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24/11/2017

JOÃO 2:20


Respondeu-lhes Jesus: Derrubai este templo, e em três dias o levantarei. Disseram-lhe então os judeus: Em quarenta e seis anos foi edificado este templo, e tu o levantarás em três dias? (Jo 2:19-20)

Estes 46 anos podem ajudar-nos com a cronologia da vida de Jesus?

O templo e o santuário

Observamos que nesta mesma passagem da purificação do templo (Jo 2:13-22), o Grego tem duas palavras diferentes traduzidas ‘templo’.

No v. 14 - No templo, Jesus encontrou os vendedores de bois, de ovelhas … - e no v. 15 - Tendo feito um chicote, expulsou todos do templo … a palavra grega é íeron (hieron).

Nos vs. 19, 20 e 21 é usada a palavra naoς (naos). Algumas versões (ex. Bíblia de Jerusalém) traduzem esta palavra como ‘santuário’.

‘Hieron’ refere-se ao inteiro recinto do templo, incluindo os átrios, os pórticos e todas as dependências, ou seja, o espaço público onde todos os israelitas podiam entrar.

O ‘naos’ é o santuário interior: o lugar santo, onde apenas os sacerdotes podiam entrar, e o santo dos santos, apenas o sumo-sacerdote uma vez no ano.

Esta diferença é clara em João que utiliza sempre ‘hieron’ (Jo 5:14; 7:28; 8:20; 18:20) e ‘naos’ apenas nesta passagem de 2:19-21. A mesma diferenciação encontramos por ex. em Mc 11:11 (hieron) e 15:38 (naos).

Segundo Josefo, Herodes empreendeu a muito grande tarefa de (re)construir o templo no 18º ano do seu reinado (Ant. 15.380). Mas numa parte do templo, nem o rei podia entrar, e Herodes não entrou no santuário porque ele não era sacerdote. Ele tratou da obra dos átrios e espaços exteriores (periboloς é o termo usado por Josefo em Guerras 1.401); e estes construiu em oito anos (Antiguidades 15.420). O santuário interior (naoς) foi construído pelos próprios sacerdotes e isto em um ano e seis meses (Ant. 15.421). Quando o ‘naos’ foi acabado de construir houve grande alegria e celebrou-se uma festa.

Portanto, deduzimos que os 46 anos indicados pelos judeus em Jo 2:20 têm referência à construção do “naos” (santuário interior) pelos sacerdotes e não do templo (hieron) na sua totalidade por Herodes.

Ainda tem a questão do verbo oikodomhjnh (Jo 2:20), que é um aorista indicativo passivo, significando literalmente “foi construído” e compreende-se melhor como já estando erguido há 46 anos, não se referindo à duração do ato de construir (Finegan § 595).

Josefo diz que a festa de celebração da obra do “naos” coincidiu com o dia da inauguração do rei (Ant. 15.423). Uma fonte extra bíblica, o Tratado Rosh Hashanah no Mishna, elucida que o Ano Novo para reis é 1 de Nisan (Finegan § 164).

Este diálogo sobre o ‘naos’ tem lugar na primeira páscoa do ministério de Jesus. A páscoa celebra-se em 14 de Nisan.

Assim, na primeira Páscoa (no mês de Nisan) do ministério de Jesus tinham passado 46 anos desde que se celebrou a edificação do “naos” do templo.
Agora trata-se de descobrir qual o ano.

Cronologia do reinado de Herodes segundo Josefo

Herodes foi nomeado rei pelos Romanos, quando Calvino e Pollione eram cônsules (Ant. 14.389). Isto é o ano 40 a.C.. Era costume em Roma designar o ano pela menção dos dois cônsules em exercício nesse ano. Os cônsules eram eleitos por um ano. Bastava a referência aos dois cônsules para determinar o ano (Finegan § 172).

Depois de um cerco de vários meses, Herodes conquista Jerusalém pela força, em outubro, no dia da Expiação (Tishri 10). O cerco começara no início desse mesmo ano – no terceiro ano desde que fora feito rei em Roma –, depois de passado o rigor do inverno (Ant. 14.465), e continuou durante o verão (Ant. 14.473).

Mas quanto ao ano em que isto aconteceu, Josefo não é coerente. Ele diz que foi no ano em que Agrippa e Gallo eram cônsules – isto seria 37 a.C. – e 27 anos depois que Pompeu conquistou Jerusalém (em 63 a.C.) – isto seria 36 a.C.

A isto acresce outra dificuldade: se o ano novo para reis é 1 de Nisan, a partir de Nisan de que ano é contado o reinado de Herodes? Nisan antes da conquista, sendo o primeiro ano um ano incompleto mas ainda assim considerado o primeiro ano? Ou a partir de Nisan depois da conquista, havendo assim um “ano de acessão” (um período de alguns meses) não contado?

Como resolver este problema?

No ano 31 a.C., em 2 de setembro, teve lugar a batalha de Actium, em que Octaviano (mais tarde conhecido como Augusto) derrota Marco António. Josefo afirma que este ano corresponde ao 7º ano de Herodes (Ant. 15.121).

Assim sendo, o 7º ano de Herodes corre de Nisan 31 a.C. a Nisan 30 a.C.

Por conseguinte, o 1º ano de Herodes começa oficialmente em Nisan de 37 a.C., a conquista de Jerusalém em outubro desse mesmo ano.

Isto também está de acordo com Ant. 14.465, onde Josefo diz que o cerco a Jerusalém começou depois do rigor do inverno, no terceiro ano desde que fora feito rei em Roma.

O 18º ano de Herodes, quando empreende a obra do templo, corresponde então a Nisan 20 a.C. a Nisan 19 a.C.

O ‘naos’ durou um ano e seis meses a construir. A festa foi celebrada em Nisan na mesma data que a da inauguração rei. Isto significa que a edificação do ‘naos’ terá sido celebrada no final do décimo-nono ano de Herodes, em Nisan de 18 a.C.

46 anos depois (Jo 2:20) leva-nos ao ano 29 d.C.,  à páscoa em que ocorre o que está descrito em João 2:13-21 e a primeira páscoa do ministério de Jesus.

Disto deduzimos que Jesus iniciou o seu ministério na páscoa de 29 d.C..

Podemos provar que isto está correto com o apoio de outros testemunhos?

O nascimento de Jesus

Nas anteriores mensagens chegámos à conclusão que Jesus nasceu em data incerta do ano 2 a.C., antes da vinda dos magos a Belém (em aprox. 25 de dezembro de 2 a.C.) e antes da morte de Herodes que ocorreu pouco depois do eclipse de 10 de janeiro 1 a.C.

Jesus foi batizado ainda ele não tinha 30 anos. Começava a ser de quase trinta anos (Lc 3:23). Tinha quase. Se nasceu em 2 a.C., tem 29 anos em 28 d.C. e completa 30 anos no ano 29 (o ano da primeira páscoa).

Jesus nasceu cerca de 5 meses depois de João Batista.

João Batista era de família sacerdotal. Começou a sua pregação no 15º ano de Tibério, entre agosto/setembro do ano 28 e agosto/setembro do ano 29, quando fez 30 anos (ver mensagem O ANO QUINZE DE TIBÉRIO, julho 2017).

Admitindo que João começou a pregar logo no início do 15º ano de Tibério (ano 28), em agosto, Jesus não podia fazer 30 anos antes de finais de janeiro/fevereiro do ano 29. Mas pode ter sido batizado por João um pouco antes, no fim do ano 28 ou princípio do ano 29, e começado o seu ministério na páscoa do ano 29 que nesse ano terá sido em 18 de abril. Este prazo dá tempo suficiente para integrar os eventos descritos por João entre o batismo e a primeira páscoa. O batismo foi imediatamente seguido pelo período de 40 dias no deserto (Mc 1:12). Depois da temporada no deserto, Jesus regressa onde João estava a batizar (Jo1:36) e este o vê passar. Dois dos discípulos de João vão atrás de Jesus e ficam com ele aquele dia (Jo1:37-42). No dia seguinte, Jesus quis ir a Galileia (Jo 1:43) e no terceiro dia, está presente nas bodas de Caná na Galileia (Jo 2:1). Depois desce a Cafarnaum (a norte do mar da Galileia) onde ficou “não muitos dias” com os primeiros discípulos antes de subir para a sua primeira páscoa em Jerusalém. Não sabemos quantos dias são “não muitos dias”, mas como João não menciona qualquer acontecimento entre Cafarnaum e a primeira páscoa, não deve ter sido um período muito longo. Pouco mais de 60 dias terão decorrido entre o batismo e a descida a Jerusalém.

Esta data de finais de janeiro/fevereiro do ano 2 a.C. para o nascimento de Jesus enquadra-se também muito bem com o recenseamento/juramento associado ao título de Pater Patriae de Augusto recebido em fevereiro de 2 a.C. (ver mensagem RECENSEAMENTO DE QUIRINO, fevereiro 2017) razão pela qual José e Maria se deslocaram a Belém.

Também Josefo faz referência a um juramento situando-o entre 12 a 15 meses antes da morte de Herodes, portanto, dentro do período em consideração: todo o povo dos judeus deu garantias da sua boa vontade para com César e o governo do rei, mas mais de 6.000 dos fariseus recusaram-se a fazer o juramento (Ant. 17.42). Tudo indica que se trata do mesmo alistamento de Lucas.

Por outro lado, esta hipótese não se enquadra com as datas astronómicas do aparecimento e progressão da “estrela de Belém” (ver mensagens A ESTRELA DE BELÉM, maio 2017). Apenas o efeito “coroa”, isto é o movimento circular visível de Júpiter por cima da estrela Régulo devido à retrogressão em 29 de novembro 3 a.C. e o retomar da sua rota normal em 29 de março 2 a.C., pode parecer uma aproximação à data de nascimento de Jesus. Mas não quero atribuir muita importância à sequência e datas dos eventos astronómicos, embora bastante extraordinários. Fora o facto de os magos terem seguido uma estrela, provavelmente o planeta Júpiter, e chegado a Belém num período em que Júpiter estava numa posição estacionária e zenital sobre Belém, o que ocorreu astronomicamente no final do ano 2 a.C., e o prazo de dois anos para baixo definido para a matança das crianças de Belém associado ao tempo do nascer da estrela (Mt 2:16), não há mais indicações bíblicas de que as datas das várias e sucessivas conjunções de planetas em 3 e 2 a.C. tenham correspondência exata com datas de concepção e nascimento de Jesus.

Na mensagem A ESTRELA DE BELÉM (3) cheguei a considerar a possibilidade de usar as datas astronómicas da progressão de Júpiter para determinar a data do nascimento de Jesus. Apresentavam-se várias alternativas: 11 de setembro de 3 a.C. (por causa de Ap 12:1), 17 de junho 2 a.C. e 25 de dezembro 2 a.C. (a interpretação tradicional). A solução melhor pareceu-me então a do nascimento em junho, quando aliada à interpretação do 6º mês da anunciação (Lc 1:26) não como o 6º mês da gravidez de Isabel mas como o 6º mês do ano. O que também anularia a necessidade de estabelecer com exatidão a semana do turno de Abias.

Agora, porém, nenhuma destas hipóteses me parece válida, quando temos em conta a referência aos 46 anos da construção do santuário.

A data de 11 de setembro (Tishri 1) 3 a.C. é defendida por alguns por analogia com Apocalipse 12:1-2. Mas em meu ver este é um versículo altamente simbólico, nem específico da figura de Maria, mas alargável a Israel e a Igreja. No limite pode-se interpretar este versículo como condensando numa só frase todo o período da gravidez, desde a concepção até ao dar à luz. Além disso, com o nascimento em 11 de setembro 3 a.C., Jesus completaria 30 anos em 28 d.C., demasiado cedo portanto, além de não se enquadrar com o 15º ano de Tibério para João Batista e existir um prazo demasiado longo entre o batismo com quase 30 anos e a primeira páscoa em 29.

Com o nascimento em junho de 2 a.C. Jesus não teria ainda 30 anos na primeira páscoa do seu ministério no ano 29. O que poderá não ser um impedimento, já que Jesus não era de família sacerdotal como João Batista e nada indica que teria obrigatoriamente que ter 30 anos. Mas Lucas 3:23 diz que Jesus começava a ser de quase trinta anos quando foi batizado e logo de seguido levado ao deserto para a tentação de 40 dias. Mas como já dissemos acima, terá havido pouco mais de 60 dias entre o batismo e a páscoa. Com estes cerca de 60 dias até à páscoa e ainda o tempo até ao mês de junho há demasiado tempo para fazer (quase) trinta anos. Portanto, esta hipótese também não se coloca. A não ser que a primeira páscoa seja no ano 30 d.C. Mas nesse caso, o tempo entre o batismo com quase 30 anos e a páscoa do ano 30 é um prazo demasiado comprido para os poucos eventos descritos em João ocorridos antes da primeira páscoa (ver também mensagem A DURAÇÃO DO MINISTÉRIO DE JESUS, setembro 2017).

Muito menos é válida a hipótese (tradicional) do nascimento em 25 de dezembro 2 a.C. Esta situaria necessariamente a primeira páscoa no ano 30.

Concluindo:
Depois de todas as mensagens ao longo do ano 2017, em que procurei estabelecer a data do nascimento de Jesus, a minha proposta é que Jesus nasceu no ano 2 a.C. em janeiro/fevereiro, por me parecer a data que melhor concilia os dados bíblicos com os extra-bíblicos, sem torcer o que diz a Bíblia para encaixar nos dados extra-bíblicos.

Bibliografia
The Works of Josephus. Translated by William Whiston. New updated edition. 1987

Jack Finegan. Handbook of biblical chronology. Revised edition 1998

21/09/2017

A DURAÇÃO DO MINISTÉRIO DE JESUS

A duração do ministério de Jesus, desde o seu batismo até à crucificação, é outra questão controversa. Tanto tem sido escrito sobre esta questão, com o foco nas contradições entre os evangelhos sinópticos e João, que tenho receio de enveredar-me neste caminho.

Há várias teorias, que vão de um ministério de um só ano até cinco anos, e mesmo mais. A teoria mais generalizada é que foram cerca de 3 anos e meio. Também há desacordo sobre qual o ano em que Jesus começou o seu ministério e o ano em que foi crucificado. Entram em linha de conta cálculos astronómicos de calendários e a datação de eventos como o 15º ano de Tibério, os 46 anos da construção do templo (Jo 2:20), a morte de João Batista ligada à questão de Herodias (Lc 3:19) e outros.

Face a todas as teorias e tentativas de resolver a questão, fiquei no entanto com a impressão de que foi posta de lado a simplicidade do relato bíblico – apesar de este revelar algumas contradições - e passaram a ser elementos extra-bíblicos a dominarem o debate e datas da cronologia secular a procurar definir a cronologia bíblica, fazendo esquecer o que está escrito e tentando ler e inscrever no texto o que não está mas é sugerido por datas calculadas.

Convém analisar primeiro a nossa fonte primária, o Novo Testamento.

Os evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas) dão pouca informação cronológica. Apenas mencionam uma Páscoa, que é a última quando Jesus foi crucificado. Por isso, alguns dizem que o ministério de Jesus não durou mais do que um ano.

O evangelho de João dá-nos informações mais específicas. João menciona expressamente várias festas ao longo do ministério de Jesus, sendo a festa da Páscoa determinante na compreensão da cronologia. A não ser que o evangelista tenha omitido uma ou mais Páscoas (mas por que razão?), o relato contém apenas 3 Páscoas, significando que o seu ministério só durou pouco mais de 2 anos, com o batismo algum tempo antes da primeira Páscoa.

Com base no evangelho de João, acrescido de alguns dados dos outros evangelhos, procurei construir uma cronologia para tentar descobrir a duração do ministério de Jesus:

- O batismo de Jesus foi imediatamente seguido de 40 dias no deserto (Mc 1:12).

- Depois da temporada no deserto, Jesus regressa onde João Batista está a batizar (Jo 1:36); e este o vê passar. Dois dos discípulos de João vão atrás de Jesus e ficam com ele aquele dia (Jo 1:37-42).

- No dia seguinte, Jesus quis ir a Galileia (Jo 1:43), e

- No terceiro dia, ele já está presente nas bodas em Caná da Galileia (Jo 2:1).

João batizava em Betânia, da outra banda do Jordão (Jo 1:28). Esta Betânia deve situar-se no Jordão, não muito longe do mar da Galileia, porque em apenas dois dias Jesus já estava em Caná.

- Depois, desceu a Cafarnaum (que é a norte do mar da Galileia), onde ficou “não muitos dias” (Jo 2:12).

- E estava próxima a páscoa dos judeus, e Jesus subiu a Jerusalém (Jo 2:13).

Esta é a primeira páscoa no ministério de Jesus. 
Não sabemos quantos dias são “não muitos dias”, mas João não menciona nenhum acontecimento entre o ter descido a Cafarnaum e a subida a Jerusalém, por isso penso que foi um período breve, não tendo Jesus ainda começado a pregar. Penso que pouco mais de 50/60 dias terão decorrido desde o batismo até à primeira páscoa.

- Depois da purificação do templo, os sinais durante a festa, a conversa com Nicodemos, Jesus foi com os seus discípulos para a terra da Judeia, onde estava ali com eles e batizava (Jo 3:22).
Naquele tempo, João batizava em Enon; ainda não tinha sido lançado na prisão (Jo 3:24).

- Depois Jesus deixou a Judeia e foi outra vez para a Galileia, passando por Samaria (Jo 4:3).

Marcos 1:14 diz que Jesus foi para Galileia depois que João foi entregue à prisão.
Em Samaria Jesus disse: Não dizeis vós que ainda há quatro meses até que venha a ceifa? (Jo 4:35)
Havia várias ceifas ao ano em Israel. Mas dado que a páscoa (1º mês) fora pouco tempo antes, a colheita em causa tem que ser a da saída do ano, que era seguida da festa dos tabernáculos (Ex 23:16) no 7º mês (agosto-setembro).

- Dois dias depois partiu de Samaria e foi para a Galileia (Jo 4:43).
Jo 4:45 – Chegando à Galileia, os galileus o receberam, vistas todas as coisas que fizera em Jerusalém no dia da festa; porque também eles tinham ido à festa.

Deduzo do encadeamento de eventos que a festa a que se referem os galileus é a primeira páscoa. Agora começa verdadeiramente o ministério de Jesus na Galileia.

O primeiro ano do seu ministério, Jesus passa principalmente na Galileia, indo uma vez a Jerusalém para uma festa (Jo 5:1): - Depois disto, havia uma festa entre os judeus, e Jesus subiu a Jerusalém (Jo 5.1). Esta pode ser uma de várias festas entre a primeira páscoa e a seguinte. Páscoa é sempre indicada como a festa.

- E a páscoa, a festa dos judeus, estava próxima (Jo 6:4).

Esta é a segunda páscoa no ministério de Jesus.

Nesse período situa-se a multiplicação dos pães (Jo 6; que corresponde à segunda multiplicação de Mc 8 e Mt 15).

Nesta segunda páscoa, não há menção de Jesus ter ido a Jerusalém. Ele está na região de Tiberíade (Jo 6:23), junto ao mar da Galileia (também conhecido como o lago de Tiberíade). Ele faz o discurso do pão da vida na sinagoga de Cafarnaum (Jo 6:22-59), cujo conteúdo está referenciado ao tempo que os israelitas saíram do Egipto, celebraram a primeira páscoa e receberam o maná. Um discurso que parece adequado à época.

A partir de então muitos discípulos tornam para trás (Jo 6:66).
Pedro crê e reconhece que Jesus é o Cristo (Jo 6:67-69) e Jesus anuncia pela primeira vez a sua paixão (Lc 9:22; Mc8:31-33).– A partir dessa época Jesus começou a mostrar ser necessário ir a Jerusalém (Mt 16:21).

- Depois disto, Jesus andava pela Galileia, e já não queria andar pela Judeia, pois os judeus procuravam matá-lo (Jo 7:1).

Marcos 8:27 situa a confissão de Pedro quando estavam em Cesareia de Filipe, depois de terem passado por Tiro e Sidon, Decápolis e Betsaida (Mc 7 e 8).

- 8 dias depois, tem lugar a transfiguração (Lc 9:29).

O segundo anúncio da paixão foi quando caminhavam na Galileia (Mc 9:30-32; Mt 17:22; Lc 9:44).
A certo momento, completando-se os dias para a sua assunção, Jesus manifestou o firme propósito de ir a Jerusalém (Lc 9:51). Depois, Jesus atravessava cidades e povoados, ensinando e caminhando para Jerusalém (Lc 13:22).

- E estava próxima a festa dos judeus, a dos tabernáculos (Jo 7:1-2), e Jesus subiu à festa (Jo 7:10) e ensinava no templo durante a festa (Jo 7:14; 8:2).

Passaram-se sete meses entre a páscoa no 1º mês (Abib) e a festa dos tabernáculos no 7º mês (aprox. setembro). Sete meses em que Jesus atravessava cidades e povoados, ensinando e caminhando para Jerusalém.

- Depois da festa dos tabernáculos, Jesus parece ter continuado em Jerusalém, a ensinar no templo (Jo 9), onde o encontramos na festa da dedicação, no inverno (Jo 10:22).
Esta festa foi instituída em 164 a.C. por Judas Macabeu depois que Jerusalém foi recuperada aos sírios, o templo purificado e um novo altar reconstruído, depois de profanado por Antíoco Epífanes. Trata-se da festa de Hanukkah celebrada no mês de Quisleu (dezembro).

- Procuravam prendê-lo mas ele escapou-se e retirou-se para além do Jordão, para o lugar onde João tinha primeiramente batizado, e ali ficou. (Jo 10:39-40).

Depois temos a ressurreição de Lázaro (Jo 11:1-45) e o conselho dos principais dos sacerdotes e fariseus para o matar (Jo 11:46-53). Por isso Jesus retirou-se para uma cidade chamada Efraim junto do deserto (Jo 11: 54).

- E estava próxima a páscoa dos judeus (Jo 11:55) …

Esta é a terceira e última páscoa do ministério de Jesus, quando foi crucificado.

Baseado nestes elementos do evangelho de João, podemos deduzir que o ministério de Jesus teve uma duração de pouco mais de 2 anos, com o batismo cerca de dois meses antes da primeira páscoa, e a crucificação na terceira páscoa.

A leitura que faço é demasiado simples ou simplista? Há outros elementos que apoiam isto e que podem confirmar os dois anos de ministério?
Porque há teorias que sugerem 3 anos e meio, ou 5 anos, se o relato de João parece tão simples de interpretar?

O problema do calendário calculado.

Há vários autores que têm calculado astronomicamente as datas para aquele período. Muito utilizados são os cálculos de J.K. Fotheringham (1934) e de Parker & Dubberstein (1956), e às quais Finegan (§ 616) atribui um elevado grau de probabilidade.
Estão em causa os anos 30 a 34.

É quase consensual que a crucificação teve lugar numa sexta-feira (na mensagem anterior O SÁBADO DA RESSURREIÇÃO, julho 2017, eu defendo uma quinta-feira). 

Segundo os cálculos de Fotheringham, nos anos 30 e 33, o dia 14 de Nisan calha numa sexta-feira. Por isso, se Jesus começou o seu ministério em 29 ou 30 (a primeira páscoa), 30 dá 1 ano, e 33 dá 3 anos e uns meses para o ministério de Jesus.

Por isso alega-se geralmente que o relato de João não é completo e que omitiu uma ou mais páscoas. Mas pergunto, porque João teria tido o cuidado de distinguir cada uma destas festas se ele não tivesse uma boa razão?



O ano do início e do fim do ministério de Jesus

Em minha leitura, e tomando por certo as 3 páscoas mencionadas em João, Jesus começou o seu ministério no ano 29 (ver mensagem O ANO QUINZE DE TIBÉRIO, julho 2017). Portanto, a sua terceira páscoa seria no ano 31. Mas os cálculos astronómicos de Fotheringham e de Parker & Dubberstein, e também de Newton, não corroboram isto. No ano 31, Nisan 14 seria uma terça-feira, ou uma quarta-feira no caso de ter havido um mês intercalar. Ainda segundo Parker & Dubberstein, supondo que tivesse havido um mês intercalar, Nisan 14 seria uma quinta-feira, apenas no ano 34, o que daria um ministério de 5 anos.

Há, contudo, uma ressalva a fazer ao uso destes cálculos astronómicos. Roger Beckwith [i] chama a atenção para o cuidado a ter no uso de calendários e astronomia para determinar a cronologia da Paixão.

Fotheringham e Schoch chegaram a uma fórmula baseada em considerações astronómicas e de calendário para estabelecer os dias de Nisan 14 e 15 para os anos 27 a 34. Como tem sido assumido que a crucificação ocorreu numa 6ª feira, apenas os anos 30 e 33 entraram em consideração.

Mas na Judeia daquele tempo, a astronomia não era estudada, e o ano era regulado não por cálculo (baseado no equinócio) mas por observação.

Os judeus só começaram a calcular a data da Páscoa astronomicamente, ou com o ciclo de 19 anos, nos séculos 4 a 7 depois de Cristo. Muito mais tarde. Fontes de literatura rabínica dizem-nos que os meses e as festas não eram fixados por cálculo com antecedência mas por observação contínua. O início de cada mês era anunciado quando a lua nova era vista na Judeia. Também a adição de um 13º mês dependia da observação – a observação de sinais de primavera. Se os sinais não tinham aparecido, um 13º mês era acrescentado. Os fatores considerados eram o aparecimento do primeiro grão na cevada, o estado de crescimento das rolas e dos cordeiros (se ainda eram tenros e pequenos demais, não podiam ser usadas no sacrifício). Se o primeiro grão aparecia cedo, havia apenas 12 meses, mas se se aguardava o aparecimento do primeiro grão, devia acrescentar-se um 13º mês. Estas mesmas fórmulas ainda se aplicavam um século depois da destruição do templo.

Se o ano novo dos judeus era governado por observação e não por cálculo, isto implica um elevado grau de irregularidade e isto afeta a datação da crucificação de Jesus.

Se a decisão de acrescentar um 13º mês era tomada sem atenção ao equinócio, era inevitável que, em épocas quando os sinais de primavera chegavam cedo, o novo ano era anunciado sem esperar pela aproximação do equinócio. Portanto, se a Páscoa calhasse com frequência antes do equinócio da primavera, isto abre novas possibilidades para as datas da crucificação de Jesus.

Como não estava a ser usado um calendário calculado, é impossível sabermos quando um 13º mês era intercalado. Nem o NT nem Josefo fornecem esta informação. E há também a questão da duração do 13º mês, bem como a do 12º, antes de o calendário ser regulado astronomicamente, se 30 ou 29 dias.

Relativamente aos cálculos de Humphreys and Waddington [ii], Beckwith observa relativamente ao ano 31 --- Este é o ano favorecido por Jeremias [iii]… que defende que, naquele ano, Nisan 14 podia ter sido uma quinta-feira se fosse precedida de um 13º mês e se o anúncio da lua nova de Nisan fosse adiada por falta de visibilidade. Mas mesmo em caso de boa visibilidade, se o 13º mês tinha uma duração fixa de 30 dias, adiar 30 dias seria em si mudar Nisan 14 de terça-feira 27 de março para quinta-feira 26 de abril (Beckwith, pp. 197-198).

Relativamente ao equinócio, acontece o mesmo. Se a Páscoa calhasse antes do equinócio no ano 33, Nisan 14 seria uma quinta-feira; e se a Páscoa fosse adiada por um 13º mês em 31 ou 35, Nisan 14 seria uma quinta-feira.

Assim, visto que temos que ter cuidado com a aplicação sem mais nem menos dos cálculos astronómicos, sempre é possível que o ministério de Jesus tinha apenas dois anos, como o dá a entender o evangelho de João, quando olhamos para o que está escrito literalmente.



[i] Roger T. Beckwith, Cautionary Notes on the Use of Calendars and Astronomy to Determine the Chronology of the Passion. In: Jerry Vardaman, et al. Chronos, Kairos, Christos: Nativity and Chronological Studies presented to John Finegan (1989).

[ii] Humphreys and Waddington, The date of the crucifixion, JASA 37 (March 1985): 2-10. http://www.asa3.org/ASA/PSCF/1985/JASA3-85Humphreys.html

[iii] Joachim Jeremias, The Eucharistic Words of Jesus (1935), é uma obra de referência para os estudos sobre a última Ceia.