A cronologia consensual apresenta outras falhas, apontadas por alguns historiadores que preconizam uma revisão da cronologia, mas que não são tomadas em conta, em parte numa recusa de considerar a Bíblia como fonte histórica válida.
Um destes revisionistas
que tem causado muito alarido, e que tem sido alvo de duras críticas, é
Emmanuel Velikovsky. Ele estranhou o facto de não haver na história do Egipto a
menor referência ao êxodo dos Israelitas, nem das pragas e calamidades naturais
que ocorreram naquela mesma época e que deixaram o Egipto economicamente de
rastos.
O início do domínio dos
Hicsos no Egipto está associado a uma situação de fraqueza do país. Ipuwer, um
sacerdote, fala de anarquia no país e da entrada de asiáticos (amu) no delta do
Nilo. O Papiro Ipuwer é há muito tempo reconhecido como se referindo ao tempo
dos Hicsos (Engberg, 1939).
Estando o Papiro Ipuwer já
associado à invasão dos Hicsos, Velikovsky foi mais longe. Associou o Papiro
Ipuwer, e os acontecimentos nele descritos, ao período do Êxodo dos israelitas,
pelas semelhanças entre os dois textos, e identifica os Hicsos como os
amalequitas da Bíblia. Referimos à nossa mensagem sobre o “êxodo e os
amalequitas”. Esta coincidência tem recebido apoio em meios revisionistas.
Segundo esta tese, o
período dos hicsos/amalequitas (= o Segundo Período Intermédio no Egipto, da 14ª
à 17 ª dinastia) corresponde ao tempo em que os israelitas andaram no deserto e
o período de Josué e Juizes, contra as duas teses correntes de que os
israelitas teriam saído do Egipto muito mais tarde, na 18ª ou 19ª dinastia
(Ramsés).
Desde o princípio do
século XX ficou geralmente aceite que os Hicsos foram expulsos no início da 18ª
dinastia, por Amósis I (Engberg, 1939; Breasted, 1906). Decorrente da
associação do Papiro Ipuwer com o êxodo, Velkivosky defende que Saul ajudou os
egípcios na captura de Avaris, capital-fortaleza dos Hicsos (ISam 15).
Afastados do Egipto desde
Amósis I, os Hicsos continuaram, no entanto, presentes nos territórios de
Israel (Saruem) e Síria até ao tempo de Tutmés III e talvez mesmo mais tarde (Engberg,
1939; Breasted, 1906). E, de facto, encontramos David lutando contra os
amalequitas, enquanto estava fugido de Saul (1Sam 27:8).
Em consequência desta
revisão cronológica, altera-se o cruzamento da cronologia bíblica com a cronologia
consensual.
Se os hicsos/amalequitas
foram afastados do Egipto no tempo de Saul, e se Saul é contemporâneo de Amósis
I do Egipto, isto significa que o início da 18ª dinastia egípcia (Amósis I,
Amenotepe I, Tutmés I e II, Hatshepsute e Tutmés III) coincide com o início do reino
de Israel: Saul, David, Salomão.
O Egipto reconquistou a
sua independência sob Amósis, contemporâneo de Saul, e alcançou grandeza e glória
sob Amenotepe I, Tutmés I e II, Hatshepsute e Tutmés III. Os 2 reinos, Egipto e
Israel, libertados do mesmo opressor – os amalequitas / hicsos – desenvolveram
relações comerciais e aliaram-se através de casamento: Salomão aparentou-se com
o Faraó do Egipto (1Rs 3:1), tomando por mulher a filha do Faraó.
As Escrituras não
preservaram o nome dela nem do faraó, mas sabemos que ele fez uma expedição
contra o sul de Judá, região onde habitavam filisteus e cananeus, tomou Gezer e
a queimou e a deu como dote à sua filha (1 Reis 9:16). É possível que esta
incursão seja a mesma a que se refere uma inscrição no túmulo de Amósis, filho
de Nekbhet, que era um oficial de Tutmés I. De acordo com esta inscrição, depois
da campanha militar contra a Núbia, Tutmés I empreendeu uma campanha contra
Retenu (designação utilizada para Israel) para procurar vingança ou obter
satisfação (Breasted, 1906). A vingança terá sido contra os Hicsos.
Daí foi só um passo para
Velikovsky identificar Hatshepsute, filha de Tutmés I, como a rainha de Sabá.
Que provas podem
apresentar-se em defesa desta identificação?
Além de Velikovsky’s «Ages
in chaos», consultámos os seguintes sites:
http://www.specialtyinterests.net/sheba.html,
que apoia as teses de Velikovsky (veja-se também a crítica sobre este site em https://cstrock12.wordpress.com/2009/10/01/analyzing-websites-the-california-institute-for-ancient-studies/)
e
Sweeney, Emmett. Was Hatshepsut the Queen of Sheba, or merely the Queen of Theba? Disponível
em http://www.hyksos.org).
A rainha do sul
Mateus 12:42 refere-se à
rainha que foi ouvir a sabedoria de Salomão como a rainha do Sul. Em Daniel 11,
é repetidamente feito menção do ‘rei do sul’ e do ‘sul’, indicando o Egipto. Josefo,
em Antiguidades dos Judeus (VIII-165), sem chamar aquela rainha pelo nome,
introdu-la como “rainha do Egipto e da Etiópia”.
A cronologia consensual
não consegue encontrar nenhuma rainha do Egipto e Etiópia cuja vida coincida
com a história de Israel. Mas, se deslocarmos a história do Egipto de acordo
com as teses revisionistas, já podemos encontrar uma coincidência cronológica bastante
plausível de Salomão com Hatshepsute.
A viagem de Hatshepsute nos
relevos de Punt
Baixos-relevos nas paredes
do templo de Deir-el-Bahari, perto de Tebas, no Egipto, contam a história da
rainha Hatshepsute. Uma série destes relevos, conhecidos como os “relevos de
Punt”, contam a história de uma viagem da rainha ao país de Punt, ou Terra
Divina (ta netjer), e uma descrição das ofertas que ele recebeu e levou para
casa nos seus navios.Esta expedição apresenta semelhanças com a narrativa bíblica em 1Reis 10 e 2Crónicas 9.
A localização de Punt
Tradicionalmente é assumido
que a localização geográfica da terra de Punt era nas margens do Mar Vermelho,
na região do Corno de África, devido ao tipo de plantas e animais que
Hatshepsute trouxe da sua viagem a Punt e que podem ser vistos nos
baixos-relevos (panteras, uma girafa, um rinoceronte, macacos). Estes
reconhecem-se como fauna e flora tipicamente africana.
Velikovsky sugeriu que
Salomão tivesse trazido estes animais e plantas de África, de Ofir, de onde
também traziam ouro (1Rs 9:26-28). Discute-se se Ofir se encontrava na Arábia,
em África ou na Índia, de qualquer modo a sul do Mar Vermelho numa região onde
se podia ir com os navios que largavam do porto de Eziom-Geber no golfo de
Acabá (International Standard Bible Encyclopaedia). Não havia, porém, necessidade
de importar estes animais de outras regiões. Na Antiguidade, havia em todo o
Médio Oriente estas criaturas que hoje em dia são apenas associadas com África.
Encontramos alguns exemplos na própria Bíblia: leões (Jz 14:5), gazelas e
antílopes (Dt 14:5), avestruzes (Dt 14:15; Jó 30:29; Is 34:13).
Há outras indicações em
inscrições egípcias que situam Punt, não a sul, mas a oriente do Egipto, na
região que corresponde a Israel e Fenícia, como é argumentado por Velikovsky e
por alguns outros historiadores. O termo “terra divina” ou “país de Deus” (ta
netjer) era também aplicado a Punt e Israel/Fenícia, bem como o nome Retenu.
A viagem marítima
1Rs 10:2 diz que a rainha
de Saba chegou a Jerusalém com uma comitiva muito grande e com camelos
carregados de coisas. Os baixos-relevos mostram uma expedição por via marítima,
com vários navios. Jerusalém não é situada na costa. É natural que ela viesse
por terra, usando camelos como meio de locomoção, pelo menos a última parte da
viagem. As Escrituras não dizem como ela fez a primeira parte da sua viagem. Segundo
Breasted, a expedição pode ter deixado o Nilo em Koptos, continuando em terra por
caravana até El-Quosier no Mar Vermelho, onde existia um porto. Mas é possível
que o canal que ligava o Nilo e o Mar Vermelho já existisse.Os versículos bíblicos imediatamente antes da história da visita da rainha a Jerusalém falam das naus que Salomão fez em Eziom-Geber, junto a Eilate, na praia do mar Vermelho, e de como os servos de Salomão iam a Ofir juntamente com os marinheiros de Hirão, rei de Tiro. Salomão tinha construído um porto em Eziom-Geber (1Rs 9:26-28). 2Crónicas 8:17-18 especifica que Salomão foi ele próprio a Eziom-Geber e Elote, à praia do mar, na terra de Edom. E os seus navios trouxeram ouro de Ofir, ouro que Salomão deu à rainha (2Cr 9:9-10). Este versículo vem imediatamente antes da narrativa da vinda da rainha de Sabá. Possivelmente Salomão foi inspecionar se tudo estava preparado para receção de tão importante visita.
A rota mais curta de Tebas a Jerusalém não era pelo Nilo e depois pela costa do Mediterrâneo, mas pelo Mar Vermelho, entrando no golfo de Acabá, até Eziom-Geber. Possivelmente, o regresso aconteceu pelo mar mediterrâneo, embarcando num dos portos fenícios (Tiro), viajando pelo Nilo até Tebas.
O desembarque em Eziom-Geber
Num dos relevos de
Deir-el-Bahari, numa cena indicando a proximidade do mar ou do porto onde os
egípcios desembarcaram, a comitiva é recebida pelo representante do rei, um
homem idoso, chamado chefe de Punt, de nome Perehu ou Paruah, acompanhado da
mulher, dois filhos e uma filha (Breasted, 1906). Velikovsky avança a
possibilidade de este homem ser Parua, o pai de um dos doze intendentes de
Salomão. O que cronologicamente é possível.
Ver 1Rs 4:16-17 – e
Bealote (=em Alote), Josafá, filho de Parua.
Segundo vários autores, a
última palavra do v.16 (e Bealote) pertence ao v.17, sendo “e em Alote (isto é,
Eilate), Josafá, filho de Parua”. Os vs. 16 e 17 são confusos. V.16: Baaná,
filho de Husai, em Aser e Bealote (= em Alote). O território da tribo de Aser
fica na extremidade norte do território de Israel, enquanto Alote (Eilate) no
extremo sul. É estranho que um intendente tenha sob sua responsabilidade dois
territórios tão afastados. V.17: Josafá, filho de Parua, em Issacar. O
território de Issacar fica na zona do vale de Jezreel, separado de Aser apenas
pelo território reduzido de Zebulon, e também muito a norte em relação a
Eilate.
Os terraços de mirra
Salomão deu à rainha “tudo
quanto ela desejou” (1Rs 10:13), afora o que deu por sua generosidade. Pelas
inscrições nos relevos de Punt, como vêm traduzidas por Breasted, parece-me que
o principal objetivo da expedição – “o desejo de sua majestade” como está
escrito nos relevos de Punt -, era chegar aos terraços de mirra em Punt e levar
árvores de mirra para plantar no templo de Amon no Egipto. Além de outras
ofertas como prata, ouro, marfim, madeiras (pode referir-se à madeira de
sândalo que era trazida de Ofir), macacos, os relevos mostram os navios a serem
carregados com sacos com mirra em grande quantidade e com 31 árvores, presumivelmente
de mirra, em vasos. A mirra era utilizada para a produção do incenso para o
templo. Descobriu-se que o vale do Jordão foi uma região importante de produção
de mirra.
O templo
No regresso, Hatshepsute
edificou um novo templo, com terraços onde plantou as árvores que trouxe de
Punt - é neste templo que estão os relevos que contêm a história da expedição.
Imitou os terraços de Jerusalém, mas também a planta e o serviço do templo, que
mostram claras semelhanças com o templo de Salomão. É reconhecido por
egiptólogos que os elementos estrangeiros no templo (cujo estilo é diferente do
estilo egípcio contemporâneo) era influências de Punt. Hatshepsute escreve nos
relevos que ela “fez um Punt”.O tributo à rainha
Outra cena mostra a aproximação de quatro linhas de chefes trazendo tributo à rainha: os chefes de Punt, os chefes de Irem e os chefes de Nemyev (estes têm a pela escura, cabeças arredondadas e lábios grossos). Irem ou Hirão é o nome atribuído aos reis de Tiro, fazendo sentido a sua presença neste quadro (1Rs 10:11). Os de Nemyev poderão ser de Ofir. Josefo, em Antiguidades dos Judeus, escreve que os navios de Salomão carregavam toda a sorte de mercadoria, prata, ouro, marfim e também traziam kussiim [negros]. Na opinião de alguns, o facto de os negros oferecerem tributo podia significar que, além da expedição a Punt, houve outra expedição a regiões africanas e os relevos colocaram juntos o que geograficamente estava separado.
ENGBERG, Robert M. (1939). The Hyksos reconsidered. Chicago: University of Chicago Press
BREASTED, J.H. (1906). Ancient records of
Egypt. Historical documents. Chicago: University of Chicago Press. Disponível
online.
SWEENEY, Emmett. Was Hatshepsut the Queen of Sheba, or merely the Queen of Theba? Disponível
em http://www.hyksos.org).