é que veio a tarde, e depois da tarde a manhã; e esta vinda da tarde (lit., o obscuro) e da manhã (o surgir) formaram um, ou o primeiro dia. Resulta disto é que os dias da criação não são contados da tarde à tarde, mas da manhã à manhã. O primeiro dia não termina completamente até que a luz regressa depois da escuridão da noite; A primeira transição da luz e das trevas só é completa ao nascer de uma nova manhã. […] O primeiro dia começou no momento em que Deus causou que a luz rompesse das trevas; mas esta luz não se tornou um dia até que viesse a tarde e depois a noite, e que a noite desse lugar na manhã seguinte ao romper do dia. […] porque manhã não é equivalente a dia, nem a tarde à noite. O modo de contar os dias de tarde à tarde na lei mosaica (Lev 23:32), e por muitas outras antigas tribos e povos resulta não dos dias da criação, mas do hábito de regular as estações pelas mudanças da lua.» (traduzido de Keil and Delitzsch Biblical Commentary on the Old Testament)


Concluindo, podemos dizer que as duas maneiras de ver o dia coexistiam. A ordem mais natural era  em atenção ao sol, cujo nascer dá início ao dia, mas os sábados e as solenidades, regidos pelo calendário lunar, começavam à tarde, com o avistar da lua, ao por-do-sol.

Há uma naturalidade nisto, até simples bom senso: o normal é que de dia se trabalha e de noite se descansa. O descanso segue ao trabalho, não o antecede. Mas o descanso do 7º dia segue ao fim do 6º dia de trabalho, portanto, o sábado (palavra que significa literalmente descanso) começa então logicamente ao por-do-sol do 6º dia.