27/12/2015

Cronologia 7 semanas (6) – Gogue e Magogue

Muitos estranharão inserirmos aqui, no contexto do livro de Ester, as profecias em Ezequiel 38 e 39 sobre Gogue, da terra de Magogue.
A batalha de Gogue e Magogue é frequentemente interpretada como pertencendo a um futuro escatológico. Uma exceção foi Matthew Henry (1662-1714), que no seu comentário afirma ser muito provável que esta profecia tenha tido o seu cumprimento algum tempo depois do regresso de Israel do cativeiro, embora ele não consiga situá-la exatamente no tempo.
Um autor contemporâneo, James Jordan, numa série artigos intitulados «Esther: Historical & Chronologial Comments» propõe que Ezequiel 38-39 descreve o ataque de Hamã e seus confederados contra os judeus. Os acontecimentos, narrados no livro de Ester, no 13º ano de Assuero/Dario, são a realização da profecia da batalha de Gog e Magog.
Vamos analisar esta hipótese.

O contexto histórico
Primeiro, temos que pôr a visão do profeta Ezequiel capítulos 38-39 no seu contexto.
No ano 12º do exílio, Ezequiel recebe a notícia de que a cidade de Jerusalém tinha caído (33:21). A terra foi tornada em desolação; os montes de Israel tão desolados que ninguém passava por eles (33:28). As ovelhas espalharam-se por toda a terra porque os seus pastores não as apascentaram (34:1-9). Mas, a seguir, e no ponto mais negro da história de Israel, vem uma série de profecias sobre o restauro de Israel à sua terra. “Vós, ó montes de Israel, vós produzireis os vossos ramos e dareis o vosso fruto para o meu povo de Israel o qual está prestes a vir (36:8)… Tomar-vos-ei de entre as nações e vos congregarei de todos os países, e vos trarei para a vossa terra” (36:24). Israel estava no exílio; a sua esperança pereceu, o vale de ossos mortos que Ezequiel viu era toda a casa de Israel. Mas eles seriam reestabelecidos na sua própria terra (37:11-14)… Israel seria novamente uma nação: a vara de José juntou-se à vara de Judá (37:1-22). Quando regressaram do exílio, sob a direção de Zorobabel e Jesua, eram um povo, conhecidos como “judeus”, já não havia divisão entre Israel/Efraim e Judá como foi o caso durante o tempo da monarquia dividida. Nestes capítulos 36 e 37 de Ezequiel há predições sobre o que viria a ser a Nova Aliança, mas uma primeira realização destas profecias de Ezequiel dá-se com o regresso dos judeus à sua terra e a reconstrução do santuário. O regresso do exílio constituíra para os judeus uma nova oportunidade, uma espécie de segundo Êxodo, desta vez não do Egipto, mas agora da Babilónia. Depois das alianças mosaica e davídica, veio a aliança da restauração (frequentemente esquecida, e pouco conhecida). A aliança davídica fracassou, o povo foi exilado. Mas Deus renova a sua aliança; novas promessas são dadas (Isaías, Jeremias, Ezequiel) – que serão realizadas no “Renovo”. O período depois do exílio constitui o tempo de formação para uma nova aliança; o regresso do povo à terra era o primeiro passo em direção à Nova Aliança. Era a primeira fase dos “últimos dias”. A aliança da restauração tinha como promessa não a posse de uma Canaã terrena, mas a vinda do Renovo e com ele a era messiânica, o derramar do Espírito, e a vinda do reino de Deus.
No profeta Jeremias encontramos a mesma ideia. “Eis que vêm dias, diz o Senhor, em que levantarei a David um Renovo justo; e, rei que é, reinará, e agirá sabiamente, e executará o juízo e a justiça na terra. Nos seus dias Judá será salvo, e Israel habitará seguro; será este o seu nome, com que será chamado; Senhor Justiça Nossa. Portanto, eis que vêm dias, diz o Senhor, em que nunca mais dirão: Tão certo como vive o Senhor que fez subir os filhos de Israel da terra do Egipto; mas: Tão certo como vive o senhor, que fez subir, que trouxe a descendência da casa de Israel da terra do Norte, e de todas as terras para onde os tinha arrojado; e habitarão na sua terra” (Jr23:5-8). Isto profetizou Jeremias depois que Joaquim/Jeconias fora levado para Babilónia em exílio (Jr 22:20-30). A referência dos judeus não mais seria o Êxodo, mas o regresso do exílio na Babilónia.
Portanto, o contexto da profecia em Ezequiel 38-39 é a de um povo que, do exílio, reunido, foi novamente trazido à sua terra, com uma nova aliança (Restauração), com um novo templo, um novo sumo-sacerdote (Zc 3).

De que fala Ezequiel 38-39?
Neste contexto histórico e espiritual, Ezequiel 38 e 39 fala da invasão de um exército composto de muitos povos, uma grande multidão (38:4-7), dirigido por Gogue, da terra de Magogue, príncipe de Meseque e Tubal (38:2), contra um povo que se recuperou da espada, um povo que se congregou dentre muitos povos sobre os montes de Israel que estavam desolados (38:8); contra um povo que vivia seguro, habitando sem muros e sem ferrolhos nas portas (38:11-12, 14). Mas os intentos de Gogue serão frustrados. Apesar da multidão que está com ele, é contra ela que a espada é chamada (38:21-23); é ele e as suas tropas que cairão (39:4). Eles serão sepultados no que será chamado o Vale das Forças (ou multidão) de Gogue.
§  O templo fora reconstruído num período de paz, com a autorização do rei Dario. No 2º ano do seu reinado, quando se iniciou a edificação do templo, na visão de Zacarias, a terra estava repousada e tranquila (Zc 1:11). O templo foi terminado no final do 6º ano e inaugurado no início do 7º ano de Dario. Depois da inauguração do templo, Dario casou com Ester. Quando se preparou o ataque aos judeus, no 13º ano de Dario, em Jerusalém, os muros da cidade e as portas ainda estavam em ruinas e as portas queimadas (Ne 1:1-3). No resto do enorme reino de Dario, os judeus habitavam “sem muros”, desprotegidos, no meio de outros povos.

§  O reino de Dario era enorme; tinha 127 províncias onde habitavam muitos povos. O exército de Gogue era constituído por uma multidão de muitos povos. Os povos que são mencionados pelo nome podem ser encontrados na lista das nações em Génesis 10. Magog, Meseque, Tubal, Gomer, Togarma e Társis são da descendência jafetita. Cuxe (etíopes), Pute, Sabá e Dedã são descendentes de Cão. Ez 38:2 menciona a Pérsia/os persas. A capital da Pérsia, Susã, estava na província de Elão (Dn 8:1). Os elamitas pertencem ao reino da Pérsia, ou são identificados como os persas. Os elamitas são descendentes de Sem.
Nas palavras de Jordan, a noção parece ser a de uma conspiração de povos primordiais contra o verdadeiro remanescente semita.
As cartas de Hamã, cuja ordem era para todos os povos se reunirem e aniquilarem os judeus, e saquearem os seus bens, dirigiam-se aos sátrapas do rei, aos governadores de todas as províncias e aos príncipes de cada povo; eram escritas em muitas línguas, a cada povo na sua própria língua… (Ester 3:12-14).
§  Gogue e suas tropas serão sepultados no que será chamado o Vale das Forças (ou multidão) de Gogue; em hebraico, o vale de HAMON-GOG. A palavra hebraica traduzida forças ou multidão é HAMON (HMN).
HAMON faz lembrar Hamã (HAMAN), o agagita (Es3:1), que arquitetou o ataque contra os judeus. A palavra é escrita exatamente da mesma maneira (HMN), com as mesmas consoantes, já que o hebraico não tem vogais.
Podemos encontrar afinidades entre Hamã e Gogue?
Hamã, enquanto “agagita”, era descendente de AGAG, o rei amalequita vencido por Saul. Também AGAG e GOG têm uma sonoridade parecida e escrevem-se com as mesmas letras.
Os amalequitas eram o povo que Israel teve de enfrentar pouco depois de sair do Egipto (Ex 17). A promessa de Deus foi: eu hei de riscar totalmente a memória de Amaleque de debaixo do céu … e também disse: haverá guerra do Senhor contra Amaleque de geração em geração.
Depois disso, Israel ainda enfrentará os amalequitas muitas vezes: Nm 13:29; 14:25,45; Jz 3:13; 6:3; 1Sm 14:48.
Em Dt 25:17-19, é dito a Israel acerca de Amaleque: Quando o Senhor teu Deus te houver dado sossego de todos os teus inimigos em redor, na terra que o senhor teu Deus te dá por herança, para a possuíres, apagarás a memória de Amaleque de debaixo do céu; não te esqueças.
A Saul (1Sam 15) foi ordenado ferir Amaleque e destruí-lo totalmente e nada poupar. Mas ele desobedeceu, tomou vivo Agague e poupou o melhor dos animais. Assim continuamos a encontrar os amalequitas no tempo de David (1Sam 27:8), e nos dias de Ezequias, rei de Judá (1Cr 4:41-43). Depois do cativeiro, Israel voltou à sua terra. Amaleque, na figura de Hamã, prepara um novo ataque.
O príncipe de Meseque e Tubal aplica-se a Hamã?
Algumas versões traduziram “o príncipe de Rosh, de Meseque e de Tubal”, o que não está correta. ROSH não é um lugar ou um povo, mas significa primeiro, princípio, principal. Portanto, o NASI ROSH é o príncipe-mor, o príncipe e chefe que está sobre os outros. Isto aplica-se perfeitamente a Hamã: Assuero pôs o trono de Hamã acima de todos os príncipes (Es 3:1).
§  Tal como na profecia sobre Gogue, no livro de Ester os judeus obtiveram uma estrondosa vitória sobre o inimigo. O ataque perpetrado por Hamã e a multidão de povos com ele contra os judeus em todo o reino da Pérsia reverteu-se numa vitória destes, que originou a festa de Purim (Es 9).
O número de mortos que os judeus mataram nesse dia 13 do mês de Adar foi 75.000. Este número é consentâneo com a quantidade de armas que queimaram e saquearam, e o tempo que levaram a sepultar todos os mortos.
Desta vez, Amaleque foi totalmente destruído. Foram enforcados os 10 filhos de Hamã. Dez é o número que indica a totalidade.

Jeremias 49:34-39
Esta profecia de Jeremias é um oráculo contra Elão. Ela insere-se nas profecias de Jeremias contra as nações (Jr 46-49). Deus dissera que todas as nações seriam dadas a Nabucodonosor (Jr 25:9). Ele conquistou-as uma atrás da outra: Egipto, Filistia, Fenícia, Moabe, Amom, Edom, Síria, Quedar e Hazor. Mas quando chega a vez de Elão, nada é dito de Nabucodonosor. Todos os comentadores sugerem que a derrota de Elão em Jr 49:34-39 é a derrota da Pérsia quando conquistada por Alexandre o Grande. Susã era a capital do Elão, e Daniel estava na cidadela de Susã quando recebeu a visão em Daniel 8. Nesta visão, ele vê o carneiro da Pérsia (Dn 8:3-4, 20) engrandecer-se e depois ser vencido pelo bode que representa Alexandre (Dn 8:5-7, 21).
Uma interpretação diferente é dada por James Jordan quando sugere que esta passagem em Jeremias é mais provavelmente uma profecia dos eventos em Ester. Dn 8:2 mostra expressamente a ligação entre Susã e Elão, o que é importante porque os eventos em Ester ocorrem na cidade real de Susã, capital de Elão-Pérsia desde o tempo de Dario.
O que segue é traduzido de Jordan, J. - Esther: Historical & Chronological comments (I), Biblical Chronology, nº 3, 1996.
Jr 49:35 – Deus diz que quebrará o arco de Elão, a fonte do seu poder. Os persas eram conhecidos por serem bons arqueiros. Depois diz: Trarei sobre Elão os quatro ventos dos quatro ângulos do céu, e os espalharei na direção de todos estes ventos (v.36). Os quatro ventos não são um símbolo de invasão militar, como habitualmente interpretado, mas de uma invasão Espiritual.
Zc 2:6 afirma que Deus espalhou o seu povo como os quatro ventos do céu, isto é: depois do regresso do exílio, quando a Pérsia dominava o mundo. O símbolo é identificado. Zc 6:5 mostra os santos como os quatro ventos do céu saindo sobre cavalos para levar a conquista espiritual de Deus ao mundo daquele tempo. O mundo, que estava em paz em Zc 1, seria agora abalado porque o Templo de Deus fora restaurado e o Espírito Santo derramando-se no mundo (Zc 4).
Os quatro ventos são a manifestação humana do grande vento do Espírito; em hebraico, “espírito” é “sopro”. Ezequiel, escrevendo na mesma época que Jeremias, fala dos quatro ventos no capítulo 37. Ali a nação de Israel é figurada como ossos secos espalhados pelo vale. “Poderão reviver estes ossos?” é perguntado a Ezequiel. Estes ossos são toda a casa de Israel, são os ossos dos apóstatas, que o próprio Deus espalhou (Ez 6). Podem eles viver? Esta passagem não trata da ressurreição individual, mas da ressurreição e restauração do Israel idólatra e apóstata enquanto nação sacerdotal de Deus às nações. Ezequiel é dito para profetizar aos ossos, que o Sopro (Espírito) entre neles. Especificamente, é-lhe dito para dizer: Vem dos quatro ventos, ó espírito, e assopra sobre estes mortos, para que vivam (Ez 37:9). Noutras palavras, Israel não será restaurado por uma rajada de vento misteriosa do Espírito caindo do céu. Mas será restaurado quando o povo justo, especialmente os profetas, lhe trazem o Espírito. Serão os quatro ventos, o povo santo de Deus, que restauram Israel quando o exílio está terminado. Trata-se de uma predição dos eventos que ocorrem em Zacarias.
Semelhantemente, quando Daniel vê os quatro ventos do céu agitar o grande mar gentio em Daniel 7.2, é uma imagem da obra evangelista do povo de Deus no mundo. Esta obra evangelista traz os quatro grandes guardiões angélicos de Israel, grandes monstros que mostram os dentes contra os inimigos dos judeus. Quando um monstro deixa de fazer o seu trabalho, é substituído pelo seguinte.
Daniel 8:8, que fala dos quatro sucessores de Alexandre como “quatro chifres notáveis que saíram para os quatro ventos do céu”, é geralmente visto como os quatro impérios gregos para o norte, sul, este e oeste de Israel. Mas é mais provável que sejam os chifres de poder e proteção apontados para os quatro ventos, no sentido que apontam para Israel. Primeiro protegem Israel e, mais tarde, um deles, o pequeno chifre, vira-se contra Israel.
Tudo isto serve para esclarecer que o símbolo dos quatro ventos do céu é um símbolo da obra evangelística do povo de Deus, não um símbolo de exércitos gentios invadindo um país. Elão será conquistado pelo evangelho, pela ação dos judeus, não por um exército inimigo.
O Elão pagão será destruído diante dos seus inimigos. Deus enviará a espada atrás deles até consumi-los. Então Deus porá o seu trono em Elão (Jr 49:37-38) e restaurará a sorte de Elão (v.39).

Quando serão cumpridas estas coisas? Foram cumpridas nos eventos do livro de Ester. Hamã incitou os elamitas persas que odiavam os judeus a ataca-los. Mas Deus inverteu a sorte do seu povo. Os judeus tiveram autorização para usar a espada contra os que os odiavam. Muitos elamitas converteram-se à verdadeira fé (Ester 8:17) antes que acontecesse o massacre dos elamitas que procuravam o mal aos judeus (Ester 9). Assim, como predito, os quatro ventos do evangelismo vieram primeiro, e depois a espada da destruição. Depois disso, Ester e Mordecai tornaram-se grandes na terra, e o trono de Deus foi estabelecido.