18/01/2015

SALOMÃO E A RAINHA DE SABÁ

O problema da cronologia bíblica é devido ao facto de que, na cronologia consensual académica, não há lugar para os eventos e figuras descritos na Bíblia. É como se não tivessem existido. Por conseguinte, a Bíblia tem sido rejeitada como fonte histórica válida.

A cronologia consensual apresenta outras falhas, apontadas por alguns historiadores que preconizam uma revisão da cronologia, mas que não são tomadas em conta, em parte numa recusa de considerar a Bíblia como fonte histórica válida.

Um destes revisionistas que tem causado muito alarido, e que tem sido alvo de duras críticas, é Emmanuel Velikovsky. Ele estranhou o facto de não haver na história do Egipto a menor referência ao êxodo dos Israelitas, nem das pragas e calamidades naturais que ocorreram naquela mesma época e que deixaram o Egipto economicamente de rastos.

O início do domínio dos Hicsos no Egipto está associado a uma situação de fraqueza do país. Ipuwer, um sacerdote, fala de anarquia no país e da entrada de asiáticos (amu) no delta do Nilo. O Papiro Ipuwer é há muito tempo reconhecido como se referindo ao tempo dos Hicsos (Engberg, 1939).

Estando o Papiro Ipuwer já associado à invasão dos Hicsos, Velikovsky foi mais longe. Associou o Papiro Ipuwer, e os acontecimentos nele descritos, ao período do Êxodo dos israelitas, pelas semelhanças entre os dois textos, e identifica os Hicsos como os amalequitas da Bíblia. Referimos à nossa mensagem sobre o “êxodo e os amalequitas”. Esta coincidência tem recebido apoio em meios revisionistas.

Segundo esta tese, o período dos hicsos/amalequitas (= o Segundo Período Intermédio no Egipto, da 14ª à 17 ª dinastia) corresponde ao tempo em que os israelitas andaram no deserto e o período de Josué e Juizes, contra as duas teses correntes de que os israelitas teriam saído do Egipto muito mais tarde, na 18ª ou 19ª dinastia (Ramsés).

Desde o princípio do século XX ficou geralmente aceite que os Hicsos foram expulsos no início da 18ª dinastia, por Amósis I (Engberg, 1939; Breasted, 1906). Decorrente da associação do Papiro Ipuwer com o êxodo, Velkivosky defende que Saul ajudou os egípcios na captura de Avaris, capital-fortaleza dos Hicsos (ISam 15).

Afastados do Egipto desde Amósis I, os Hicsos continuaram, no entanto, presentes nos territórios de Israel (Saruem) e Síria até ao tempo de Tutmés III e talvez mesmo mais tarde (Engberg, 1939; Breasted, 1906). E, de facto, encontramos David lutando contra os amalequitas, enquanto estava fugido de Saul (1Sam 27:8).

Em consequência desta revisão cronológica, altera-se o cruzamento da cronologia bíblica com a cronologia consensual.

Se os hicsos/amalequitas foram afastados do Egipto no tempo de Saul, e se Saul é contemporâneo de Amósis I do Egipto, isto significa que o início da 18ª dinastia egípcia (Amósis I, Amenotepe I, Tutmés I e II, Hatshepsute e Tutmés III) coincide com o início do reino de Israel: Saul, David, Salomão.

O Egipto reconquistou a sua independência sob Amósis, contemporâneo de Saul, e alcançou grandeza e glória sob Amenotepe I, Tutmés I e II, Hatshepsute e Tutmés III. Os 2 reinos, Egipto e Israel, libertados do mesmo opressor – os amalequitas / hicsos – desenvolveram relações comerciais e aliaram-se através de casamento: Salomão aparentou-se com o Faraó do Egipto (1Rs 3:1), tomando por mulher a filha do Faraó.

As Escrituras não preservaram o nome dela nem do faraó, mas sabemos que ele fez uma expedição contra o sul de Judá, região onde habitavam filisteus e cananeus, tomou Gezer e a queimou e a deu como dote à sua filha (1 Reis 9:16). É possível que esta incursão seja a mesma a que se refere uma inscrição no túmulo de Amósis, filho de Nekbhet, que era um oficial de Tutmés I. De acordo com esta inscrição, depois da campanha militar contra a Núbia, Tutmés I empreendeu uma campanha contra Retenu (designação utilizada para Israel) para procurar vingança ou obter satisfação (Breasted, 1906). A vingança terá sido contra os Hicsos.

Daí foi só um passo para Velikovsky identificar Hatshepsute, filha de Tutmés I, como a rainha de Sabá.

Que provas podem apresentar-se em defesa desta identificação?

Além de Velikovsky’s «Ages in chaos», consultámos os seguintes sites:


e

Sweeney, Emmett. Was Hatshepsut the Queen of Sheba, or merely the Queen of Theba? Disponível em http://www.hyksos.org).

A rainha do sul

Mateus 12:42 refere-se à rainha que foi ouvir a sabedoria de Salomão como a rainha do Sul. Em Daniel 11, é repetidamente feito menção do ‘rei do sul’ e do ‘sul’, indicando o Egipto. Josefo, em Antiguidades dos Judeus (VIII-165), sem chamar aquela rainha pelo nome, introdu-la como “rainha do Egipto e da Etiópia”.

A cronologia consensual não consegue encontrar nenhuma rainha do Egipto e Etiópia cuja vida coincida com a história de Israel. Mas, se deslocarmos a história do Egipto de acordo com as teses revisionistas, já podemos encontrar uma coincidência cronológica bastante plausível de Salomão com Hatshepsute.

A viagem de Hatshepsute nos relevos de Punt
Baixos-relevos nas paredes do templo de Deir-el-Bahari, perto de Tebas, no Egipto, contam a história da rainha Hatshepsute. Uma série destes relevos, conhecidos como os “relevos de Punt”, contam a história de uma viagem da rainha ao país de Punt, ou Terra Divina (ta netjer), e uma descrição das ofertas que ele recebeu e levou para casa nos seus navios.
Esta expedição apresenta semelhanças com a narrativa bíblica em 1Reis 10 e 2Crónicas 9.

A localização de Punt
Tradicionalmente é assumido que a localização geográfica da terra de Punt era nas margens do Mar Vermelho, na região do Corno de África, devido ao tipo de plantas e animais que Hatshepsute trouxe da sua viagem a Punt e que podem ser vistos nos baixos-relevos (panteras, uma girafa, um rinoceronte, macacos). Estes reconhecem-se como fauna e flora tipicamente africana.

Velikovsky sugeriu que Salomão tivesse trazido estes animais e plantas de África, de Ofir, de onde também traziam ouro (1Rs 9:26-28). Discute-se se Ofir se encontrava na Arábia, em África ou na Índia, de qualquer modo a sul do Mar Vermelho numa região onde se podia ir com os navios que largavam do porto de Eziom-Geber no golfo de Acabá (International Standard Bible Encyclopaedia). Não havia, porém, necessidade de importar estes animais de outras regiões. Na Antiguidade, havia em todo o Médio Oriente estas criaturas que hoje em dia são apenas associadas com África. Encontramos alguns exemplos na própria Bíblia: leões (Jz 14:5), gazelas e antílopes (Dt 14:5), avestruzes (Dt 14:15; Jó 30:29; Is 34:13).

Há outras indicações em inscrições egípcias que situam Punt, não a sul, mas a oriente do Egipto, na região que corresponde a Israel e Fenícia, como é argumentado por Velikovsky e por alguns outros historiadores. O termo “terra divina” ou “país de Deus” (ta netjer) era também aplicado a Punt e Israel/Fenícia, bem como o nome Retenu.

A viagem marítima
1Rs 10:2 diz que a rainha de Saba chegou a Jerusalém com uma comitiva muito grande e com camelos carregados de coisas. Os baixos-relevos mostram uma expedição por via marítima, com vários navios. Jerusalém não é situada na costa. É natural que ela viesse por terra, usando camelos como meio de locomoção, pelo menos a última parte da viagem. As Escrituras não dizem como ela fez a primeira parte da sua viagem. Segundo Breasted, a expedição pode ter deixado o Nilo em Koptos, continuando em terra por caravana até El-Quosier no Mar Vermelho, onde existia um porto. Mas é possível que o canal que ligava o Nilo e o Mar Vermelho já existisse.
Os versículos bíblicos imediatamente antes da história da visita da rainha a Jerusalém falam das naus que Salomão fez em Eziom-Geber, junto a Eilate, na praia do mar Vermelho, e de como os servos de Salomão iam a Ofir juntamente com os marinheiros de Hirão, rei de Tiro. Salomão tinha construído um porto em Eziom-Geber (1Rs 9:26-28). 2Crónicas 8:17-18 especifica que Salomão foi ele próprio a Eziom-Geber e Elote, à praia do mar, na terra de Edom. E os seus navios trouxeram ouro de Ofir, ouro que Salomão deu à rainha (2Cr 9:9-10). Este versículo vem imediatamente antes da narrativa da vinda da rainha de Sabá. Possivelmente Salomão foi inspecionar se tudo estava preparado para receção de tão importante visita.
A rota mais curta de Tebas a Jerusalém não era pelo Nilo e depois pela costa do Mediterrâneo, mas pelo Mar Vermelho, entrando no golfo de Acabá, até Eziom-Geber. Possivelmente, o regresso aconteceu pelo mar mediterrâneo, embarcando num dos portos fenícios (Tiro), viajando pelo Nilo até Tebas.

O desembarque em Eziom-Geber
Num dos relevos de Deir-el-Bahari, numa cena indicando a proximidade do mar ou do porto onde os egípcios desembarcaram, a comitiva é recebida pelo representante do rei, um homem idoso, chamado chefe de Punt, de nome Perehu ou Paruah, acompanhado da mulher, dois filhos e uma filha (Breasted, 1906). Velikovsky avança a possibilidade de este homem ser Parua, o pai de um dos doze intendentes de Salomão. O que cronologicamente é possível.

Ver 1Rs 4:16-17 – e Bealote (=em Alote), Josafá, filho de Parua.

Segundo vários autores, a última palavra do v.16 (e Bealote) pertence ao v.17, sendo “e em Alote (isto é, Eilate), Josafá, filho de Parua”. Os vs. 16 e 17 são confusos. V.16: Baaná, filho de Husai, em Aser e Bealote (= em Alote). O território da tribo de Aser fica na extremidade norte do território de Israel, enquanto Alote (Eilate) no extremo sul. É estranho que um intendente tenha sob sua responsabilidade dois territórios tão afastados. V.17: Josafá, filho de Parua, em Issacar. O território de Issacar fica na zona do vale de Jezreel, separado de Aser apenas pelo território reduzido de Zebulon, e também muito a norte em relação a Eilate.

Os terraços de mirra
Salomão deu à rainha “tudo quanto ela desejou” (1Rs 10:13), afora o que deu por sua generosidade. Pelas inscrições nos relevos de Punt, como vêm traduzidas por Breasted, parece-me que o principal objetivo da expedição – “o desejo de sua majestade” como está escrito nos relevos de Punt -, era chegar aos terraços de mirra em Punt e levar árvores de mirra para plantar no templo de Amon no Egipto. Além de outras ofertas como prata, ouro, marfim, madeiras (pode referir-se à madeira de sândalo que era trazida de Ofir), macacos, os relevos mostram os navios a serem carregados com sacos com mirra em grande quantidade e com 31 árvores, presumivelmente de mirra, em vasos. A mirra era utilizada para a produção do incenso para o templo. Descobriu-se que o vale do Jordão foi uma região importante de produção de mirra.

O templo
No regresso, Hatshepsute edificou um novo templo, com terraços onde plantou as árvores que trouxe de Punt - é neste templo que estão os relevos que contêm a história da expedição. Imitou os terraços de Jerusalém, mas também a planta e o serviço do templo, que mostram claras semelhanças com o templo de Salomão. É reconhecido por egiptólogos que os elementos estrangeiros no templo (cujo estilo é diferente do estilo egípcio contemporâneo) era influências de Punt. Hatshepsute escreve nos relevos que ela “fez um Punt”.

O tributo à rainha
Outra cena mostra a aproximação de quatro linhas de chefes trazendo tributo à rainha: os chefes de Punt, os chefes de Irem e os chefes de Nemyev (estes têm a pela escura, cabeças arredondadas e lábios grossos). Irem ou Hirão é o nome atribuído aos reis de Tiro, fazendo sentido a sua presença neste quadro (1Rs 10:11). Os de Nemyev poderão ser de Ofir. Josefo, em Antiguidades dos Judeus, escreve que os navios de Salomão carregavam toda a sorte de mercadoria, prata, ouro, marfim e também traziam kussiim [negros]. Na opinião de alguns, o facto de os negros oferecerem tributo podia significar que, além da expedição a Punt, houve outra expedição a regiões africanas e os relevos colocaram juntos o que geograficamente estava separado.

 
Bibliografia
 
ENGBERG, Robert M. (1939). The Hyksos reconsidered. Chicago: University of Chicago Press

BREASTED, J.H. (1906). Ancient records of Egypt. Historical documents. Chicago: University of Chicago Press. Disponível online.

SWEENEY, Emmett. Was Hatshepsut the Queen of Sheba, or merely the Queen of Theba? Disponível em http://www.hyksos.org).