16/03/2014

O ÊXODO (5) e OS AMALEQUITAS

Se os acontecimentos catastróficos descritos no Papiro Ipuwer (e nos outros documentos que referimos anteriormente) e a saída dos filhos de Israel do Egipto ocorreram quase simultaneamente com a invasão dos amu (designação egípcia para povos asiáticos) no Egipto, há uma grande possibilidade que estes amu sejam os hicsos, e que possam ser identificados com os amalequitas da Bíblia, segundo defende Velikovsky.

- Quem eram os amalequitas que se encontraram com Israel pouco depois de estes terem saído do Egipto?
Os comentadores bíblicos estão divididos. Uns apontam para os descendentes de Amaleque, neto de Esaú através do seu filho Elifaz com uma concubina (Gn 36:12). Outros apontam para um povo mais antigo, que já existia no tempo de Abraão (Gn 14:7).

Em Num 24:20, Amaleque é chamado por Balaão “o primeiro das nações”. Isto pode referir-se a uma existência antiga, embora não apareça na lista das nações de Génesis 10 (Easton's Bible Dictionary).

- Quem eram os hicsos? Voltemos a Velikovsky:
O historiador egípcio Maneto é a fonte principal da informação sobre a invasão dos hicsos. Os escritos de Maneto já não existem, mas parte deles foram preservados através de outros autores, entre outros Flávio Josefo, historiador judeu, no seu panfleto Contra Apion. Segundo Maneto um povo de origem ignóbil, vindo do oriente, invadiu o país, e dominaram-no sem dificuldade, mesmo sem qualquer batalha. De onde vieram os hicsos? Nos dias de Maneto, alguns diziam que eram arábios. O nome é explicado por Maneto e significa reis-pastores. Na literatura egípcia, os hicsos eram designados “amu”.

Os hicsos eram conhecidos como um povo cruel, destruidor. Não se conhecem monumentos ou obras literárias que sobreviveram ao seu tempo, salvo lamentações, como de Ipuwer.
As Escrituras não fornecem informações sobre o que aconteceu no Egito depois da saída dos israelitas. Mas o Papiro de Ipuwer conta de invasões e de um país atormentado por um conquistador cruel, que subjugou o país sem encontrar resistência. Vandalizaram e destruíram, violaram as mulheres, escravizaram a população, e mutilavam.

Os invasores vieram do oriente, da Ásia, como é dito no Papiro Ipuwer, enquanto os israelitas iam na direção do oriente. Os dois continentes, Ásia e África, são conectados por um pequeno triângulo de terra. Era bastante provável que os israelitas, ao se dirigirem para oriente, para o deserto, se encontrassem com os invasores que vinham na direção das fronteiras egípcias.
Encontraram-se em Refidim, no segundo mês depois de terem saído do Egipto. Prevaleceram contra Amaleque a muito custo (Ex 17:8-16). Esta foi a primeira das batalhas contra os amalequitas. Não seria o último encontro. Dt 25:17-19 dá a entender que houve outros ataques aos mais fracos, desfalecidos e afadigados na retaguarda. A beira da terra prometida, os espias avistaram os amalequitas, que habitavam na terra do Neguebe (isto é, no sul) (Num 13:29) e Israel teve medo e foram obrigados a regressar ao deserto por 40 anos.Para inspirar este imenso medo, os amalequitas deviam ser mais que meras tribos de beduínos, mas deviam representar uma força maior.

Se os hicsos vieram da Arábia, como alguns afirmam, não haverá testemunhos disto em fontes árabes, pergunta Velikovsky? Os historiadores árabes consideram os amalequitas como sendo uma das mais antigas tribos árabes, embora não estejam de acordo sobre a sua origem, se de Sem, se de Cão. Eles dominavam na península árabe.
Na literatura árabe medieval também existe uma tradição da ocorrência de uma grande catástrofe natural, com pragas de insetos, sismos, nuvens e um marmoto que destruiu toda a costa da península. Os mesmos fenómenos ocorreram na Arábia e no Egipto. Esta catástrofe causou a migração de amalequitas em direção à Síria e ao Egipto.

Ainda segundo a literatura árabe, os amalequitas invadiram a Síria e o Egipto e estabeleceram uma dinastia de faraós. Um rei amalequita, vindo da Síria, conquistou o Egipto, tomou o trono e ocupou-o sem oposição, o que mais uma vez lembra as palavras de Maneto (através de Josefo) sobre a vinda de um povo do oriente que tomou o domínio sem dificuldade ou sequer luta. Os amalequitas destruíram monumentos e objetos de arte. O mesmo é dito em fontes árabes e por Maneto. Relembra-se também a inscrição da rainha Hatschepsute sobre os amu que habitavam no delta e em Avaris (que seria uma cidade situada num ponto estratégico a oriente do delta do Nilo), cujas hordas destruíram as obras antigas e reinaram ignorantes do deus Ra.


A duração e extensão do domínio dos hicsos.

O domínio dos hicsos no Egipto estendia-se entre o Império Médio e o Império Novo. Existem várias teorias sobre a duração deste período. Segundo Maneto e Josefo, o período dos hicsos durou 511 anos. Porém nos livros modernos da história do Egipto, este período é drasticamente reduzido a cerca de 100 anos. Ainda outros avançam uma duração de 1660 anos. Velikovsky atribui a este período uma duração de 440 anos, equivalente ao número de anos que os israelitas passaram no deserto, o tempo de Josué e da liderança dos Juizes. Ele atribui a libertação do Egipto dos hicsos e a conquista de Avaris ao rei Saul. Voltaremos em tempo a este assunto e às razões alegadas por Velikovsky.
Quanto à extensão do domínio dos hicsos, este não estava confinado ao Egipto. Selos oficiais nomeadamente do rei Agague foram encontrados em vários países, até em Cnossos (Creta), o que levou os historiadores a terem de admitir que os hicsos, mesmo se por um duração limitada, comandavam um grande império e tinham uma extensa influência política.

Os israelitas encontraram os amalequitas quando tentaram entrar em Canaã a primeira vez (Num 14:43, 45), e repetidamente no tempo dos Juizes, oprimindo os israelitas (Jz 3:13; 6.13; 7:12;10:12;12:15), até que Saul os derrotou (1 Samuel 15) embora não executasse inteiramente o mandamento do Senhor.
A revisão apresentada por Velikovsky coloca o tempo de Israel no deserto, de Josué e Juízes no período dos hicsos/amalequitas. Em harmonia com este esquema revisto, os amalequitas deviam ser naquele tempo o povo mais poderoso entre as nações. Isto é corroborado na Bíblia. No episódio de Balaque e Balaão, Balaão profetiza que em Israel haveria “um rei que se levantará mais do que Agague” (Num 24:7) e disse que Amaleque era “o primeiro das nações, porém o seu fim será destruição” (Num 24:20). Estas passagens dão a entender que os amalequitas não eram apenas umas tribos “terroristas” do deserto, que viviam de ataques e saques como muitas vezes é ensinado. Ou como em certo comentário é explicado que o “primeiro das nações” significa que era a primeira nação que se opôs a Israel depois da saída do Egipto. Parece-me todavia fazer mais sentido que Amaleque era a mais poderosa das nações naquela época. O Rei que o Senhor havia de levantar em Israel seria maior do que Agague.

09/03/2014

ÊXODO (4)

Velikovsky encontrou em 3 documentos egípcios indícios que os situam na mesma época que o êxodo dos Israelitas do Egipto. Uma grande catástrofe natural – provavelmente um sismo de grande magnitude, erupções vulcânicas, um tsunami – seguida da invasão de um povo asiático, os Amu, e um período de grande confusão, desordem, miséria e violência que se segue à catástrofe natural associada à invasão e ocupação do território egípcio pelos amu.

Quem são estes amu? Quando ocorreram estas coisas?
Tradicionalmente, o êxodo é situado na 18ª ou 19ª dinastia. Alguns identificam Israel com os hicsos. Outros são da opinião que foram os hicsos que acolheram José e a sua família, sendo conhecidos como os reis-pastores. O faraó Amósis da 18ª dinastia teria expulso os hicsos. Ele, ou o seu sucessor Amenotepe I, ou Tutmés, foi o responsável pela política repressiva e que reduziu os hebreus à escravidão. A princesa que salvou Moisés teria sido Hatshepsute. Outros alegam que o faraó da opressão foi Ramsés da 19ª dinastia, devido ao nome da cidade-armazém construída pelos israelitas.

Porém, as deduções de Velikovsky vêm baralhar esta cronologia.
Retomando a pergunta deixada na última mensagem, quando, na história do Egipto, se podem situar os acontecimentos descritos no Papiro de Ipuwer, no monólito de El-Arish e no Papiro do Hermitage?

O tempo descrito no Papiro de Ipuwer, segundo a opinião do papirólogo alemão Kurt Sethe, é o do tempo da invasão dos hicsos. Portanto, do período intermédio entre o Império Médio e o Império Novo (ver o quadro cronológico infra).
Os que estudaram o papiro Ipuwer concordam que o documento é uma cópia de outro mais antigo. Mas a maneira de escrever é a do Império Médio. Isto coloca-o, na opinião de Gardiner, que traduziu o texto, no período que separa a 6ª da 11ª dinastia, portanto numa época ainda anterior ao Império Médio e muito anterior ao tradicional. Mas ele deixou a questão em aberto.

Para Velikovsky, o pano de fundo histórico do Papiro Ipuwer é o da invasão dos Hicsos (Sethe). Considerações filológicas mostram que o texto tem todos os sinais de um produto literário do Império Médio (Gardiner). Quando se combinam os testemunhos históricos e filológicos, tudo aponta para o fim do Império Médio e o início da invasão dos hicsos. O estilo ainda é o do Império Médio, porque nos poucos meses depois do fim dessa era o estilo literário não podia ter mudado muito. Aliás, nos séculos de dominação dos hicsos, a atividade literária parou no Egipto. Além disso, Ipuwer fala de uma tragédia do seu próprio tempo e não de uma época passada. O texto terá sido redigido pouco tempo depois da queda do Império Médio, no início do período de dominação dos hicsos.
Não só a invasão dos Amu (Hicsos) constitui o pano de fundo histórico do Papiro Ipuwer, mas também a catástrofe natural e as pragas que são análogas ao do tempo do êxodo.

Ainda há outra importante inscrição egípcia da rainha Hatshepsute, que reinou duas ou três gerações depois da expulsão dos hicsos, a qual dá a entender que ela restaurou o que tinha sido deixado em ruinas pelos amu que reinavam no Delta e em Avaris. Os amu, que tinham tomado posse do país, não cuidaram de restaurar as ruinas e aumentaram mesmo a destruição.
Em todos os documentos referidos – o Papiro Ipuwer, a pedra de El-Arish, o Papiro do Hermitage e também a inscrição de Hatshepsute -, a catástrofe natural e a invasão dos amu são descritos como sequenciais. A catástrofe consistia numa série de convulsões e distúrbios e a invasão dos povos da Ásia aconteceu antes que os elementos naturais se acalmassem.

Qual a consequência de tudo isto para a cronologia?
Se está correto que a saída dos israelitas do Egípcio é contemporânea com a catástrofe natural e a invasão dos hicsos no Egipto e que todos os documentos mencionados falam de um mesmo evento (mesmo que de pontos de vista diferentes), e se a cronologia bíblica está correta, toda a cronologia da história do Egipto como ensinada tradicionalmente no meio académico (e cristão) está errada em cerca de 500 anos e devia ser revista.

Outra consequência é que toda a cronologia do antigo Médio Oriente deve ser revista, porque está baseada na cronologia do Egípto, que tem sido usada direta ou indiretamente para datar todas as outras civilizações na Europa e no Médio Oriente.
E aqui está o problema. O establishment académico rejeita todo movimento revisionista que possa surgir internamente. São outsiders que investigam as provas e que descobrem e expõem os erros, porém não são reconhecidos, sendo mesmo ridicularizados. Como foi o caso de Velikovsky.

Para podermos estar seguros no que acreditamos, é importante conhecermos a cronologia que a Bíblia fornece e que cremos estar correta.

1º PERÍODO INTERMÉDIO
7ª a 10ª dinastia                  
2181-2055
Cronologia tradicional
Cronologia revista segundo Velikovsky
IMPÉRIO MÉDIO
11ª dinastia
12ª dinastia
13ª dinastia
2055-1650
 
1706: a família de Jacó entra no Egipto
 
2º PERÍODO INTERMÉDIO
14ª a 17ª dinastia (hicsos)
1650-1550
 
1571: nascimento Moisés
Saída de Israel do Egipto no início do período dos hicsos.
O período dos hicsos corresponde à época de Juizes.
IMPÉRIO NOVO          
18ª dinastia (1570-1320)
§  Amósis (1570-1546)
§  Amenotepe  I (1546-1527)
§  Tutmés I (1527-1515)
§  Tutmés II (1515-1498)
§  Hatchepsute (1498-1483)
§  Tutmés III (1504-1450)
§  Amenotepe II (1450-1412)
§  Tutmés IV (1412-1402)
§  Amenotepe III (1402-1364)
§  Akhenaton (1350-1334)
§  Semencaré  (1334)
§  Tutankamon (1334-1325)
§  Ai (1325-1321)
19ª dinastia
§  Ramsés I (ca. 1320)
§  Seti I  (1318-1304)
§  Ramsés II (1304-1237)
§  Merneptá (1236-1223)
§  Amenmes
§  Seti II
§  Siptah (1208-1202)
§  Rainha Tausert (1202-1200)
20ª dinastia
1550-1069
 
 
 
 
 
1491: Êxodo
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Êxodo
 
 
 
 
 
 
Salomão (Hatschepsute = rainha de Sabá)

01/03/2014

O ÊXODO (3)

Retomando o fio da última mensagem, voltamos a Velikovsky que descobriu vários documentos que apoiam a concordância cronológica entre o Papiro Ipuwer e a história do êxodo. Apresento aqui um resumo.

- Aconteceu que, à meia-noite, feriu o Senhor todos os primogénitos na terra do Egipto … fez-se grande clamor no Egipto, pois não havia casa em que não houvesse morto (Ex 12:29-30).

- A residência caiu num minuto, diz o Papiro de Ipuwer.

De acordo com o livro do Êxodo, a última noite dos israelitas no Egipto foi uma noite em que a morte atacou repentinamente, fazendo vítimas em todas as casas egípcias. Segundo Velikovsky, só um terramoto podia derrubar num instante a residência do rei. E só uma catástrofe natural podia provocar tantas mortes em simultâneo.
A confusão que se seguiu ao sismo foi aproveitado pelos israelitas para fugirem, o que fizeram apressadamente. Com eles, partiu também um misto de gente (Ex 12 :38), egípcios que fugiram da catástrofe natural.

Eram guiados por uma coluna de nuvem durante o dia e uma coluna de fogo durante a noite.
Não demorou muito até que o faraó se recompusesse e com o seu exército perseguisse os escravos fugidos. Encontraram-nos, encurralados, em Pi-Hahirote, junto ao mar (Ex 14). Um forte vento oriental soprou que fez retirar-se o mar, que se tornou terra seca. Os israelitas passaram em seco, mas quando os egípcios seguiram atrás deles, o mar regressou e as águas cobriram-nos.  O retirar do mar pode explicar-se pela ocorrência de um tsunami provocado pelo sismo, e também estava possivelmente ligado às erupções vulcânicas (que também podem provocar tsunamis) que estavam acontecendo com grande frequência, e que explicam fenómenos como a coluna de fogo e a nuvem, a praga da chuva de pedras e a das trevas.

Velikovsky estabelece uma relação entre o nome do lugar de Pi-Hahirote da Bíblia com um nome idêntico numa fonte egípcia, o monólito de El-Arish, encontrado na década de 1860 numa aldeia entre o Egipto e Palestina. Trata-se de uma pedra de granito preto inscrita com hieróglifos. Os eventos neles relatados dizem respeito a um certo rei Thom. Embora o texto esteja bastante mutilado, há uma descrição de uma terra em grande aflição, de um tempo de nove dias de escuridão em que ninguém se via um ao outro. A história é muito semelhante com a nona praga – das trevas – descrita em Êxodo 10:21-23, embora difira ligeiramente quanto ao número de dias que duraram as trevas. No meio da escuridão e da tempestade invasores aproximavam-se da fronteira do Egipto desde o deserto. A sua majestade foi para a batalha contra os companheiros de Apopi. Apopi era o deus das trevas. Mas o rei e o seu exército nunca voltaram. O rei pereceu na água, num remoinho. A história das trevas e da morte do faraó num remoinho é similar nas fontes egípcias e hebraicas. Mas a semelhança é ainda reforçada por um outro detalhe que não pode ser atribuído ao acaso. O lugar onde o rei foi lançado no ar pelo turbilhão e partiu para o céu chama-se Pi-Kharoti na pedra de El-Arish e Pi-hakirote nas Escrituras. Será o mesmo lugar. “Ha” em Pi-hakirote é o artigo definido. O rei que pereceu no remoinho era Thom ou Thoum. Velikovsky relaciona este nome com Pitom, uma das cidades-celeiros do Egipto edificadas pelos escravos israelitas (Ex 1:11). Pi-Tom significa a morada de Tom.
Entretanto, no Egipto, tudo estava em ruinas, muitos pereceram, não havia poder real, os armazéns do rei eram saqueados, conta Ipuwer, que fornece informação sobre o que aconteceu depois do sismo. Além da catástrofe natural, a situação tornou-se ainda pior pela invasão de um povo inimigo, vindo do deserto, num Egipto sem defesa. Várias expressões de Ipuwer indicam que o texto do papiro foi redigido pouco depois da catástrofe, enquanto os seus efeitos e os distúrbios ainda não tinham chegado ao fim.

Velikovsky refere mais um documento que traz uma descrição que em tudo faz lembrar tanto a história do Êxodo, como os acontecimentos do Papiro Ipuwer: o Papiro do Hermitage, preservado em São Petersburgo com o número 1116b recto. Num estilo profético, o sábio Neferrohu fala de um país em ruinas, onde nada resta. O sol está encoberto por nuvens. O rio está seco. Miséria. Asiáticos desceram no Egipto. Homens riem com um riso de dor. O desastre natural é combinado com a subjugação política do Egipto pelos Amu.
As semelhanças parecem óbvias entre as fontes egípcias e a Bíblia.

A pergunta que se levanta é: quando é que isto ocorreu? A resposta bíblica está à mão, no tempo do Êxodo. Mas na história do Egipto, quando é que se podem situar os acontecimentos descritos no Papiro de Ipuwer, no monólito de El-Arish e no Papiro do Hermitage?