25/10/2015

Cronologia 7 semanas (2) – Zorobabel, Esdras, Neemias


O primeiro ano do regresso

No primeiro ano de Ciro (o 70º ano desde o 3º ano de Jeoaquim), ano 3467 AH, Ciro emitiu o decreto que permitiu aos judeus regressarem a Jerusalém e edificar uma casa ao Senhor (2Cr 36:22; Ed1:1-4). No ano seguinte empreenderam o regresso.

Zorobabel
Levantaram-se todos aqueles cujo espírito Deus despertou para subirem a Jerusalém (Ed 1:5). Ciro entregou os utensílios da casa do Senhor, que Nabucodonosor tinha trazido para Babilónia, a Sesbazar, príncipe de Judá (Ed 1:8). Alguns reconhecem neste nome uma semelhança com Senazar (1Cr 3:18), um dos filhos de Sealtiel, filho de Jeconias, e personagem diferente de Zorobabel e anterior a este (FINEGAN 1998, p.267).
Geralmente, no entanto, considera-se que Sesbazar é Zorobabel. Várias passagens confirmam-no. Ed 5:13 diz a mesma coisa que Ed 1:7-8, acrescentando que Sesbazar era aquele que fora nomeado governador. Ed 5:16 diz que foi Sesbazar que lançou os fundamentos da casa de Deus, a qual está em Jerusalém. E sabemos que Zorobabel era governador no segundo ano de Dario (Ag 1.1) e foi ele que colocou os fundamentos da casa (Zc 4:9).
Zorobabel era da linhagem de Jeconias, o rei que foi para o exílio e considerado o último rei legítimo no trono de Judá. A escolha de Ciro em nomear Sesbazar/Zorobabel como governador permitiu o regresso e a restauração da nação sob o governo de um príncipe da linhagem davídica (Mt 1:11.12).
Nos livros de Esdras, Neemias, Ageu e Mateus, Zorobabel é sempre apresentado como filho de Sealtiel. Mas, curiosamente, 1Cr 3:19 diz que Zorobabel é filho de Pedaías, que é irmão de Sealtiel. É possível que Sealtiel, mencionado primeiro e provavelmente o primogénito, não tenha tido filhos e que o filho primogénito de Pedaías foi adotado como herdeiro de Sealtiel, em cumprimento da provisão da lei em Dt 25:5-6. Antes da lei, isto já era um costume, como se pode ver em Gn 38. 

3468 AH – os eventos do primeiro ano
É provável que a viagem tenha iniciado no início do ano, na primavera e que durou vários meses, chegando o povo a tempo para celebrar as festas do 7º mês. Podemos usar como termo de comparação a viagem de Esdras e comitiva relatada em Esdras 7 e 8, que foi iniciada no 1º mês (Ed 8:31) e que chegou a Jerusalém no 5º mês (Ed 7:8).
O povo veio a Jerusalém e Judá, e cada um habitou na sua cidade (Ed 2:1, 70).
Em chegando o sétimo mês, estando os filhos de Israel já nas cidades ajuntou-se o povo, como um só homem, em Jerusalém (Ed 3:1). O 7º mês, Tishri (setembro/outubro) é o mês da Festa das Trombetas, do Dia da Expiação e da Festa dos Tabernáculos (Lv 23:23-44).

Várias coisas aconteceram neste mesmo mês:

a) No primeiro dia, dia das trombetas, Esdras leu a lei perante o povo (Neemias 8)

b) Sob a liderança de Zorobabel e Jesua, edificaram o altar para oferecer holocaustos (Ed 3:1-2). Firmaram o altar sobre as suas bases; e, ainda que estavam sob o terror dos povos de outras terras, ofereceram sobre ele holocaustos ao Senhor, de manhã à tarde (Ed 3:3). Desde o 1º dia do 7º mês começaram a oferecer holocaustos ao Senhor; porém ainda não tinham posto os fundamentos do templo. (Ed 1:1-7).

c) Celebraram a festa dos tabernáculos (Ed 3:4-5; Ne 8:13-18), aos 15 dias do mês, durante 7 dias (Lv 23:34-36).

d) No dia 24, fizeram confissão e selaram uma aliança (Ne 9, 10).

A interpretação mais generalizada é a leitura da lei por Esdras, a celebração da festa dos tabernáculos e o selar da aliança, descritos em Neemias 8, 9 e 10, tiveram lugar muitos anos mais tarde, no ano em que Neemias foi para Jerusalém para reconstruir os muros, no 20º ano do rei Artaxerxes.
Mas a solução que aqui apresento baseia-se na solução preconizada por Sir Isaac Newton, em 1728, e que resolve muitas dificuldades.

Temos algumas questões a resolver em relação a Esdras e Neemias.

Esdras
Na lista dos que subiram primeiro com Zorobabel e Jesua, há uma figura chamada Seraías em Esdras 2:2. Em Neemias 7:7, tem o nome de Azarias. Trata-se da mesma pessoa dado que a lista em Neemias 7 é a repetição da lista em Esdras 2. Este Azarias é também mencionado em 1Cr 9:11, entre os sacerdotes que foram “os primeiros habitadores, que de novo vieram orar nas suas próprias possessões e nas suas cidades” (1Cr 9:2) depois que regressaram da Babilónia. Este Azarias é “filho de Hilquias, filho de Mesulão, filho de Zadoque, filho de Aitube, príncipe da casa de Deus”. Também é mencionado em Ne 11:11-12). Hilquias era o sumo-sacerdote no tempo de Josias (2Rs 23:24), o último rei bom em Judá, e uma referência positiva.
Esdras por sua vez é “filho de Seraías, filho de Azarias, filho de Hilquias, filho de Salum, filho de Zadoque, filho de Aitube, ….”. Apresenta, portanto, a mesma linhagem que Azarias/Seraías. Ou Azarias/Seraías é descendente de Hilquias, mas via outro filho que Esdras. Ou, possivelmente, trata-se da mesma pessoa em todos os casos. Pode ser que a confusão de nomes em Ed 2:2 e Ne 7:7 seja resultado do facto de Esdras ser filho de Seraías, filho de Azarias (Ed 7:1). Mas é possível que se trate de duas pessoas diferentes. Em Ne 12:1, um sacerdote chamado Seraías é mencionado ao lado de Esdras, e aparece também em Ne 10:2 como assinante da aliança.
Mas independentemente disto, Ne 12:1 não deixa dúvidas quanto ao facto de Esdras se encontrar entre os sacerdotes que subiram com Zorobabel.
Não há, portanto, qualquer impedimento a que a leitura da lei por Esdras se tenha realizado no 7º mês do primeiro ano do regresso. 

Neemias
Verificámos que, logo a seguir a Zorobabel e Jesua, também vem o nome de Neemias.
Defendo que Neemias 8 acontece no 7º mês do primeiro ano, e que é uma descrição ampliada da narração em Ed 3:1-6. Esdras era sacerdote e escriba, e Neemias era governador (Ne 8:9). Mas como conciliar isto, se Zorobabel era o governador nomeado por Ciro?
No final da lista, em Esdras 3, dos que “subiram primeiro”, é referido o cuidado que houve com o estabelecimento da linhagem dos sacerdotes e servidores do templo (Ed 3:58-63). Alguns procuraram o seu registo nos livros genealógicos, mas não o conseguiram encontrar pelo que foram tidos por imundos para o sacerdócio. “O governador lhes disse que não comessem das coisas sagradas, até que se levantasse um sacerdote com Urim e Tumim” (Ed 2:63; Ne 7:63). Quem é este “governador”?
A resposta parece óbvia: Zorobabel. Mas não é correto.

Há, nos livros de Esdras e Neemias, duas palavras diferentes no original hebraico, embora sejam ambas traduzidas em português como “governador”. Uma é TIRSHATA, outra é PECHAH. É esta distinção que nos compele a fazer uma leitura cronológica diferente.
A palavra traduzida “governador”, nestes versículos (Ed 2:63; Ne 7:65 e 70), é TIRSHATA. Porém não é dito quem era o TIRSHATA. Como se trata de algo que ocorreu no primeiro ano do regresso, deduz-se habitualmente que o governador era Zorobabel.
Há 5 ocorrências de TIRSHATA: além das já mencionadas (Ed 2:63, Ne 7:65,70), os outros dois versículos (Ne 8:9 e 10:1) identificam o TIRSHATA com Neemias. Deduzimos disto que Neemias é o TIRSHATA em todos os casos!
Zorobabel/Sesbazar era o PECHAH, o governador de Judá (Ed 5:14; 6:6; Ag 1:1,14; 2:2, 21). A palavra PECHAH, segundo Gesenius, refere-se a um governador de uma província. Será um cargo político. PECHAH também é aplicado a Tatenai, governador daquém do Eufrates (Ed 5:3,6; 6:6, 13) e a um certo governador dalém do Eufrates (Ne 3:7). A palavra TIRSHATA é utlizada apenas em relação a aspetos da lei, do tesouro, das coisas sagradas.
Portanto, ao mesmo tempo que Zorobabel era governador de Judá (PECHAH), Neemias era TIRSHATA, tratando-se de dois cargos diferentes.
Neemias também foi PECHAH (Ne 5:14,18; 12:26), mais tarde, do 20º ao 32º ano de Artaxerxes. O facto de as traduções não fazerem esta distinção levou à interpretação generalizada de que os episódios da leitura da lei por Esdras, a celebração da festa dos tabernáculos, a confissão e o selar da aliança descritos em Neemias 8 e 9 tivessem ocorrido numa época posterior, quando Neemias era governador de Judá. Em Neemias 8 e 9, Neemias é o TIRSHATA, não o PECHAH. 

Além disso, todo o relato começando em Neemias 7:5 até ao 12:9 é uma narrativa cronológica sem interrupções: a repetição da lista dos que primeiro vieram do cativeiro (Ne 7), a reunião em Jerusalém no 7º mês e a leitura da lei por Esdras (Ne 8), a festa dos tabernáculos no dia 24 desse mesmo mês com a confissão dos levitas (Ne 9), seguido do selar da aliança por Neemias na qualidade de TIRSHATA (Ne 10), e a descrição dos que habitavam em Jerusalém e nas outras cidades.
Os capítulos 7 a 11 de Neemias formam um parêntese histórico, relembrado por Neemias entre o término da construção do muro com o assentamento das portas (Ne 7:1), e a dedicação dos muros (Ne 12:27-43). Depois de reedificado os muros, Deus pôs no coração de Neemias que ajuntasse os nobres os magistrados e o povo, para registar as genealogias. Por esta ocasião, achou o livro da genealogia dos que subiram do cativeiro e que vieram com Zorobabel e Jesua (Ne 7.5-7) … e a história prossegue ininterrupta até ao final do capítulo 11, relatando todos os eventos do 7º mês.

Cronologia 7 semanas (1) – Dario o medo

Já anteriormente colocámos a hipótese de que o decreto de Ciro no seu primeiro ano é o ponto de partida das 70 semanas da profecia de Daniel - a saída da ordem para restaurar e edificar Jerusalém (Dn 9.25). Neste enquadramento, defendo que as primeiras 7 semanas da profecia de Daniel 9 iniciam com o decreto de Ciro e terminam com o regresso de Neemias junto ao rei Artaxerxes no seu 32º ano após ter terminado a reconstrução dos muros. Sete semanas (49 anos) foi o tempo em que o templo foi reconstruído (Esdras, Ageu, Zacarias), e “as praças e circunvalações se reedificaram em tempos angustiosos” (Dn 9:25).
A história do que aconteceu nestas 7 semanas é narrada nos livros de Esdras, Neemias e Ester, e também nos profetas Ageu e Zacarias, e Daniel. A informação cronológica fornecida nestes livros permite uma verificação interna da cronologia deste período.
Nesta e nas próximas mensagens iremos seguir cronologicamente os eventos de que falam as Escrituras, bem como esclarecer o que é necessário para a compreensão da cronologia. Creio poder demonstrar a viabilidade desta tese, e assim derrubar a principal alternativa ao decreto de Ciro, que é o decreto de Artaxerxes Longimanos (alegadamente o que autorizou Neemias a ir a Jerusalém para a edificar). 

O decreto de Ciro
No seguimento da cronologia que temos vindo a estabelecer, assumimos como data para o decreto de Ciro, que ele emitiu no seu primeiro ano de reinado (2Cr 36:22; Ed 1:1), o ano de 3467 AH. É o 70º ano desde o 3º ano de Jeoaquim, quando se iniciou o exílio com um primeiro grupo de deportados entre os quais o jovem Daniel (Dn 1:1-2). É o ano em que Daniel toma consciência de que os 70 anos, de que falou Jeremias, que haviam de durar as assolações de Jerusalém, estavam a chegar ao fim e ele ora pela cidade e pelo povo (Dn 9:1-19). O regresso do povo e Jerusalém dá-se no início do ano seguinte 3468, ou seja no 71º ano e primeiro ano de um novo período.
3466 AH – conquista da Babilónia
Neste capítulo, faço uso das descobertas de William Shea[1] para reconstruir cronologicamente os eventos relativos a Dario o medo, que identificamos como sendo a mesma pessoa que Ciro (ver também a nossa mensagem anterior sobre a identidade de Dario o medo). Num artigo escrito em 1982, Shea apresentava elementos que favoreciam a identificação de Dario o medo como Ugbaru, general do exército de Ciro que tomou a Babilónia[2]. Mas, novas descobertas fizeram-no alterar a sua posição. Tabuletas contratuais e comerciais cuneiformes neo-babilónicas desse tempo, no British Museum, trazem luz sobre quem governou a Babilónia nos primeiros anos depois que foi conquistada por Ciro, fazendo convergir os dados do texto bíblico com outras fontes históricas.
Babilónia é tomada no mês VII (o que corresponde ao mês Tishri dos judeus), dia 16, sem batalha. Belsazar, rei dos caldeus (na verdade, Belsazar era co-regente de Nabonidus), é morto (Dn 5:30). Quem entrou na cidade e a tomou foi Ugbaru (ou Gubaru), general do exército de Ciro. Ciro dividira o seu exército, uma parte ficando sob o seu comando, a outra sob o comando do seu general Ugbaru. Ciro não tomou diretamente parte na conquista da Babilónia, estando com a divisão que obteve a vitória sobre Nabonidus junto ao rio Tigre.
No mês seguinte, mês VIII, dia 3, Ciro entra triunfalmente na cidade. É aqui que “Dario o medo, com cerca de 62 anos, se apoderou (ou recebeu, conforme outras traduções) o reino” (Dn 5:31). Este verbo QEBAL tem sido interpretado de duas maneiras. Ciro é aquele a quem historicamente é atribuída a conquista de Babilónia, não o seu general. A interpretação “recebeu” é favorecida por quem considera que Dario não é Ciro, mas um vassalo (Ugbaru, Cambises ou outra figura) a quem Ciro deu temporariamente o governo. Mas também pode interpretar-se que Dario/Ciro “recebeu” o reino das mãos de Ugbaru, porque este temporariamente segurou a cidade com as suas tropas. Por outro lado, pode dizer-se que Ciro tomou o reino, vencendo Nabonidus. Quanto à idade de 62 anos, embora não se conheça a idade precisa de Ciro naquele momento, está em harmonia com o que é dele conhecido.
O intervalo de 17 dias entre mês VII, dia 16 (tomada da cidade por Ugbaru) e mês VIII, dia 3 (entrada triunfal de Ciro) corresponde ao intervalo entre os eventos de Dn 5:30 (morte de Belssazar) e Dn 5:31 (chegada de Ciro e receção do reino).
No mesmo mês VIII, dia 11, Ugbaru morre. E morre também “a mulher do rei”, presumivelmente a mulher de Ciro, Cassandane, e mãe de Cambises. Um luto oficial foi comemorado no final do ano, mês XII.
Depois que Ciro chegou à Babilónia, Ugbaru nomeou governadores, segundo a Crónica de Nabonidus. A Bíblia diz-nos que Dario/Ciro constituiu 120 sátrapas por todo o reino, e sobre eles 3 presidentes, entre os quais Daniel (Dn 6:1-3).Visto que Ugbaru morreu pouco tempo depois, certamente não teve tempo para efetuar todas as nomeações e Dario/Ciro terminou a tarefa. E faz sentido que o rei tivesse pensado em Daniel para substituir Ugbaru, que morrera (Dn 6:3).
A escolha de Daniel gerou inveja entre os outros sátrapas e presidentes, que procuraram uma ocasião para acusá-lo. Pediram a Dario que fizesse um decreto de modo a poderem apanhá-lo. Só poderiam ter êxito se o atacassem com base na sua fé, porque sabiam que ele continuaria a orar ao seu Deus.
Shea explica a natureza peculiar desta petição que interdizia às pessoas de orarem aos seus deuses. Em tempos normais de paz, as pessoas poderiam ter ido aos seus templos para adorarem os seus deuses. Mas naquela altura, isto não era possível. Nabonidus passara os primeiros 6 meses do ano a trazer os deuses de vários locais a Babilónia para defenderem a capital, deizando as outras cidades desprotegidas. A Crónica de Nabonidus diz que Ciro, durante 4 meses nesse ano, do mês IX ao XII levou todos estes deuses de volta ao seu lugar. Entretanto, o país estava num limbo religioso. Tal pedido ao rei, num tempo em que o país estava instável em termos religiosos, faz mais sentido do que se tivesse acontecido mais tarde quando o país já estava mais calmo. A história encaixa na situação disturbada da época.
Depois que Daniel foi salvo da cova dos leões, Dario/Ciro fez um decreto “aos povos, nações e homens de todas as línguas, que habitam em toda a terra” (Dn 6:25-27). Tal decreto só pode ser da mão de Ciro, não de algum vassalo ou co-regente. Segundo as tabuletas babilónicas, Ciro não tinha ainda tomado o título de “rei da Babilónia”, mas usava o título de “Rei de Nações”.
Estes acontecimentos ocorreram no ano de ascensão de Ciro (ano 0). O seu primeiro ano oficial começa em Nisan (mês I) do ano seguinte.
A seguir à narrativa da cova dos leões, Dn 6:28 conclui que Daniel prosperou no reinado de Dario, e no reinado de Ciro, o persa. A conjunção “e” (letra VAV em hebraico) parece indicar tratar-se de duas pessoas diferentes. Wiseman[3] foi o primeiro a avançar a teoria de que Dario o medo era outro nome para Ciro, baseando-se na interpretação de que a conjunção “VAV”, neste versículo, não é “e”, mas que pode ser lida como uma conjunção explicativa “isto é”, “ou seja”. Esta interpretação é possível, mas não totalmente necessária; “e” pode aludir às fases sucessivas do seu reinado, caracterizadas por determinado nome sob o qual exercia a sua autoridade. Daniel chama Ciro de Dario o medo em várias ocasiões (Dn 5:31; 6; 9:1; 11:1), quando se refere ao princípio do seu reinado, e noutras de Ciro (Dn 6:28; 10:1). 

3467 AH – o primeiro ano de Dario/Ciro
De acordo com as tabuletas cuneiformes, no início do novo ano, Ciro, que continua mencionado como “Rei de Nações”, instala o seu filho Cambises como “rei de Babilónia”. Cambises seria removido do trono no final do mês IX nesse mesmo ano.
Entretanto, no mês III, Ciro é instalado como rei dos medos por Ciaxares II, tio de Ciro. Vários anos antes, no 6º ano de Nabonidus, Ciro derrotou Astíages, rei dos medos, e avô materno de Ciro. Ciro permitiu que Ciaxares II, filho de Astíages, ocupasse o trono da Média. Ciaxares II não tinha descendentes masculinos e deu a sua filha em casamento a Ciro para selar a união política. Isto faz sentido, já que Ciro tinha recentemente perdido a sua mulher, Cassandane.
Estas circunstâncias fornecem uma explicação para a utilização do nome “Dario” por Daniel. No tempo da sua nomeação como rei da Média, teria sido apropriado tomar um nome de trono, no caso Dario. Mas se Ciro só foi nomeado rei dos medos no seu primeiro ano, por que razão Daniel usa este nome quando escreve sobre ele num acontecimento (a tomada de Babilónia) que ocorreu cerca de nove meses antes? Em toda a probabilidade, Daniel não terá registado a história imediatamente no tempo do acontecimento, mas algum tempo depois, já depois da coroação de Ciro como rei dos medos. Escrevendo de uma perspetiva posterior, Daniel usou o nome Dario.
Daniel identificou Ciro pelo seu nome e título medo, enquanto os escribas babilónicos usavam o título mais geral “rei de nações”.
Também já referimos que uma das razões porque Daniel fala aqui em Dario o medo e não em Ciro o persa é para fazer a ligação com as profecias de Isaías e Jeremias, que falavam dos medos como povo que derrubaria Babilónia (Is 13:17; Jr 51:11). Assim seria perceptível para os judeus. Quando Ciro conquistou a Babilónia foi na qualidade de medo, em cumprimento das profecias e porque ainda não tinha sido feito a transição da predominância meda para a predominância persa. Daniel 10-12 recorda a última visão de Daniel no terceiro ano de Ciro, rei da Pérsia (Dn 10:1), onde já aparece com o nome Ciro. Mas na mesma visão é feito referência ao primeiro ano de Dario (Dn 11:1).
Em Dn 9:1, Daniel refere a linhagem de Dario a Assuero. Ciro era, de facto, medo na linha materna e persa, do lado do pai. Estima-se que Assuero é o nome de um antepassado medo. O indivíduo cujo nome apresenta o melhor potencial fonético, segundo Shea, é Ciaxares.
No primeiro ano de Dario/Ciro, Daniel ora e recebe profecia das 70 semanas (Dn 9). Em Dn 9:1, Dario é designado por Daniel como filho de Assuero, da linhagem dos medos, o qual foi constituído rei sobre o reino dos caldeus.
Não sabemos em que mês Daniel recebe a profecia. Ainda no tempo da governação de Cambises como rei da Babilónia? Ou depois que Ciro removeu Cambises do trono no final do mês IX, depois de ele próprio se ter constituído rei dos caldeus (isto é, rei da Babilónia)?
A questão é: porque Ciro removeu Cambises? Na opinião de Shea, a única explicação razoável é que deve ter havido uma diferença de opinião entre Ciro e Cambises sobre a questão do regresso dos cativos, tanto de judeus como de outros povos. Os cativos na Babilónia estavam sob a jurisdição do rei da Babilónia. Cambises era antagónico a cultos e povos estrangeiros. Se Cambises estivesse no poder, é duvidoso que tivesse dado uma ordem de regresso aos judeus. Não há prova explícita para isto, mas esta sugestão deriva das correlações cronológicas envolvidas.
É provavelmente a esse tempo que se refere Dn 11:1 – Mas eu, no primeiro ano de Dario, o medo, me levantei para o fortalecer e animar. Quando Dario se tornou rei da Babilónia, o anjo Gabriel estava ao seu lado para o fortalecer no desempenho das suas funções reais.
Se Cambises foi removido no final do mês IX, parece provável que Ciro emitiu o seu decreto depois disso, no mês X ou XI, permitindo que os judeus se preparassem e regressassem no princípio (primavera) do ano seguinte (3468 AH). A não ser que ele tivesse editado o decreto antes, durante a regência de Cambises, mas que estes não deixou os judeus ir. Facto é que Daniel nunca faz menção de Cambises.




[1] William Shea, Darius the Mede in his Persian-Babylonian Setting. Andrews University Seminary Studies 29 (1991): 235-257. Disponível online.
[2] William Shea, Darius the Mede: an update. Andrews University Seminary Studies 3 (1982): 229-247. Disponível online.
[3] D. J. Wiseman, “Some Historical Problems in the Book of Daniel,” D. J. Wiseman, ed., Notes on Some Problems in the Book of Daniel. London: The Tyndale Press, 1965. pp. 9-18