27/07/2014

DE JOSUÉ A SALOMÃO (4) Juízes

O segundo grande período que temos de analisar vai de Jefté até ao 4º ano de Salomão: 140 anos, isto é, do ano 2852 AH (vitória de Jefté sobre os amonitas) a 2992 (4º ano de Salomão = 480º ano desde o êxodo) são 140 anos.

O que é abrangido por estes 140 anos?
Juiz: Jefté (Jz 12:7)                           6 anos
Juiz: Ibsá (Jz 12:9)                             7
Juiz: Elom (Jz 12:11)                       10
Juiz: Abdom (Jz 12:14)                    8
Domínio dos filisteus (Jz 13:1)   40
Juiz: Sansão (Jz 16:31)                   20
Samuel                                                ?
O rei Saul (Atos 13:21)                  40
O rei David (2 Sam 5:4)                 40
Salomão, no 4º ano (1Rs 6:1)       3  (ano 2992)

A soma destes valores é 174 anos, pelo que haverá novamente lugar a sobreposições.
Se aplicarmos o sistema que utilizámos no período anterior (Josué a Jefté), temos de somar os anos dos sucessivos juízes, e também de Saul e David (mas isto não constitui problema cronológico visto que temos informação clara na Bíblia). Os 40 anos de domínio dos filisteus sobrepor-se-ão a estes anos.

134 anos é a soma dos anos dos primeiros 4 juízes seguidos de Sansão, e dos reis (Saul, David, Salomão), o que deixa um lapso de 6 anos para perfazer os 140 anos (de Jefté até 4º ano de Salomão).
Quanto a Samuel, era profeta, e também juiz. 1 Sam 7:15 diz que Samuel julgou Israel todos os dias da sua vida. Porém, o seu julgado “solo” terá ocupado apenas os 6 anos entre a morte de Sansão e o início do reinado de Saul. Samuel era contemporâneo de Sansão e Samuel.

Há, neste período, datas que conseguimos averiguar?
Quando iniciaram e terminaram os 40 anos de domínio dos filisteus?

Aos pais de Sansão, o Anjo do Senhor disse que “ele começará a livrar a Israel do poder dos filisteus (Jz 13:5). Portanto, quando Sansão entrou em cena, já os filisteus dominavam em Israel. “Quando Sansão desceu a Timnata …. o Senhor buscava ocasião contra os filisteus; porquanto naquele tempo, os filisteus dominavam sobre Israel” (Jz 14:1-4). Quando Sansão morreu e na sua morte matou muitos filisteus, este ato não terminou contudo o domínio deles. Podemos deduzir que os 20 anos do julgado de Sansão estão incluídos nos 40 anos do domínio dos filisteus.
Tal derrota humilhante deve certamente ter provocado a retaliação dos filisteus. Quando ocorre?

1 Samuel regista duas grandes batalhas em Ebenezer. Na primeira (1Sam 4), no tempo em que Samuel era profeta, Israel saiu à peleja contra os filisteus (v.1). Visto que foi Israel que saiu à peleja, deduz-se que foi uma tentativa de Israel livrar-se dos filisteus, por isso já estavam debaixo do domínio filisteu. Mas Israel foi derrotado e a arca capturada pelos filisteus. O sacerdote Eli e os filhos morrem. Depois de 7 meses, a arca regressou (1 Sam 6), mas não voltou a Silo, onde estava antes (1 Sam 4:3). Ficou em Quiriate-Jearim, na casa de Aminadabe, 20 anos.
E sucedeu que, desde aquele dia, a arca ficou em Quiriate-Jearim, e tantos dias se passaram que chegaram até vinte anos, e lamentava toda a casa de Israel após o Senhor. Então falou Samuel a toda a casa de Israel, dizendo: Se com todo o coração vos converteres ao Senhor …. E congregaram-se em Mispá … ouvindo, pois, os filisteus que os filhos de Israel estavam congregados em Mispá, subiram os maiorais dos filisteus contra Israel … Pelo que disseram os filhos de Israel a Samuel: não cesses de clamar ao Senhor, nosso Deus, por nós, para que nos livre da mão dos filisteus … os filisteus chegaram à peleja contra Israel; e trovejou o Senhor aquele dia, com grande trovoada, sobre os filisteus… de tal modo que foram derrotados diante dos filhos de Israel… Então tomou Samuel uma pedra, e a pôs entre Mispá e Sem, e chamou o seu nome Ebenezer, e disse: até aqui nos ajudou o senhor. Assim, os filisteus foram abatidos, e nunca mais vieram aos termos de Israel, porquanto foi a mão do Senhor contra os filisteus, todos os dias de Samuel. E as cidades que os filisteus tinham tomado a Israel foram restituídas a Israel, desde Ecron até Gath e até os seus termos Israel arrebatou da mão dos filisteus: e houve paz entre Israel e os amorreus (1 Sam 7).

Esta passagem deixa muito claro que com a segunda batalha de Ebenezer foi posto um ponto final ao domínio de 40 anos dos filisteus aqui em causa, embora as guerras contra os filisteus continuassem durante o reinado de Saul e depois.
Vários cronologistas estão de acordo em afirmar que esta última batalha de Ebenezer, que foi começada pelos filisteus, foi a retaliação pela morte dos cerca de 3000 filisteus no templo de Dagon que Sansão matou na sua própria morte, colocando os dois eventos no mesmo ano. De modo que 1 Sam7:2 segue cronologicamente depois de Jz 16:31.

É em 1 Sam 7:6, 20 anos depois da captura da arca e presumivelmente a seguir à morte de Sansão, que é dito pela primeira vez que Samuel julgou os filhos de Israel (1 Sam 7:6), coincidindo com o seu julgado “solo”. Durante aqueles 20 anos, Samuel atuava como profeta, Sansão como juiz.
A arca estava então há 20 anos na casa de Abinadabe. Isto significa que o início do julgado de Sansão coincide com a primeira batalha de Ebenezer e a captura da arca, visto que ele julgou 20 anos.

Depois da vitória de Ebenezer, o povo pede um rei e Saul é ungido rei.


Com estes dados em mente, reconstruimos a cronologia:
2852: Vitória de Jefté sobre os amonitas e início do julgado de 6 anos de Jefté
2858: Início julgado de 7 anos de Ibsá.
2863: início dos 40 anos de domínio dos filisteus (data calculada a posteriori, conhecendo a data do fim do domínio dos filisteus em Ebenezer II, e deduzindo 40 anos)
2865: Início do julgado de 10 anos de Elom
2875: Início do julgado de 8 anos de Abdom
2883: Início do julgado de 20 anos de Sansão – Ebenezer I e tomada da arca – morte de Eli
2903: Morte de Sansão – Ebenezer II, 20 anos depois da captura da arca em Ebenezer I – fim do domínio de 40 anos dos filisteus – início do julgado de Samuel

Já sabemos que 2992 é o 4º ano de Salomão, então calculando para trás deduzimos as seguintes datas:
2909: Saul começa a reinar
2949: Saul morre e David começa a reinar
2989: David morre e Salomão começa a reinar
2992: início da edificação do templo

 
Conclusão:
Inicialmente, a cronologia de Juízes parecia colocar um imenso problema. Afinal, a solução apresenta-se bastante simples.

 

20/07/2014

A PASSAGEM DO JORDÃO

“Quando os que levavam a arca chegaram até ao Jordão, e os seus pés se molharam na borda das águas (porque o Jordão transbordava sobre todas as suas ribanceiras todos os dias da sega), pararam-se as águas, que vinham de cima; levantaram-se num montão, mui longe da cidade Adão, que fica ao lado de Zaretã; e as que desciam ao mar da Arabá, que é o Mar Salgado, foram de todo cortadas; então passou o povo defronte de Jericó. Porém, os sacerdotes que levavam a arca da aliança do Senhor pararam firmes no meio do Jordão, e todo o Israel passou a pé enxuto, atravessando o Jordão” (Josué 3:15-17).

O corte das águas do Jordão tem uma explicação sismológica e há registo de várias ocorrências semelhantes na história recente. É preciso compreender um pouco a situação geográfica do vale do Jordão.

O vale do Jordão situa-se numa falha geológica (afro-árabe) conhecida como o Grande Vale do Rift, que tem cerca de 5000 km. A fratura começa no sudeste da Turquia e estende-se para sul (pelo vale do rio Jordão, o mar da Galileia e o mar Morto) até ao Golfo de Aqaba. A partir deste ponto, continua em direção sul numa linha paralela ao mar Vermelho até à Etiópia, resultando na separação da Península Árabe e da África. Na base do mar Vermelho divide-se em dois ramos. O ramo ocidental desce até Moçambique. Esta falha é responsável pela criação dos grandes lagos da África Oriental (Turkana, Albert, Edward, Kivu, Tanganyka, Malawi).

A cidade de Adão (v.16) é a atual Damiya, situada a cerca de 30 km a montante do lugar onde os israelitas terão passado o Jordão. Em dezembro de 1267, um sismo fez ruir parte da falésia ao longo do Jordão em Damiya, represando a água e cortando o fluxo para jusante por cerca de 10 horas. Em janeiro de 1546, um sismo com epicentro perto da cidade de Nablus (Schechem) fez parar o fluxo do Jordão durante cerca de 2 dias. Em 1927, deslocações de terra causadas por um sismo represaram o Jordão por 21 horas (Beitzel, 2009:p.50). Outros cortes do fluxo do Jordão, com uma duração de um ou dois dias, terão ocorrido em 1906, 1834 e 1160 (Wood, 1990).

É possível que um evento semelhante tenha ocorrido quando Israel passou o Jordão “de pé enxuto”.

Mas gostaria de observar aqui que, apesar de uma explicação natural destas ocorrências, não deixa de ser um milagre de intervenção divina. É a mão do Senhor a operar, quer no Seu poder sobre a natureza, quer na Sua condução atempada do povo e na chegada ao Jordão em hora oportuna, quer na inspiração divina de Josué, ou em todas estas coisas juntas.

14/07/2014

DE JOSUÉ A SALOMÃO (3) Josué-Juízes

Da conquista de Hesbon (Num 21:21-31; Dt 2:24-36) até Jefté (Jz 11:26) são 300 anos.

Primeiro precisamos de encontrar uma solução para as sobreposições dos tempos de paz e de opressão a fim de podermos deduzir a duração da liderança de Josué depois da divisão da terra, bem como o tempo dos anciãos que sobreviveram a Josué, até o início do primeiro período de opressão, que é de Cusã-Risataim.

Todos os valores que nos são dados neste período de 300 anos:

Período de guerras até à divisão da terra (ver mensagem anterior) ...   7 anos
O período da liderança de Josué até à sua morte  ..............................    ?
O tempo dos anciãos que sobreviveram a Josué (Jz 2:7,10)       ..........    ?
Tempo da opressão de Cusa-Risataim, rei da Mesopotâmia ..............     8
Juiz: Otniel, filho de Quenaz, irmão de Calebe, mais novo  ................   40 anos de paz
Tempo da opressão de Eglom, rei dos moabitas, e amalequitas  .......   18
Juiz: Eúde       ............................................................................                80 anos de paz
Juiz: Sangar                                                                                                           -
Opressão de Jabim, rei de Canaã (comandante Sísera) .......................   20
Juizes: Débora e Baraque              .........................................................    40 anos de paz
Opressão dos midianitas               .........................................................      7
Juiz: Gideão                              ................................................................   40
Abimeleque (filho ilegítimo de Gideão proclamado rei)      .................     3
Juiz: Tola      ..........................................................................................   23
Juiz: Jair        ..........................................................................................   22
Opressão dos filisteus e filhos de Amom      .........................................  18
Até início do julgado de Jefté                                                                                  -

A soma de todos estes valores dá 326 anos (sem contar o tempo de Josué + anciãos), enquanto este período conta apenas 300 anos.

Floyd Nolen Jones (2009:p.73) oferece uma solução que nos parece aceitável para as várias sobreposições existentes.
Existe sobreposição onde o período de opressão é dado juntamente com os anos de paz da terra. Por exemplo, os versículos referentes à servidão sob Eglon, rei dos moabitas, e ao juiz Eúde, levantado para livrar Israel e devolver a paz à terra, são interpretados como um todo, um único “episódio” por assim dizer (Jz 3:12-30). No último versículo do conjunto, uma pausa é construída no pensamento a seguir à palavra “paz” de modo que as duas palavras seguintes – oitenta anos – são consideradas como uma recapitulação da totalidade do tempo de todo o episódio, que é de oitenta anos.

Destes 80 anos, os primeiros 18 estavam sob o controlo de Eglon; os restantes 62 anos são os tempos de paz depois da vitória de Eúde sobre Eglon. Este tipo de interpretação não se aplica apenas no caso de Eúde-Eglon, mas também para os outros juízes.
Porque podemos fazer tal interpretação? A justificação está na pontuação e sintaxe das línguas modernas. O hebraico, porém, não tem pontos, nem vírgulas, o que pode criar dificuldades de interpretação. A tradução levou a introduzir um ponto entre “e a terra ficou em paz” e “oitenta anos” (no hebraica não vem a palavra “durante” que ocorre em várias traduções), sugerindo que a terra teve um período de paz de 80 anos a seguir à derrota de Moabe. Juizes 3:30 devia ser entendido como “e a terra ficou em paz”, seguido de uma pausa no pensamento, e depois “80 anos” como uma declaração que resume o tempo todo coberto pela história. Assim, cada episódio bíblico em Juízes regista o período de tempo desde um período de paz até ao próximo período de paz, dentro do qual estão incluídos os anos de opressão. Na realidade, o que conta para o cálculo, são os tempos de governo dos juízes.

Em apoio a esta teoria vem o Seder Olam, “A Grande Crónica do Mundo”, um texto judaico talmúdico, presumivelmente escrito no século II d.C, que contem a cronologia do mundo segundo as tradições judaicas. No caso de Juízes, conta com os 300 anos de Hesbon a Jefté, como temos feito, e atribui à liderança de Josué 28 anos.

Façamos contas:
Jz 3:5-11 ---- Os filhos de Israel fizeram o que era mau perante o Senhor. Servem a Cusã-Risataim 8 anos. Otniel liberta-os. O versículo 11 resume: Então a terra ficou em paz. Quarenta anos. Otniel, filho de Quenaz, faleceu.

>> Tempo total Cusã-Risataim / Otniel: 40 anos
Jz 3:12-30 ---- Tornaram os filhos de Israel a fazer o que era mau, o Senhor deu poder a Eglom, rei dos moabitas, que os filhos de Israel serviram 18 anos. Levantou-se Eúde, que subjugou os moabitas. Versículo 30: Assim foi Moabe subjugado naquele dia sob o poder de Israel: e a terra ficou em paz. Oitenta anos.

>> Tempo total Eglom / Eúde: 80 anos
Jz 4 e 5 ---- Os filhos de Israel tornaram a fazer o que era mau perante o Senhor, depois de falecer Eúde. Entregou-os o Senhor nas mãos de Jabim, rei de Canaã, que reinava em Hazor. Sísera era o comandante do seu exército. Por 20 anos oprimia duramente a Israel… Débora, profetisa, julgava Israel naquele tempo (4:4). Baraque é convocado e reúne as tropas. Sísera é morto por Jael, mulher de Héber, queneu (sobre os queneus, ver mensagem sobre Calebe). Assim, Deus humilhou a Jabim, rei de Canaã. E cada vez mais a mão dos filhos de Israel prevalecia contra Jabim, até que o exterminaram (4:24). A seguir ao cântico de Débora e Baraque (Jz 5): e a terra ficou em paz. Quarenta anos.

>> Tempo total Jabim e Sísera / Débora e Baraque: 40 anos

Jz 6:1 a 8:32 ---- Fizeram os filhos de Israel o que era mau …. os entregou nas mãos dos midianitas por 7 anos. Gideão é chamado para libertar Israel.

Jz 8:28 – assim foram abatidos os midianitas diante dos filhos de Israel, e nunca mais levantaram a cabeça; e ficou a terra em paz 40 anos nos dias de Gideão.
>> Tempo total midianitas / Gideão: 40 anos

Somando: 40 + 80 + 40 +40 = 200 anos
Se somarmos a isto o tempo dos juízes que se seguiram a Gidão – Abimeleque 3 anos (Jz 9:22) + Tola 23 anos (Jz 10:1-2) + Jair 22 anos (Jz 10:22) – chegamos a 248 anos.

Os 18 anos de opressão pelos filisteus e filhos de Amom (Jz 10:6-18) deverão estar incluídos no tempo de Jair. Deduz-se que, depois da sua morte, foram buscar Jefté para os livrar … naquele momento Israel habitava 300 anos em Hesbon (Jz 11:26), que é o ponto final do período em análise de 300 anos. Depois da vitória Jefté julgou Israel 6 anos (Jz 12:7).

Aos 248 anos (desde Cusã-Risataim até à vitória de Jefté (o início do seu julgado de 6 anos; os 6 anos de Jefté pertencem ao próximo período), temos de acrescentar os 7 anos da conquista  da terra até à divisão, o que nos leva a 255 anos.

Isto deixa-nos 45 anos (300 -255) para a liderança de Josué até à sua morte, mais o tempo dos anciãos que ainda lhe sobreviveram.


 

 
 
Cusan
 
Eglom
 
Jabim e Sísera
 
Midia-
nitas
 
 
 
 
Filisteus
 
 
8
 
18
 
20
 
7
 
 
 
 
18
7
45
40
80
40
40
3
23
22
Conquista
Da terra
Josué
+
anciãos
Otniel
Eúde
Débora
Gideão
Abi-
Me-
leque
Tola
Jair
< 2552(conquista de Hesbon)
 
Fim 300 anos – Jefté: 2852

 


Reconstrução da cronologia:
2552 : Conquista de Hesbon. No final deste mesmo ano, Moisés morre e Josué é instituído como líder.

2552 + 300 = 2852 : Vitória de Jefté sobre os amonitas e início do julgado de Jefté.
2852 – 248 = 2604 – Fim do tempo dos anciãos e início da opressão de Cusã-Risataim.

2552 + [28] = [2580] – morte de Josué [o Seder Olam dá 28 anos à liderança de Josué].
Naturalmente, o Seder Olam é uma fonte extra-bíblica e, como tal, não tem a mesma autoridade e temos que estar conscientes da sua limitação, como dos seus possíveis erros.

Embora o exato ano da morte de Josué não seja verificável pelas Escrituras, é possível demonstrar que esta data é aceitável, pelo menos aproximadamente. A esta demonstração, Jones (2009:pp.88-94) dedica um capítulo (Joshua’s age), analisando factos pertinentes associados à vida de Josué.

12/07/2014

DE JOSUÉ A SALOMÃO (2) - a ~divisão da terra

Voltemos aos problemas da cronologia de Josué a Salomão.

Dados cronológicos na Bíblia permitiram-nos definir um crono-esqueleto para o tempo de Josué a Salomão, dentro do qual se distinguem 2 períodos.
Recapitulemos:

O tempo total vai do êxodo (ano 2513) até ao 4ª ano de Salomão (ano 2992) – isto é, no 480º depois do êxodo começou-se a edificar o templo (1 Reis 6:1).
A data que divide o período total em duas partes é a vitória de Jefté sobre os amonitas (Jz 11:26).

O primeiro período, desde a conquista de Hesbon (escassos meses antes da passagem do Jordão) até Jefté, é de 300 anos.
O segundo período vai de Jefté até ao 4º ano de Salomão: 140 anos, isto é, do ano 2852 AH (Jefté) a 2992 (4º ano de Salomão = 480º ano desde o êxodo) são 140 anos.

 
Vamos agora analisar a cronologia do primeiro período, que vai da conquista de Hesbon (Num 21:21-31; Dt 2:24-36) até Jefté. Onde estão as dificuldades que temos de resolver?
1º- Já vimos que há uma discrepância entre o tempo dado de 300 anos (Jz 11:26), por um lado, e a soma de todos os valores dados para os juízes e períodos de opressão no mesmo lapso de tempo. A soma das partes é maior que o todo. Isto deixa-nos concluir que há sobreposições; não podemos simplesmente adicionar todos os anos que nos são dados.

É possível resolver estas sobreposições?

2º - O segundo problema prende-se com a duração da liderança de Josué. É-nos dito que Josué morreu aos 110 anos, mas não sabemos quando nasceu, nem que idade tinha em determinado momento da história, por exemplo do êxodo.
Portanto, precisamos de saber quantos anos passaram entre a passagem do Jordão e a morte de Josué.

3º - Outro lapso de tempo cuja duração desconhecemos são “todos os dias dos anciãos que ainda sobreviveram por muito tempo depois de Josué, e que sabiam todas as obras, feitas pelo Senhor a Israel” (Jos 24:31). Sabemos que o povo serviu ao Senhor todos os dias de Josué e todos os dias desses anciãos que ainda sobreviveram por muito tempo depois de Josué (Jz 2:7). Quando toda aquela geração foi congregada a seus pais, outra geração após deles se levantou, que não conhecia ao Senhor, nem tão pouco as obras que fizera a Israel. Então fizeram os filhos de Israel o que era mau perante o Senhor e deixaram o Deus de seus pais. Isto causou a ira do Senhor que os deu na mão dos espoliadores e os entregou na mão dos seus inimigos ao redor (Jz 2:10-14). O primeiro dos opressores foi Cusã-Risataim (Jz 3:8).
Quantos anos passaram entre a morte de Josué e o início da opressão de Cusã-Risataim?

4º - Vários capítulos do livro de Josué descrevem os territórios que em sorte caíram às tribos de Israel. Quantos anos duraram as guerras? Em que ano a terra foi dividida? Quando é que Ruben, Gade e a meio tribo de Manassés puderam regressar às suas posses conquistadas do outro lado do Jordão e que passaram a ser a sua herança, dada ainda no tempo de Moisés?
Há várias indicações que nos permitem responder a esta última questão e é por aí que começamos.


A divisão da terra
Vamos dar uma vista de olhos cronológica ao livro de Josué, com atenção a algumas localizações geográficas.
A passagem do Jordão dá-se no ano 2553 AH.
No dia 10 do 1º mês subiram do Jordão e acamparam em GILGAL (Jos 4:19).
Presume-se que entre os dias 11 e 13 realiza-se a circuncisão em Gibeate-Aralote, o lugar que passa a chamar-se Gilgal (Jos 5:3-9)
No dia 14 celebram a Páscoa (Jos 5:10).
Depois disto observam-se quatro grandes campanhas militares até à divisão da terra.
A primeira é de Jericó. Presume-se que a batalha de Jericó ainda tem lugar no 1º ano da entrada em Canaã.
A seguir a Jericó, segue-se a batalha de Ai, que decorre em duas fases: uma derrota derivada à prevaricação de Acã, e uma vitória depois da descoberta do problema.
O estratagema dos habitantes de Gibeon, que conseguiram enganar os israelitas, parece ter sido o motivo do início da terceira campanha, que envolve a conquista da parte sul de Canaã (Jos 10). Cinco reis da região resolveram juntar-se e pelejar contra Gibeon. Israel veio em seu socorro e obteve vitória sobre estes reis dos amorreus: Adoni-Zedeque, de Jerusalém, Horão, de Hebron, Pirão, de Jarmute, Jafia, de Laquis e Debir, de Eglom. É nesta batalha que o sol se deteve e a lua parou. Os reis, porém, fugiram para Maquedá. Josué persegue-os e mata-os e toma Maquedá, que marca o início da campanha no Sul. Depois, Josué toma Libna, depois Laquis, Eglom, Hebron, Debir.
Resumindo (Jos 10:40-41), feriu Josué toda a região desde Cades-Barneia até Gaza, como também toda a terra de Gósen até Gibeon.
Depois disto, Josué volta novamente a GILGAL (Jos 10:43).
A quarta grande campanha desenrola-se no norte do território (Jos 11). Vários reis do norte juntaram-se em Meron, a NW do mar da Galileia/Quinerete. Josué destrói Hazor que era a capital desses reinos e toma a região até ao pé do monte Hermon no norte.
Jos 11:18 – por muito tempo fez Josué guerra
Jos 11:23 – Josué tomou toda esta terra (vs.16-17) e a terra repousou da guerra.
Jos 13:1 – Josué é idoso, entrado em dias. Ainda havia muita terra que ficou para se possuir, mas Josué recebe do Senhor a ordem de distribuir a terra às 9 tribos e meia tribo de Manassés.
Ruben, Gade e meia tribo de Manassés já tinham recebido de Moisés a sua herança do outro lado do Jordão. Levi não recebeu herança. Mas receberia cidades para habitar e os seus arredores para os animais dentro das heranças das outras tribos (Jos 21).
Quando é que a terra repousou da guerra? Quando foi a terra distribuída?
O texto parece dar a entender que a repartição dos territórios às nove tribos e meia deu-se em duas vezes, e em dois lugares diferentes.
Em Gilgal foram atribuídas as porções de Judá, Efraim e Manassés (Jos 14-17).
As restantes porções foram sorteadas em Silo (Jos 18-19).
Em Gilgal, Calebe veio reivindicar o seu direito e recebe Hebron. Neste episódio (Jos 14:6-15) são fornecidos elementos cronológicos. Calebe tinha 40 anos de idade quando foi enviado de Cades-Barneia para espiar a terra. Era o 2º ano da estada no deserto, no 5º e 6º mês aproximadamente. Ano 2514 AH. 45 anos passaram desde então. Calebe tem agora 85 anos (Jos 14:10): ano 2559.
- 2514 – 2º ano no deserto - Calebe 40 anos
- 2552 - O tempo que caminharam desde Cades-Barnéia até passarem o ribeiro de Zerede foram 38 anos até que toda a geração do deserto se consumiu (Dt 2:14). A partir deste momento começam as conquistas a oriente do Jordão – Calebe 78 anos
- 2553 – No 10º dia do 1º mês do novo ano passam o Jordão
- 2559 – Divisão da terra - Calebe 85 anos.
Portanto, a divisão da terra - Isto é, pelo menos a parte que cabia a Judá (e Calebe), Efraim e ½ Manassés - acontece no 7º ano depois da passagem do Jordão e entrada em Canaã, ainda em Gilgal, onde esteve o acampamento principal de Israel desde o início da sua entrada em Canaã.
As outras tribos receberam a sua herança em Siló, onde armaram a tenda da congregação quando a terra estava sujeita diante deles (Jos 18:1).
Se aplicarmos a dimensão simbólica (o facto de a terra repousar da guerra no 7º ano e o levantar do tabernáculo em Silo (Jos 11:23: 14:15) relembra o descanso do Senhor no 7º dia e a sua entronização) podemos deduzir que o tabernáculo foi levantado em Silo também no 7º ano da entrada em Canaã.
 
Este momento marca o início de uma nova era na vida da nação de Israel, cujo futuro dependeria da obediência aos mandamentos do Senhor.
 



 

06/07/2014

CALEBE, FILHO DE JEFONÉ

Quem era Calebe, que foi enviado espiar a terra de Canaã, junto com outros príncipes das tribos de Israel (Num 13:6)?

O que conseguimos saber acerca dele?
Num 13:6 – ele é da tribo de Judá, filho de Jefoné.

Ele e Josué creram na promessa do Senhor e não desistiram como os seus companheiros. “Visto que nele houve outro espírito, e perseverou em seguir-me, eu o farei entrar na terra que espiou, e a sua descendência a possuirá” (Num 14:21).
Num 32:12 – Calebe, filho de Jefoné, o quenezeu.

Josué 14 – Aquando da divisão da terra, Calebe vem reivindicar a promessa e Josué dá-lhe Hebron. Também neste trecho Calebe é identificado como filho de Jefoné, o quenezeu.
Jos 15:13 –A Calebe, filho de Jefoné, deu Josué uma parte no meio dos filhos de Judá, segundo lhe ordenara o Senhor, a saber, Quiriate-Arba, isté é, Hebron.

Porque Calebe veio reivindicar uma porção da terra, se à tribo de Judá, no seu todo, foi atribuída a sua herança? Porque é mencionado que recebeu uma parte “no meio dos filhos de Judá”? Isto só faz sentido se não fosse da tribo de Judá, ou se não tivesse direito à herança no meio desta.
Jos 15:16, 17; Jz 1:13;3:9 – Sabemos que Calebe tem uma filha, Acsa, e um sobrinho Otniel (futuro juiz), filho do seu irmão, mais novo, Quenaz.

Jz 1:12-20 retoma a história do pedido de Acsa a Calebe e a promessa de Calebe de dar a sua filha a quem derrotar Quiriate-Sefer (também Jos 15:13-19). Calebe acedeu ao pedido de Acsa e deu-lhe fontes de água (v.15).
O versículo seguinte (v.16) parece estar fora do contexto:

Jz 1:16 – Os filhos do queneu, sogro de Moisés, subiram da cidade das palmeiras com os filhos de Judá, que está ao sul de Arade; foram e habitaram com este povo.
O relato continua com as conquistas de Judá (vs.17-19) e conclui com a dádiva de Hebrom a Calebe. Lembramos que Jefoné, pai de Calebe, já foi acima identificado como “quenezeu”. Estará o v.16 relacionado com as origens de Calebe?

Num 10:29 – Disse Moisés a Hobabe, filho de Reuel, o midianita, sogro de Moisés: Estamos de viagem para o lugar de que o Senhor disse: Dar-vo-lo-ei; vem connosco, e te faremos bem; porque o Senhor prometeu boas coisas a Israel.
O sogro de Moisés, sacerdote de Midiã, é aqui chamado Reuel; noutro lugar é chamado Jetro (Ex 18:1). Sabemos que Reuel/Jetro voltou à sua terra (Ex 18:27). Uma parte dos descendentes de Reuel/Jetro foi com Israel. Hobabe, filho de Reuel, também foi com Israel, embora primeiro dissesse que não iria (Num 10:29-33).

Mais tarde, no tempo de Débora e Baraque, encontramos Héber, queneu, que se tinha apartado dos queneus, dos filhos de Hobabe, sogro de Moisés. (Jz 4:11). A mulher de Héber é Jael, que corajosamente enfrentou e matou Sísera (Jz 4:12-24). No v.11 Hobabe é confundido com Reuel, sogro de Moisés. Mas o contexto é claro: os queneus são descendentes de Reuel/Jetro, sogro de Moisés.
E mais uma nota: Hobabe, possivelmente, não era filho, mas genro, de Jetro, porque este tinha (apenas?) sete filhas (Ex 2:16).

Conclusão: Calebe, filho de Jefoné, queneu, é descendente de Jetro, sogro de Moisés. Não é, portanto, descendente de Judá. No entanto, vemo-lo apresentado como “príncipe” da tribo de Judá (Num 13).
Então, como é que Calebe se aparentou com Judá?

Para saber mais, temos de ir a 1 Crónicas 2, onde encontramos as genealogias.
Em 1 Cron 2:9, encontramos um certo Quelubai, filho de Hezrom, por sua vez filho de Perez (v.5), este filho de Judá. Este filho de Hezrom é chamado Calebe no v.18 e seguintes, por isso gera alguma confusão inicial. Mas trata-se de duas pessoas diferentes.

Não há qualquer referência a Calebe, filho de Jefoné, nas genealogias de Judá. Mas podemos encontrar uma ligação com ele através da sua filha, Acsa. Esta Acsa, em 1Cron 2:49, é também identificada como filha de Calebe/Quelubai, de Hezrom. Calebe, filho de Hezrom, teve filhos com várias mulheres - Azuba e Jeriote (v.18), Efrate (v.19) -, e concubinas - Efá (v.46) e Maaca (v.48).
1Cron 2:48-49 – De Maaca, concubina, gerou Calebe a Seber e a Tiraná. Deu à luz também a Saafe, pai de Madmana, e a Seva, pai de Macbena e de Gibeá; e Acsa foi filha de Calebe.

Na Bíblia, o termo “filha” pode querer dizer “neta”.
A solução é: Calebe, filho de Jefoné, queneu, dos queneus que habitavam no meio de Judá, era casado com uma filha de Calebe, de Hezrom. Assim, a filha de Calebe, queneu, é ao mesmo tempo filha/neta, de Calebe, de Judá.

Vemos assim que, já no Velho Testamento, o verdadeiro Israel não era apenas composto de descendentes de Abraão na carne, mas também de gentios que adotaram a fé de Israel, creram nas promessas e integraram a comunidade da aliança, a ponto de terem parte nas promessas de Deus.