27/12/2015

Cronologia 7 semanas (6) – Gogue e Magogue

Muitos estranharão inserirmos aqui, no contexto do livro de Ester, as profecias em Ezequiel 38 e 39 sobre Gogue, da terra de Magogue.
A batalha de Gogue e Magogue é frequentemente interpretada como pertencendo a um futuro escatológico. Uma exceção foi Matthew Henry (1662-1714), que no seu comentário afirma ser muito provável que esta profecia tenha tido o seu cumprimento algum tempo depois do regresso de Israel do cativeiro, embora ele não consiga situá-la exatamente no tempo.
Um autor contemporâneo, James Jordan, numa série artigos intitulados «Esther: Historical & Chronologial Comments» propõe que Ezequiel 38-39 descreve o ataque de Hamã e seus confederados contra os judeus. Os acontecimentos, narrados no livro de Ester, no 13º ano de Assuero/Dario, são a realização da profecia da batalha de Gog e Magog.
Vamos analisar esta hipótese.

O contexto histórico
Primeiro, temos que pôr a visão do profeta Ezequiel capítulos 38-39 no seu contexto.
No ano 12º do exílio, Ezequiel recebe a notícia de que a cidade de Jerusalém tinha caído (33:21). A terra foi tornada em desolação; os montes de Israel tão desolados que ninguém passava por eles (33:28). As ovelhas espalharam-se por toda a terra porque os seus pastores não as apascentaram (34:1-9). Mas, a seguir, e no ponto mais negro da história de Israel, vem uma série de profecias sobre o restauro de Israel à sua terra. “Vós, ó montes de Israel, vós produzireis os vossos ramos e dareis o vosso fruto para o meu povo de Israel o qual está prestes a vir (36:8)… Tomar-vos-ei de entre as nações e vos congregarei de todos os países, e vos trarei para a vossa terra” (36:24). Israel estava no exílio; a sua esperança pereceu, o vale de ossos mortos que Ezequiel viu era toda a casa de Israel. Mas eles seriam reestabelecidos na sua própria terra (37:11-14)… Israel seria novamente uma nação: a vara de José juntou-se à vara de Judá (37:1-22). Quando regressaram do exílio, sob a direção de Zorobabel e Jesua, eram um povo, conhecidos como “judeus”, já não havia divisão entre Israel/Efraim e Judá como foi o caso durante o tempo da monarquia dividida. Nestes capítulos 36 e 37 de Ezequiel há predições sobre o que viria a ser a Nova Aliança, mas uma primeira realização destas profecias de Ezequiel dá-se com o regresso dos judeus à sua terra e a reconstrução do santuário. O regresso do exílio constituíra para os judeus uma nova oportunidade, uma espécie de segundo Êxodo, desta vez não do Egipto, mas agora da Babilónia. Depois das alianças mosaica e davídica, veio a aliança da restauração (frequentemente esquecida, e pouco conhecida). A aliança davídica fracassou, o povo foi exilado. Mas Deus renova a sua aliança; novas promessas são dadas (Isaías, Jeremias, Ezequiel) – que serão realizadas no “Renovo”. O período depois do exílio constitui o tempo de formação para uma nova aliança; o regresso do povo à terra era o primeiro passo em direção à Nova Aliança. Era a primeira fase dos “últimos dias”. A aliança da restauração tinha como promessa não a posse de uma Canaã terrena, mas a vinda do Renovo e com ele a era messiânica, o derramar do Espírito, e a vinda do reino de Deus.
No profeta Jeremias encontramos a mesma ideia. “Eis que vêm dias, diz o Senhor, em que levantarei a David um Renovo justo; e, rei que é, reinará, e agirá sabiamente, e executará o juízo e a justiça na terra. Nos seus dias Judá será salvo, e Israel habitará seguro; será este o seu nome, com que será chamado; Senhor Justiça Nossa. Portanto, eis que vêm dias, diz o Senhor, em que nunca mais dirão: Tão certo como vive o Senhor que fez subir os filhos de Israel da terra do Egipto; mas: Tão certo como vive o senhor, que fez subir, que trouxe a descendência da casa de Israel da terra do Norte, e de todas as terras para onde os tinha arrojado; e habitarão na sua terra” (Jr23:5-8). Isto profetizou Jeremias depois que Joaquim/Jeconias fora levado para Babilónia em exílio (Jr 22:20-30). A referência dos judeus não mais seria o Êxodo, mas o regresso do exílio na Babilónia.
Portanto, o contexto da profecia em Ezequiel 38-39 é a de um povo que, do exílio, reunido, foi novamente trazido à sua terra, com uma nova aliança (Restauração), com um novo templo, um novo sumo-sacerdote (Zc 3).

De que fala Ezequiel 38-39?
Neste contexto histórico e espiritual, Ezequiel 38 e 39 fala da invasão de um exército composto de muitos povos, uma grande multidão (38:4-7), dirigido por Gogue, da terra de Magogue, príncipe de Meseque e Tubal (38:2), contra um povo que se recuperou da espada, um povo que se congregou dentre muitos povos sobre os montes de Israel que estavam desolados (38:8); contra um povo que vivia seguro, habitando sem muros e sem ferrolhos nas portas (38:11-12, 14). Mas os intentos de Gogue serão frustrados. Apesar da multidão que está com ele, é contra ela que a espada é chamada (38:21-23); é ele e as suas tropas que cairão (39:4). Eles serão sepultados no que será chamado o Vale das Forças (ou multidão) de Gogue.
§  O templo fora reconstruído num período de paz, com a autorização do rei Dario. No 2º ano do seu reinado, quando se iniciou a edificação do templo, na visão de Zacarias, a terra estava repousada e tranquila (Zc 1:11). O templo foi terminado no final do 6º ano e inaugurado no início do 7º ano de Dario. Depois da inauguração do templo, Dario casou com Ester. Quando se preparou o ataque aos judeus, no 13º ano de Dario, em Jerusalém, os muros da cidade e as portas ainda estavam em ruinas e as portas queimadas (Ne 1:1-3). No resto do enorme reino de Dario, os judeus habitavam “sem muros”, desprotegidos, no meio de outros povos.

§  O reino de Dario era enorme; tinha 127 províncias onde habitavam muitos povos. O exército de Gogue era constituído por uma multidão de muitos povos. Os povos que são mencionados pelo nome podem ser encontrados na lista das nações em Génesis 10. Magog, Meseque, Tubal, Gomer, Togarma e Társis são da descendência jafetita. Cuxe (etíopes), Pute, Sabá e Dedã são descendentes de Cão. Ez 38:2 menciona a Pérsia/os persas. A capital da Pérsia, Susã, estava na província de Elão (Dn 8:1). Os elamitas pertencem ao reino da Pérsia, ou são identificados como os persas. Os elamitas são descendentes de Sem.
Nas palavras de Jordan, a noção parece ser a de uma conspiração de povos primordiais contra o verdadeiro remanescente semita.
As cartas de Hamã, cuja ordem era para todos os povos se reunirem e aniquilarem os judeus, e saquearem os seus bens, dirigiam-se aos sátrapas do rei, aos governadores de todas as províncias e aos príncipes de cada povo; eram escritas em muitas línguas, a cada povo na sua própria língua… (Ester 3:12-14).
§  Gogue e suas tropas serão sepultados no que será chamado o Vale das Forças (ou multidão) de Gogue; em hebraico, o vale de HAMON-GOG. A palavra hebraica traduzida forças ou multidão é HAMON (HMN).
HAMON faz lembrar Hamã (HAMAN), o agagita (Es3:1), que arquitetou o ataque contra os judeus. A palavra é escrita exatamente da mesma maneira (HMN), com as mesmas consoantes, já que o hebraico não tem vogais.
Podemos encontrar afinidades entre Hamã e Gogue?
Hamã, enquanto “agagita”, era descendente de AGAG, o rei amalequita vencido por Saul. Também AGAG e GOG têm uma sonoridade parecida e escrevem-se com as mesmas letras.
Os amalequitas eram o povo que Israel teve de enfrentar pouco depois de sair do Egipto (Ex 17). A promessa de Deus foi: eu hei de riscar totalmente a memória de Amaleque de debaixo do céu … e também disse: haverá guerra do Senhor contra Amaleque de geração em geração.
Depois disso, Israel ainda enfrentará os amalequitas muitas vezes: Nm 13:29; 14:25,45; Jz 3:13; 6:3; 1Sm 14:48.
Em Dt 25:17-19, é dito a Israel acerca de Amaleque: Quando o Senhor teu Deus te houver dado sossego de todos os teus inimigos em redor, na terra que o senhor teu Deus te dá por herança, para a possuíres, apagarás a memória de Amaleque de debaixo do céu; não te esqueças.
A Saul (1Sam 15) foi ordenado ferir Amaleque e destruí-lo totalmente e nada poupar. Mas ele desobedeceu, tomou vivo Agague e poupou o melhor dos animais. Assim continuamos a encontrar os amalequitas no tempo de David (1Sam 27:8), e nos dias de Ezequias, rei de Judá (1Cr 4:41-43). Depois do cativeiro, Israel voltou à sua terra. Amaleque, na figura de Hamã, prepara um novo ataque.
O príncipe de Meseque e Tubal aplica-se a Hamã?
Algumas versões traduziram “o príncipe de Rosh, de Meseque e de Tubal”, o que não está correta. ROSH não é um lugar ou um povo, mas significa primeiro, princípio, principal. Portanto, o NASI ROSH é o príncipe-mor, o príncipe e chefe que está sobre os outros. Isto aplica-se perfeitamente a Hamã: Assuero pôs o trono de Hamã acima de todos os príncipes (Es 3:1).
§  Tal como na profecia sobre Gogue, no livro de Ester os judeus obtiveram uma estrondosa vitória sobre o inimigo. O ataque perpetrado por Hamã e a multidão de povos com ele contra os judeus em todo o reino da Pérsia reverteu-se numa vitória destes, que originou a festa de Purim (Es 9).
O número de mortos que os judeus mataram nesse dia 13 do mês de Adar foi 75.000. Este número é consentâneo com a quantidade de armas que queimaram e saquearam, e o tempo que levaram a sepultar todos os mortos.
Desta vez, Amaleque foi totalmente destruído. Foram enforcados os 10 filhos de Hamã. Dez é o número que indica a totalidade.

Jeremias 49:34-39
Esta profecia de Jeremias é um oráculo contra Elão. Ela insere-se nas profecias de Jeremias contra as nações (Jr 46-49). Deus dissera que todas as nações seriam dadas a Nabucodonosor (Jr 25:9). Ele conquistou-as uma atrás da outra: Egipto, Filistia, Fenícia, Moabe, Amom, Edom, Síria, Quedar e Hazor. Mas quando chega a vez de Elão, nada é dito de Nabucodonosor. Todos os comentadores sugerem que a derrota de Elão em Jr 49:34-39 é a derrota da Pérsia quando conquistada por Alexandre o Grande. Susã era a capital do Elão, e Daniel estava na cidadela de Susã quando recebeu a visão em Daniel 8. Nesta visão, ele vê o carneiro da Pérsia (Dn 8:3-4, 20) engrandecer-se e depois ser vencido pelo bode que representa Alexandre (Dn 8:5-7, 21).
Uma interpretação diferente é dada por James Jordan quando sugere que esta passagem em Jeremias é mais provavelmente uma profecia dos eventos em Ester. Dn 8:2 mostra expressamente a ligação entre Susã e Elão, o que é importante porque os eventos em Ester ocorrem na cidade real de Susã, capital de Elão-Pérsia desde o tempo de Dario.
O que segue é traduzido de Jordan, J. - Esther: Historical & Chronological comments (I), Biblical Chronology, nº 3, 1996.
Jr 49:35 – Deus diz que quebrará o arco de Elão, a fonte do seu poder. Os persas eram conhecidos por serem bons arqueiros. Depois diz: Trarei sobre Elão os quatro ventos dos quatro ângulos do céu, e os espalharei na direção de todos estes ventos (v.36). Os quatro ventos não são um símbolo de invasão militar, como habitualmente interpretado, mas de uma invasão Espiritual.
Zc 2:6 afirma que Deus espalhou o seu povo como os quatro ventos do céu, isto é: depois do regresso do exílio, quando a Pérsia dominava o mundo. O símbolo é identificado. Zc 6:5 mostra os santos como os quatro ventos do céu saindo sobre cavalos para levar a conquista espiritual de Deus ao mundo daquele tempo. O mundo, que estava em paz em Zc 1, seria agora abalado porque o Templo de Deus fora restaurado e o Espírito Santo derramando-se no mundo (Zc 4).
Os quatro ventos são a manifestação humana do grande vento do Espírito; em hebraico, “espírito” é “sopro”. Ezequiel, escrevendo na mesma época que Jeremias, fala dos quatro ventos no capítulo 37. Ali a nação de Israel é figurada como ossos secos espalhados pelo vale. “Poderão reviver estes ossos?” é perguntado a Ezequiel. Estes ossos são toda a casa de Israel, são os ossos dos apóstatas, que o próprio Deus espalhou (Ez 6). Podem eles viver? Esta passagem não trata da ressurreição individual, mas da ressurreição e restauração do Israel idólatra e apóstata enquanto nação sacerdotal de Deus às nações. Ezequiel é dito para profetizar aos ossos, que o Sopro (Espírito) entre neles. Especificamente, é-lhe dito para dizer: Vem dos quatro ventos, ó espírito, e assopra sobre estes mortos, para que vivam (Ez 37:9). Noutras palavras, Israel não será restaurado por uma rajada de vento misteriosa do Espírito caindo do céu. Mas será restaurado quando o povo justo, especialmente os profetas, lhe trazem o Espírito. Serão os quatro ventos, o povo santo de Deus, que restauram Israel quando o exílio está terminado. Trata-se de uma predição dos eventos que ocorrem em Zacarias.
Semelhantemente, quando Daniel vê os quatro ventos do céu agitar o grande mar gentio em Daniel 7.2, é uma imagem da obra evangelista do povo de Deus no mundo. Esta obra evangelista traz os quatro grandes guardiões angélicos de Israel, grandes monstros que mostram os dentes contra os inimigos dos judeus. Quando um monstro deixa de fazer o seu trabalho, é substituído pelo seguinte.
Daniel 8:8, que fala dos quatro sucessores de Alexandre como “quatro chifres notáveis que saíram para os quatro ventos do céu”, é geralmente visto como os quatro impérios gregos para o norte, sul, este e oeste de Israel. Mas é mais provável que sejam os chifres de poder e proteção apontados para os quatro ventos, no sentido que apontam para Israel. Primeiro protegem Israel e, mais tarde, um deles, o pequeno chifre, vira-se contra Israel.
Tudo isto serve para esclarecer que o símbolo dos quatro ventos do céu é um símbolo da obra evangelística do povo de Deus, não um símbolo de exércitos gentios invadindo um país. Elão será conquistado pelo evangelho, pela ação dos judeus, não por um exército inimigo.
O Elão pagão será destruído diante dos seus inimigos. Deus enviará a espada atrás deles até consumi-los. Então Deus porá o seu trono em Elão (Jr 49:37-38) e restaurará a sorte de Elão (v.39).

Quando serão cumpridas estas coisas? Foram cumpridas nos eventos do livro de Ester. Hamã incitou os elamitas persas que odiavam os judeus a ataca-los. Mas Deus inverteu a sorte do seu povo. Os judeus tiveram autorização para usar a espada contra os que os odiavam. Muitos elamitas converteram-se à verdadeira fé (Ester 8:17) antes que acontecesse o massacre dos elamitas que procuravam o mal aos judeus (Ester 9). Assim, como predito, os quatro ventos do evangelismo vieram primeiro, e depois a espada da destruição. Depois disso, Ester e Mordecai tornaram-se grandes na terra, e o trono de Deus foi estabelecido.

29/11/2015

Cronologia 7 semanas (5) – Ester

Na história de Ester, há, além da própria Ester, três figuras de importância: o rei Assuero, Mordecai e Haman.

Assuero
Já avançámos, numa anterior mensagem (Quem é o Artaxerxes de Esdras e Neemias?), que o rei Assuero no livro de Ester é o mesmo que o Artaxerxes de Esdras e Neemias, e que este é Dario o Persa. Em Annals of the World (1650), já o bispo Ussher situava Ester no reinado de Dario.
Geralmente, assume-se que o Assuero de Ester é Xerxes, o sucessor de Dario, talvez por causa da semelhança de nomes. Assuero e Xerxes seriam corrupções do persa Khshyarsha. Mas vários aspetos apontam para a identificação com Dario.
Alguns comentadores identificam Assuero com Cambises, o que é improvável, dado ele ser adverso aos judeus.
J. Jordan assinala seis pontos que defendem que Assuero é Dario (Jordan, J. - Esther: Historical & Chronological comments (V), Biblical Chronology, nº 6, 1996):
- Segundo a história, Dario teve de passar os primeiros dois anos do seu reinado a reprimir rebeliões. Assim tem lógica o facto de dar uma grande festa no seu terceiro ano.
- Depois disso, Dario fez várias campanhas militares. Assim, ao seu regresso a Susã (sexto ano), e apaziguado o seu furor contra Vasti, é um bom momento para escolher uma nova esposa.
- A frota naval de Dario tomou as ilhas de Samos, Chios e Lesbos e as restantes ilhas gregas. Segundo Heródoto, estas ilhas pagavam tributo a Dario. Outras fontes históricas dizem que Dario subjugou as ilhas no mar Egeu e que todas foram perdidas por seu filho Xerxes antes do 12º ano do seu reino, o que elimina a hipótese de Xerxes ser Assuero.
- Dario foi o rei persa que instituiu uma reforma económica, normalizou pesos, medidas e cunhagem, e impôs tributo sobre os povos que subjugou. A notícia sobre a imposição de tributo sobre toda a terra (Ester 10:1) não se pode aplicar a um rei persa anterior, e deve referir-se a Dario visto que se trata de um imposto sobre as terras do mar (e Xerxes já não ter domínio sobre estas).
- Dario é chamado Artaxerxes em Esdras e Neemias, como já tive ocasião de referir. Nas adições apócrifas de Ester, e na Septuaginta, o rei de Ester é chamado Artaxerxes.
- E, no livro apócrifo 1Esdras 3:1-2 lê-se «o rei Dario deu um banquete …». Este versículo é cópia do versículo de Ester 1:3, mas em vez de usar o nome Assuero, usa Dario.
- Além disso, no 20º ano de Artaxerxes/Dario, quando Neemias foi falar com o rei sobre a sua preocupação com Jerusalém, a rainha estava sentada ao lado dele (Ne 2:6). Este pormenor realmente só faz sentido aqui se a rainha era Ester.

Mordecai
Mordecai criou Ester, filha de seu tio, a qual não tinha pai nem mãe (Es 2:7). Portanto, Mordecai e Ester são primos. É possível, numa família grande, existirem grandes diferenças de idade entre primos, e sobrinhos serem mais velhos do que seus tios. Mordecai podia ter a mesma idade que o seu tio (pai de Ester), ou mesmo mais, se o pai de Mordecai era muito mais velho do que o seu irmão mais novo (pai de Ester) e Mordecai um dos filhos mais velhos. E se Ester era uma filha mais nova, é possível existir uma diferença de idade entre eles de mais de 50 anos, como terá sido o caso.
O nome de Mordecai encontra-se na lista dos que regressaram a Jerusalém com Zorobabel e Jeshua (Ed 2:2). Na ausência de outro qualificativo, podemos assumir que se trata do mesmo Mordecai do livro de Ester. Mordecai fora transportado de Jerusalém com os exilados deportados por Nabucodonosor com Jeconias (Joaquim), rei de Judá (Ester 2:5-6), no ano 3406. Assumindo que era recém-nascido quando foi deportado, Mordecai já tem 84 anos no 7º ano de Dario. Se Assuero fosse Xerxes, e Dario reinou 36 anos, Mordecai teria mais de 120 anos quando se deu o episódio de Haman (no ano 12º do rei) e a perseguição aos judeus. Esta longevidade não é consentânea com a época. Por isso, para defender que Assuero é Xerxes, há comentadores que argumentam que não foi Mordecai que fora transportado para Babilónia, mas sim Quis, um antepassado de Mordecai. Mordecai é identificado como benjamita, filho de Jair, filho de Simei, filho de Quis (Es 2:5), o que muito bem pode indicar que a genealogia de Mordecai remonta a Quis, pai de Saul (1Sm 9:1-2). E a figura de Simei, da casa de Saul, aparece no tempo de David (2Sm 16:5-11; 19:16-23).

Hamã
Hamã era agagita, adversário dos judeus (Es 3:10). Isto é, era descendente de Agague, o rei amalequita que foi vencido por Saul, embora este lhe poupasse a vida, mas depois foi morto por Samuel (1Sm 15). A promessa de Deus relativamente a Amaleque era: porque eu hei de riscar totalmente a memória de Amaleque de debaixo do céu (Ex 17:14). Saul teve a oportunidade, mas não o fez. Agora a vitória final sobre Amaleque será obtida através de Ester e Mordecai.


Cronologia dos acontecimentos no livro de Ester
No 6º ano de Assuero/Dario, por volta do 10º mês, Ester foi levada à casa do rei, onde havia de ser cuidada por 12 meses (Es 2:12), para cumprir os dias do seu embelezamento, antes de ser levada ao rei.

3490 AH – 7º ano de Dario
Assim foi levada Ester ao rei Assuero, à casa real, no décimo mês, que é o mês de tebete, no 7º ano do seu reinado. O rei amou a Ester mais do que a todas as mulheres, e ela alcançou perante ele favor e benevolência mais do que todas as virgens; pôs-lhe na cabeça a coroa real, e a fez rainha em lugar de Vasti (Es 2:16-17). Durante doze meses, desde o 6º ano de Dario, ela havia sido preparada (Es 2:12).

3491 AH – 8º ano de Dario
Já sendo Ester rainha, Mordecai toma conhecimento de uma trama contra o rei e o revelou à rainha Ester que o disse ao rei, em nome de Mordecai.

3494 AH – 11º ano de Dario
Em atenção aos acontecimentos no 12º ano (Es 3:7), terá sido no 11º ano de Assuero/Dario que o rei engrandeceu a Hamã, filho de Hamedata, agagita, e o exaltou, e lhe pôs o trono acima de todos os príncipes. (Es 3:1). Estava ordenado que todos tinham de se inclinar perante ele, mas Mordecai recusou-se. Ele declarou que era judeu.
Hamã ficou furioso porque Mordecai não se inclinava nem se prostrava perante ele planeou, não só atentar contra Mordecai, mas destruir todos os judeus, povo de Mordecai, que havia em todo o reino de Assuero (Es 2:5-6).
3495 AH – 12º ano de Dario
No 1º mês, mês de Nisan, lançou-se Pur, isto é, sortes perante Hamã, dia a dia, mês a mês, até ao 12º, que é o mês de Adar (Es 3:7).
Então, no final do ano, Hamã vai dizer a Assuero que há um povo que não cumpre as leis do rei e que não pode ser tolerado, pedindo-lhe para decretar que sejam mortos. O rei deu-lhe o seu anel e autorizou Hamã a levar a cabo o seu intento. Até então, Assuero não sabia que Ester era judia, porque Mordecai tinha-lhe instruída para não declarar a sua linhagem (Es 2:20).

3496 AH – 13º ano de Dario
Com a autorização do rei, chamaram os secretários do rei no dia 13 do 1º mês. Em nome do rei, e com o seu selo, escreveram-se e enviaram-se cartas aos sátrapas do rei, aos governadores de todas as províncias e aos príncipes de cada povo; a cada província no seu próprio modo de escrever, e a cada povo na sua própria língua. A ordem era para que se destruíssem, matassem e aniquilassem de vez a todos os judeus moços e velhos, crianças e mulheres, em um só dia, no dia 13 do 12º mês, e que lhes saqueassem os bens. As cartas foram enviadas a todos os povos para que se preparassem para aquele dia (Es 3:12-15).
Depois de tomar conhecimento de tudo isto, Mordecai informa Ester e pede-lhe para ir falar com o rei e pedir misericórdia pelo seu povo.
Neste intervalo dão-se os acontecimentos descritos nos capítulos 4 a 8 de Ester.
A intervenção de Ester junto ao rei fez com que ele ordenou que se escrevesse aos judeus, em nome do rei, o que bem lhes parecesse, porque o anterior decreto selado com o seu anel, não podia ser revogado (Es 8:1-8).
Então, no dia 23 do 3º mês chamaram-se novamente os secretários do rei. E, segundo tudo quanto ordenou Mordecai, se escreveu um édito para os judeus, para os sátrapas, para os governadores e para os príncipes das províncias que se estende da Índia a Etiópia, 127 províncias. Nas cartas o rei concedia aos judeus de cada cidade que se reunissem e se dispusessem para defender a sua vida, para destruir, matar e aniquilar de vez toda a qualquer força armada do povo da província que viessem contra eles, crianças e mulheres, e que se saqueassem os seus bens, num mesmo dia, em todas as províncias do rei Assuero, no dia 13 do 12º mês. A carta, que determinava a proclamação do édito em todas as províncias, foi enviada a todos os povos, para que os judeus se preparassem para aquele dia, para se vingarem dos seus inimigos (Es 8:9-14).
Houve alegria e regozijo entre os judeus, e muitos dos povos da terra se fizeram judeus, porque o temor dos judeus tinha caído sobre eles (Es 8:15-17).
O dia 13 do 12º mês era o dia em que os inimigos dos judeus contavam assenhorear-se deles, mas sucedeu o contrário, pois foram os judeus que se assenhorearam dos que os odiavam. Em todas as províncias se ajuntaram para dar cabo daqueles que lhes procuravam o mal; e ninguém podia resistir-lhes, porque o terror que inspiravam caiu sobre todos aqueles povos. Os príncipes das províncias, os sátrapas e governadores e oficiais do rei auxiliavam os judeus.
Feriram, pois os judeus a todos os seus inimigos, a golpes de espada, com matança e destruição; e fizeram dos seus inimigos o que bem quiseram.
Na cidadela de Susã, os judeus mataram 500 homens e os 10 filhos de Hamã; nas províncias, mataram 75.000.
Em Susã, no dia 14, os judeus tiveram autorização de fazer segundo o mesmo édito, e mataram mais 300 homens (Es 9:13-15).
No dia 14 do mês, descansaram e o fizeram dia de banquetes. Em Susã, no dia 15.
Na sequência desta vitória sobre o inimigo, Mordecai ordenou aos judeus que comemorassem o dia 14 e o dia 15 do mês de Adar, 12º mês, como os dias em que os judeus tiveram sossego dos seus inimigos (Es 9:20-21). A festa passou a chamar-se Purim, porque Haman tinha lançado Pur, isto é, sortes, para destruir os judeus. Mas o seu intento recaiu sobre a sua própria cabeça.


Depois disto, o rei Assuero impôs tributo sobre a terra, e sobre as terras do mar (Es 10:1). É provável que seja a este tributo que se refere Neemias 5:4. Mais um ponto a favor da identificação de Assuero com Dario/Artaxerxes de Neemias.
Os acontecimentos no 12º ano de Assuero e a esmagadora vitória dos judeus, tiveram consequências positivas para os judeus. Mordecai foi exaltado. Foi o segundo depois do rei Assuero, e grande para com os judeus, e estimado pela multidão de seus irmãos, tendo procurado o bem-estar do seu povo e trabalhado pela prosperidade de todo o povo da sua raça (Es 10).
Cronologicamente, o livro de Ester situa-se antes do livro de Neemias.
Por isso, quando Neemias vai ter com o rei no 20º ano de Artaxerxes/Dario/Assuero, ainda os acontecimentos dramáticos de poucos anos antes estavam frescos na memória, e é compreensível a facilidade com que Neemias recebe autorização e apoio para ir a Jerusalém, ajudar os judeus. A rainha estava sentada junto ao rei e Mordecai, se ainda vivo, era o segundo do rei Assuero.

21/11/2015

Cronologia 7 semanas (4) – Esdras

No último mês do 6º ano de Dario (3489 AH), terminou a edificação da casa.

3490 AH – 7º ano de Dario

1º mês
No início do ano seguinte, celebrou-se a dedicação da casa (Ed 6:16-18).
Entretanto, no início deste mesmo mês, no primeiro dia, no 7º ano de Dario/Artaxerxes, Esdras começa a sua viagem para Jerusalém (Ed 7:9), carregado com prata e ouro para ornar o templo e também com o objetivo de ensinar em Israel os estatutos e juízos do Senhor (Ed 7 e 8).
Esdras, que estava entre os que primeiro foram a Jerusalém com Zorobabel e Jesua (Ne 12:1), terá em alguma altura regressado a Babilónia, possivelmente com a tarefa de ir procurar apoio e meios para ornar a casa.
Com Esdras, subiram sacerdotes, levitas e servidores do templo. Esdras ajuntou-os perto do rio que corre para Aava, onde ficaram acampados três dias (Ed 8:15). Partiram de Aava no dia 12 do 1º mês (Ed 8:31).
5ºmês
O grupo de Esdras chegou a Jerusalém no primeiro dia do quinto mês (Ed 7:8). Isto significa que a viagem durou 4 meses (vs.8-9).
9º mês
Os capítulos 9 e 10 de Esdras sobre o caso dos casamentos mistos ocorrem depois da chegada de Esdras a Jerusalém, provavelmente no mesmo ano, havendo apenas referência ao mês da ocorrência, e não ao ano (Ed 10:9,16).
O problema que se levantou foram os casamentos mistos de judeus com outros povos. O povo de Israel, e os sacerdotes e os levitas, não se separaram dos povos de outras terras com as suas abominações, isto é, dos cananeus, dos heteus, dos ferezeus, dos jebuseus, dos amonitas, dos moabitas, dos egípcios e dos amoreus, pois tomaram das suas filhas para si e para seus filhos, e assim se misturou a linhagem santa com os povos dessas terras, e até os príncipes e magistrados foram os primeiros nesta transgressão (Ed 9.1-2). Esdras ficou atónito com esta situação. Lembramos que este era um dos mandamentos especificamente visado na aliança que selaram no primeiro ano do regresso a Jerusalém (Ne 10:30).
No dia 20 do 9º mês, ajuntaram-se todos em Jerusalém por causa desta questão. Era tempo de grandes chuvas (Ed 10:9). Como o assunto não se podia resolver em um dia, Esdras elegeu um grupo de homens que se reuniram no 1º dia do 10º mês para inquirir.

10º mês
No 1º dia do 10º mês iniciam-se os trabalhos de grupo de inquiridores indicados por Esdras (Ed 10:16).
Neste 10º mês (tebete) do 7º ano de Assuero/Dario, Ester é levada ao rei e, algum tempo depois certamente, é coroada rainha em lugar de Vasti (Es 2:16-18).

3491 AH – 8º ano de Dario
A inquirição relativamente aos casamentos com mulheres estrangeiras foi concluída no 1º dia do primeiro mês.

01/11/2015

Cronologia 7 semanas (3) – o templo reconstruído

No primeiro ano da sua chegada a Jerusalém (ano 3468AH, que é também o primeiro ano dos 49 anos que são as primeiras 7 semanas da profecia de Daniel), no 7º mês, edificaram o altar (Ed 3:3), e começaram a oferecer holocaustos, mas ainda não estavam postos os fundamentos do templo (Ed 3:6). Pagaram então aos pedreiros e aos carpinteiros, e também aos sidónios e tírios para trazerem madeira do Líbano, por mar, segundo a permissão dada por Ciro (Ed 3:7).

3469 AH – o segundo ano do regresso (= 3º ano de Ciro)
No princípio do ano (1º mês), foi revelado a Daniel uma palavra que envolvia grande conflito. Daniel entendeu a palavra, e pranteou durante três semanas (Dn 10:1-3), até que no dia 24 do 1º mês, Daniel teve uma visão quando estava à borda do rio Tigre. Durante estes 21 dias, o anjo que falou a Daniel lutou contra o príncipe do reino da Pérsia, que lhe resistiu e, ajudado por Miguel, obteve a vitória sobre os reis da Pérsia (Dn 10:13).
Será que o conflito estava relacionado com a oposição que estava a formar-se contra a edificação do templo?

Daniel vê um homem vestido de linho. Este “homem”, claramente Jeová, está sobre o rio tal como estava sobre o rio Quebar na visão de Ezequiel 1. O significado em Ezequiel era que Deus tinha deixado o seu templo (Ez 8-10) e estava com o seu povo no exílio. O significado da visão em Daniel 10-12 (3º ano de Ciro) é que Deus continuava no exílio e não tinha voltado ao seu templo, que ainda não estava reconstruído. Mas Ele está sobre as águas, como o Espírito em Génesis 1, a preparar uma nova criação (Jordan, J. - Esther: Historical & Chronological comments (IV), Biblical Chronology, nº 6, 1996)

Desde o 7º mês do ano anterior, tinha começado a preparação dos materiais para a construção.
No segundo ano da sua vinda à casa de Deus em Jerusalém, no segundo mês, começaram a obra do templo e constituíram levitas para a superintender (Ed 3:8-9). Mas, rapidamente, quando os adversários de Judá ouviram que os que voltaram do cativeiro edificavam o templo, chegaram-se a Zorobabel dizendo que queriam edificar com eles. Zorobabel recusou. Então as gentes da terra desanimaram o povo de Judá, inquietando-o no edificar e alugaram contra eles conselheiros para frustrarem o seu plano (Ed 4:1-4). A oposição começou logo nos dias de Ciro, e continuou até ao reinado de Dario, rei da Pérsia (Ed 4:5).
A obra da casa de Deus cessou até ao 2º ano de Dario, rei da Pérsia (Ed 4:24). Naquele ano, Ageu e Zacarias começam a profetizar e só nesse ano são lançados os fundamentos do templo (Ag 2:18).
Portanto, Esdras 3:10-13 está fora da ordem cronológica da narrativa. Numa primeira leitura do v.10 (quando os edificadores lançaram os alicerces do templo …), parece que os alicerces da casa foram lançados pouco tempo depois do começo dos preparativos, ainda no segundo ano do regresso dos judeus a Jerusalém (Ed 3:8-10). Contudo, o lançamento dos alicerces do templo ocorre muitos anos mais tarde. Em Ageu encontramos a data do lançamento dos alicerces: no segundo ano do rei Dario, no 24º dia do 9º mês (Ageu 2:10, 18).
Esdras 4:6-22 fala de acusações e cartas.
A primeira acusação contra os habitantes de Judá e de Jerusalém foi no princípio do reinado de “Assuero” (Ed 4:6).
Este Assuero pode ser Ciro ou Cambises, que reinou depois de Ciro. Mas, provavelmente, trata-se de Ciro, porque não houve qualquer reação à acusação escrita. Foi Ciro que deu a ordem de regresso e a autorização para construir o templo.
Lembremos brevemente a questão dos nomes dos reis persas (ver mensagem: Quem é o Artaxerxes de Esdras e Neemias?). Os nomes Dario, Xerxes, Assuero ou Artaxerxes não são nomes pessoais, mas nomes de trono, títulos. Os reis persas costumavam usar mais do que um nome ou título; documentos arqueológicos da época confirmam isto. Visto que os judeus viviam então na proximidade da cultura persa dominante, era natural que usassem estes nomes de trono da maneira como os persas faziam. Além disso, os nomes que são hoje universalmente usados são os nomes que os historiadores gregos, como Heródoto, deram aos vários monarcas persas e que não são mais do que corruptelas gregas de palavras persas. Assim sendo, os nomes Dario, Xerxes, Assuero e Artaxerxes podem referir-se a qualquer um deles. A fim de descobrir quem é quem, é necessário recorrer ao contexto do texto bíblico.
Segundo a história, Ciro reinou 9 anos (de 538 a 530 a.C.). Depois dele, Cambises reinou 8 anos (529 a 522). Entre Cambises e Dario I, um certo Smerdis/Gaumata usurpou o poder, durante apenas 7 meses, até que Dario o conseguiu derrotar em 522. Dario I, Histaspes, reinou 36 anos (521 a 486 a.C.).
Duas cartas são mencionadas nos dias de “Artaxerxes”, uma escrita por Bislão, Mitredate e Tabeel, escrita em caracteres aramaicos e na língua siríaca (Ed 4:7) e a segunda por Reum e Sinsai (Ed 4:8-16). A segunda carta mereceu uma resposta por parte do rei. Este Artaxerxes poderá ser Cambises, a não ser que Ciro tivesse voltado com a sua palavra atrás, proibindo que se edifique a cidade, o que é pouco provável porque “a lei dos medos e dos persas não se pode revogar”(Dn 6:8) e por causa do que foi profetizado por Isaías (Is 45:13). Alguns entendem que se trata de Ciro, por aquilo que Reum escreve: os judeus que subiram de ti vieram a nós a Jerusalém (v.12). Também é possível que se trate de Dario, no princípio do seu reino.
Na resposta à carta de Reum e Sinsai, o rei dá ordem a fim de que os judeus parem o trabalho e não edifiquem mais a cidade a não ser com autorização dele (Ed 4:17-22).
O que podemos deduzir com certeza é que os judeus cessaram a edificação da casa de Deus logo no início, mas a construção da cidade, dos muros e das casas entretanto prosseguiu (Ed 4:12, 24; 5:3; Ag 1:4).
… …

3485 AH - o segundo ano de Dario, rei da Pérsia

Nota: 
As datas a partir do segundo ano de Dario foram revistas em razão de uma questão cronológica relativa ao reinado deste rei de que não me apercebi, e que necessita de ser esclarecida, embora em nada altere fundamentalmente a cronologia e narrativa da história destas 7 semanas como apresentadas nesta e nas mensagens a seguir.

A nova cronologia revista, e a explicação desta revisão, encontra-se na mensagem CRONOLOGIA DE ESDRAS-NEEMIAS (revisto) de agosto 2016.

Uma série de eventos ocorrem neste ano.
No 6º mês, no primeiro dia do mês, Deus falou a Zorobabel, governador de Judá e a Josué, o sumo-sacerdote, através do profeta Ageu. Acaso é tempo de habitardes vós em casas apaineladas, enquanto esta casa permanece em ruínas (Ag 1:4)? Apesar da proibição de edificar a cidade (Ed 4:21), percebe-se que os judeus tinham continuado a construir as suas casas, enquanto a obra do templo estava parada. O Senhor despertou o espírito de Zorobabel e de Josué, filho de Jozadaque (chamado Jesua no livro de Esdras e Neemias; e a não confundir com Jesua o levita) e de todo o povo; eles encheram-se de ousadia e puseram-se ao trabalho na casa do Senhor no dia 24 desse mesmo mês (Ag 1:14-15; Ed 5:1-2).
No 7º mês, no dia 21, veio novamente a palavra do Senhor a Ageu (Ag 2:1-9), dizendo: Quem há entre vós que, tendo edificado, viu esta casa na sua primeira glória? E como a vedes agora? Não é ela como coisa de nada aos vossos olhos? Deus veio encorajar o povo na construção que tinham iniciado há menos de um mês antes: O meu Espírito habita no meio de vós; não temais.
No 8º mês, veio a palavra do Senhor ao profeta Zacarias (Zc 1:1-6) com uma advertência.
No 9º mês, no dia 24 do mês, a palavra de Deus veio novamente a Ageu. Foi naquele dia que foram postos os fundamentos do templo: Considerai, eu vos rogo, desde este dia em diante, desde o 24º dia do mês nono, desde o dia em que se fundou o templo do Senhor (Ag 2:18). Quando os edificadores lançaram os alicerces do templo do Senhor, apresentaram-se os sacerdotes, e os levitas, com trombetas e címbalos para louvarem ao Senhor. Cantavam e rendiam graças por se terem lançado os alicerces da sua casa. Porém, muitos que viram a primeira casa choraram em alta voz, mas outros gritaram com alegria, de maneira que não se podiam discernir as vozes de alegria e as vozes de choro (Ed 3:10-13). 

É nessa época que Tatenai, o governador daquém do Eufrates, começou a ficar preocupado e foi perguntar aos judeus: Quem vos deu ordem para reedificardes esta casa e restaurardes este muro? (Ed 5:3-4). O muro, neste caso, é o muro do templo e não da cidade.
Os judeus explicaram a Tatenai que quem lhes deu a ordem foi Ciro, no primeiro ano do seu reinado, e que dissera a Sesbazar (que é outro nome para Zorobabel): faze reedificar a casa de Deus no seu lugar (Ed 5:13-15). O que Tatenai escreve (v.16) mostra que a carta foi escrita depois de os alicerces já terem sido lançados: Então veio o dito Sesbazar, e lançou os fundamentos da casa de Deus, a qual está em Jerusalém; e daí para cá se está edificando, e ainda não está acabada. Os olhos de Deus estavam sobre os judeus e estes não foram obrigados a parar até que viesse resposta de Dario (Ed 5:3-5) à carta de Tatenai (Ed 5:5).
O rei Dario mandou fazer uma busca nos arquivos reais em Babilónia. Mas foi na fortaleza de Acmeta na província da Média que se encontrou um rolo com um memorial que dizia que Ciro (por Daniel chamado Dario o medo) baixou um decreto no seu primeiro ano para edificar a casa de Deus em Jerusalém. E Dario respondeu a Tatenai (Ed 6:1-12), ordenando: Não interrompais a obra desta casa de Deus, para que o governador dos judeus e os seus anciãos reedifiquem a casa de Deus no seu lugar (v.7).
É aqui que podemos compreender a visão de Zacarias, ainda no 2º ano de Dario, no 11º mês, aos 24 dias do mês (Zc 1:1-17): a visão do homem montado num cavalo vermelho, parado entre as murteiras. Este homem é o Anjo do Senhor, uma revelação pré-encarnada de Jesus Cristo. A sua aparição manifesta a sua presença com o povo da aliança na sua batalha histórica. Os outros cavalos são o seu exército celestial. Percorreram a terra e viram que toda a terra estava agora repousada e tranquila. A obra do templo podia ser concluída sem mais oposição. 

3487 AH- 3º ano de Dario/Assuero

O rei Assuero, que é Dario, na cidadela de Susã, dá um banquete a todos os seus príncipes e seus servos, no qual se representou o escol da Pérsia e da Média. Recusando a rainha Vasti obedecer à ordem do rei, foi deposta (Es 1).

3487 AH – 4º ano de Dario
Defini a data de 3487 AH para o 4º ano de Dario. A explicação para esta data está em Zacarias 7:1-5.
No 4º ano do rei Dario, no dia 4 do 9º mês, vieram Sarezen e Régen-Meleque, homens enviados aos sacerdotes e aos profetas em Jerusalém com a seguinte pergunta: Continuaremos nós a chorar, com jejum, no 5º mês, como temos feito por tantos anos (Zc 7:1-3)? A preocupação era se ainda precisavam de continuar a chorar e jejuar, agora que os fundamentos do templo já tinham sido colocados.
Responde o Senhor através de Zacarias: Quando jejuastes e pranteastes, no quinto e no sétimo mês, durante estes 70 anos, acaso foi para mim que jejuastes (Zc 7:4-5)? A resposta de Zacarias inclui uma informação cronológica: já jejuaram durante 70 anos.
O jejum do 5º mês rememorava a destruição de Jerusalém por Nabucodonosor, o do 7º mês a morte de Gedalias, que fora nomeado governador sobre os que permaneciam em Judá. A data destes acontecimentos já foi definida como 3417. O primeiro jejum do 5º mês foi então em 3418. Em 3487 terá ocorrido o 70º jejum. A pergunta é feita no 9º mês, portanto ainda neste ano de 3487, que é então o 4º ano de Dario.
Esta informação, acrescida de outra referência a 70 anos (Zc1:12) permite-nos calcular a data do 2º ano de Dario, ano em que se lançaram os fundamentos da casa de Deus.
Na visão do dia 24 do 11º mês do 2º ano de Dario, o anjo do Senhor faz uma pergunta: Ó Senhor dos Exércitos, até quando não terás compaixão de Jerusalém e das cidades de Judá, contra as quais estás indignado faz já 70 anos (Zc 1:12)?
Se 3487 AH corresponde ao 4º ano de Dario, então 3485 é o 2º ano de Dario. A destruição de Jerusalém ocorreu no 11º ano de Zedequias. No 9º ano de Zedequias, no 10º mês tinha começado o cerco à cidade. Este é outro período de 70 anos.
Vemos assim que há vários períodos de 70 anos: 1) do 3º ano de Jeoaquim com o desterro dos primeiros judeus ao decreto de Ciro, autorizando o regresso dos exilados; 2) do início do cerco a Jerusalém ao 2º ano de Dario, quando são lançados os fundamentos do templo; 3) da destruição de Jerusalém ao 4º ano de Dario.

3489 AH – 6º ano de Dario

Será por volta do 10º mês que Ester foi levada à casa do rei Assuero/Dario, onde havia de ser cuidada por 12 meses (Es 2:12), para cumprir os dias do seu embelezamento, antes de ser levada ao rei.

Assim os judeus edificaram a casa e a terminaram no sexto ano de Dario (23 anos depois do regresso), no terceiro dia do mês de Adar, que é o 12º mês.

3490 AH – 7º ano de Dario
Celebraram a dedicação da casa (Ed 6:16-18), que deve ter tido lugar no mês seguinte, que é o 1º mês (Abib) do ano seguinte, à semelhança do que disse Deus a Moisés relativamente ao tabernáculo: No primeiro dia do primeiro mês levantarás o tabernáculo da tenda da congregação (Ex 40:2). E também celebraram a Páscoa e a Festa dos Pães Asmos (Ed 6:19-22).
Durante todo este tempo, Zorobabel era governador. Foi ele que lançou os alicerces e acabou a casa (Zc 5:9).

25/10/2015

Cronologia 7 semanas (2) – Zorobabel, Esdras, Neemias


O primeiro ano do regresso

No primeiro ano de Ciro (o 70º ano desde o 3º ano de Jeoaquim), ano 3467 AH, Ciro emitiu o decreto que permitiu aos judeus regressarem a Jerusalém e edificar uma casa ao Senhor (2Cr 36:22; Ed1:1-4). No ano seguinte empreenderam o regresso.

Zorobabel
Levantaram-se todos aqueles cujo espírito Deus despertou para subirem a Jerusalém (Ed 1:5). Ciro entregou os utensílios da casa do Senhor, que Nabucodonosor tinha trazido para Babilónia, a Sesbazar, príncipe de Judá (Ed 1:8). Alguns reconhecem neste nome uma semelhança com Senazar (1Cr 3:18), um dos filhos de Sealtiel, filho de Jeconias, e personagem diferente de Zorobabel e anterior a este (FINEGAN 1998, p.267).
Geralmente, no entanto, considera-se que Sesbazar é Zorobabel. Várias passagens confirmam-no. Ed 5:13 diz a mesma coisa que Ed 1:7-8, acrescentando que Sesbazar era aquele que fora nomeado governador. Ed 5:16 diz que foi Sesbazar que lançou os fundamentos da casa de Deus, a qual está em Jerusalém. E sabemos que Zorobabel era governador no segundo ano de Dario (Ag 1.1) e foi ele que colocou os fundamentos da casa (Zc 4:9).
Zorobabel era da linhagem de Jeconias, o rei que foi para o exílio e considerado o último rei legítimo no trono de Judá. A escolha de Ciro em nomear Sesbazar/Zorobabel como governador permitiu o regresso e a restauração da nação sob o governo de um príncipe da linhagem davídica (Mt 1:11.12).
Nos livros de Esdras, Neemias, Ageu e Mateus, Zorobabel é sempre apresentado como filho de Sealtiel. Mas, curiosamente, 1Cr 3:19 diz que Zorobabel é filho de Pedaías, que é irmão de Sealtiel. É possível que Sealtiel, mencionado primeiro e provavelmente o primogénito, não tenha tido filhos e que o filho primogénito de Pedaías foi adotado como herdeiro de Sealtiel, em cumprimento da provisão da lei em Dt 25:5-6. Antes da lei, isto já era um costume, como se pode ver em Gn 38. 

3468 AH – os eventos do primeiro ano
É provável que a viagem tenha iniciado no início do ano, na primavera e que durou vários meses, chegando o povo a tempo para celebrar as festas do 7º mês. Podemos usar como termo de comparação a viagem de Esdras e comitiva relatada em Esdras 7 e 8, que foi iniciada no 1º mês (Ed 8:31) e que chegou a Jerusalém no 5º mês (Ed 7:8).
O povo veio a Jerusalém e Judá, e cada um habitou na sua cidade (Ed 2:1, 70).
Em chegando o sétimo mês, estando os filhos de Israel já nas cidades ajuntou-se o povo, como um só homem, em Jerusalém (Ed 3:1). O 7º mês, Tishri (setembro/outubro) é o mês da Festa das Trombetas, do Dia da Expiação e da Festa dos Tabernáculos (Lv 23:23-44).

Várias coisas aconteceram neste mesmo mês:

a) No primeiro dia, dia das trombetas, Esdras leu a lei perante o povo (Neemias 8)

b) Sob a liderança de Zorobabel e Jesua, edificaram o altar para oferecer holocaustos (Ed 3:1-2). Firmaram o altar sobre as suas bases; e, ainda que estavam sob o terror dos povos de outras terras, ofereceram sobre ele holocaustos ao Senhor, de manhã à tarde (Ed 3:3). Desde o 1º dia do 7º mês começaram a oferecer holocaustos ao Senhor; porém ainda não tinham posto os fundamentos do templo. (Ed 1:1-7).

c) Celebraram a festa dos tabernáculos (Ed 3:4-5; Ne 8:13-18), aos 15 dias do mês, durante 7 dias (Lv 23:34-36).

d) No dia 24, fizeram confissão e selaram uma aliança (Ne 9, 10).

A interpretação mais generalizada é a leitura da lei por Esdras, a celebração da festa dos tabernáculos e o selar da aliança, descritos em Neemias 8, 9 e 10, tiveram lugar muitos anos mais tarde, no ano em que Neemias foi para Jerusalém para reconstruir os muros, no 20º ano do rei Artaxerxes.
Mas a solução que aqui apresento baseia-se na solução preconizada por Sir Isaac Newton, em 1728, e que resolve muitas dificuldades.

Temos algumas questões a resolver em relação a Esdras e Neemias.

Esdras
Na lista dos que subiram primeiro com Zorobabel e Jesua, há uma figura chamada Seraías em Esdras 2:2. Em Neemias 7:7, tem o nome de Azarias. Trata-se da mesma pessoa dado que a lista em Neemias 7 é a repetição da lista em Esdras 2. Este Azarias é também mencionado em 1Cr 9:11, entre os sacerdotes que foram “os primeiros habitadores, que de novo vieram orar nas suas próprias possessões e nas suas cidades” (1Cr 9:2) depois que regressaram da Babilónia. Este Azarias é “filho de Hilquias, filho de Mesulão, filho de Zadoque, filho de Aitube, príncipe da casa de Deus”. Também é mencionado em Ne 11:11-12). Hilquias era o sumo-sacerdote no tempo de Josias (2Rs 23:24), o último rei bom em Judá, e uma referência positiva.
Esdras por sua vez é “filho de Seraías, filho de Azarias, filho de Hilquias, filho de Salum, filho de Zadoque, filho de Aitube, ….”. Apresenta, portanto, a mesma linhagem que Azarias/Seraías. Ou Azarias/Seraías é descendente de Hilquias, mas via outro filho que Esdras. Ou, possivelmente, trata-se da mesma pessoa em todos os casos. Pode ser que a confusão de nomes em Ed 2:2 e Ne 7:7 seja resultado do facto de Esdras ser filho de Seraías, filho de Azarias (Ed 7:1). Mas é possível que se trate de duas pessoas diferentes. Em Ne 12:1, um sacerdote chamado Seraías é mencionado ao lado de Esdras, e aparece também em Ne 10:2 como assinante da aliança.
Mas independentemente disto, Ne 12:1 não deixa dúvidas quanto ao facto de Esdras se encontrar entre os sacerdotes que subiram com Zorobabel.
Não há, portanto, qualquer impedimento a que a leitura da lei por Esdras se tenha realizado no 7º mês do primeiro ano do regresso. 

Neemias
Verificámos que, logo a seguir a Zorobabel e Jesua, também vem o nome de Neemias.
Defendo que Neemias 8 acontece no 7º mês do primeiro ano, e que é uma descrição ampliada da narração em Ed 3:1-6. Esdras era sacerdote e escriba, e Neemias era governador (Ne 8:9). Mas como conciliar isto, se Zorobabel era o governador nomeado por Ciro?
No final da lista, em Esdras 3, dos que “subiram primeiro”, é referido o cuidado que houve com o estabelecimento da linhagem dos sacerdotes e servidores do templo (Ed 3:58-63). Alguns procuraram o seu registo nos livros genealógicos, mas não o conseguiram encontrar pelo que foram tidos por imundos para o sacerdócio. “O governador lhes disse que não comessem das coisas sagradas, até que se levantasse um sacerdote com Urim e Tumim” (Ed 2:63; Ne 7:63). Quem é este “governador”?
A resposta parece óbvia: Zorobabel. Mas não é correto.

Há, nos livros de Esdras e Neemias, duas palavras diferentes no original hebraico, embora sejam ambas traduzidas em português como “governador”. Uma é TIRSHATA, outra é PECHAH. É esta distinção que nos compele a fazer uma leitura cronológica diferente.
A palavra traduzida “governador”, nestes versículos (Ed 2:63; Ne 7:65 e 70), é TIRSHATA. Porém não é dito quem era o TIRSHATA. Como se trata de algo que ocorreu no primeiro ano do regresso, deduz-se habitualmente que o governador era Zorobabel.
Há 5 ocorrências de TIRSHATA: além das já mencionadas (Ed 2:63, Ne 7:65,70), os outros dois versículos (Ne 8:9 e 10:1) identificam o TIRSHATA com Neemias. Deduzimos disto que Neemias é o TIRSHATA em todos os casos!
Zorobabel/Sesbazar era o PECHAH, o governador de Judá (Ed 5:14; 6:6; Ag 1:1,14; 2:2, 21). A palavra PECHAH, segundo Gesenius, refere-se a um governador de uma província. Será um cargo político. PECHAH também é aplicado a Tatenai, governador daquém do Eufrates (Ed 5:3,6; 6:6, 13) e a um certo governador dalém do Eufrates (Ne 3:7). A palavra TIRSHATA é utlizada apenas em relação a aspetos da lei, do tesouro, das coisas sagradas.
Portanto, ao mesmo tempo que Zorobabel era governador de Judá (PECHAH), Neemias era TIRSHATA, tratando-se de dois cargos diferentes.
Neemias também foi PECHAH (Ne 5:14,18; 12:26), mais tarde, do 20º ao 32º ano de Artaxerxes. O facto de as traduções não fazerem esta distinção levou à interpretação generalizada de que os episódios da leitura da lei por Esdras, a celebração da festa dos tabernáculos, a confissão e o selar da aliança descritos em Neemias 8 e 9 tivessem ocorrido numa época posterior, quando Neemias era governador de Judá. Em Neemias 8 e 9, Neemias é o TIRSHATA, não o PECHAH. 

Além disso, todo o relato começando em Neemias 7:5 até ao 12:9 é uma narrativa cronológica sem interrupções: a repetição da lista dos que primeiro vieram do cativeiro (Ne 7), a reunião em Jerusalém no 7º mês e a leitura da lei por Esdras (Ne 8), a festa dos tabernáculos no dia 24 desse mesmo mês com a confissão dos levitas (Ne 9), seguido do selar da aliança por Neemias na qualidade de TIRSHATA (Ne 10), e a descrição dos que habitavam em Jerusalém e nas outras cidades.
Os capítulos 7 a 11 de Neemias formam um parêntese histórico, relembrado por Neemias entre o término da construção do muro com o assentamento das portas (Ne 7:1), e a dedicação dos muros (Ne 12:27-43). Depois de reedificado os muros, Deus pôs no coração de Neemias que ajuntasse os nobres os magistrados e o povo, para registar as genealogias. Por esta ocasião, achou o livro da genealogia dos que subiram do cativeiro e que vieram com Zorobabel e Jesua (Ne 7.5-7) … e a história prossegue ininterrupta até ao final do capítulo 11, relatando todos os eventos do 7º mês.

Cronologia 7 semanas (1) – Dario o medo

Já anteriormente colocámos a hipótese de que o decreto de Ciro no seu primeiro ano é o ponto de partida das 70 semanas da profecia de Daniel - a saída da ordem para restaurar e edificar Jerusalém (Dn 9.25). Neste enquadramento, defendo que as primeiras 7 semanas da profecia de Daniel 9 iniciam com o decreto de Ciro e terminam com o regresso de Neemias junto ao rei Artaxerxes no seu 32º ano após ter terminado a reconstrução dos muros. Sete semanas (49 anos) foi o tempo em que o templo foi reconstruído (Esdras, Ageu, Zacarias), e “as praças e circunvalações se reedificaram em tempos angustiosos” (Dn 9:25).
A história do que aconteceu nestas 7 semanas é narrada nos livros de Esdras, Neemias e Ester, e também nos profetas Ageu e Zacarias, e Daniel. A informação cronológica fornecida nestes livros permite uma verificação interna da cronologia deste período.
Nesta e nas próximas mensagens iremos seguir cronologicamente os eventos de que falam as Escrituras, bem como esclarecer o que é necessário para a compreensão da cronologia. Creio poder demonstrar a viabilidade desta tese, e assim derrubar a principal alternativa ao decreto de Ciro, que é o decreto de Artaxerxes Longimanos (alegadamente o que autorizou Neemias a ir a Jerusalém para a edificar). 

O decreto de Ciro
No seguimento da cronologia que temos vindo a estabelecer, assumimos como data para o decreto de Ciro, que ele emitiu no seu primeiro ano de reinado (2Cr 36:22; Ed 1:1), o ano de 3467 AH. É o 70º ano desde o 3º ano de Jeoaquim, quando se iniciou o exílio com um primeiro grupo de deportados entre os quais o jovem Daniel (Dn 1:1-2). É o ano em que Daniel toma consciência de que os 70 anos, de que falou Jeremias, que haviam de durar as assolações de Jerusalém, estavam a chegar ao fim e ele ora pela cidade e pelo povo (Dn 9:1-19). O regresso do povo e Jerusalém dá-se no início do ano seguinte 3468, ou seja no 71º ano e primeiro ano de um novo período.
3466 AH – conquista da Babilónia
Neste capítulo, faço uso das descobertas de William Shea[1] para reconstruir cronologicamente os eventos relativos a Dario o medo, que identificamos como sendo a mesma pessoa que Ciro (ver também a nossa mensagem anterior sobre a identidade de Dario o medo). Num artigo escrito em 1982, Shea apresentava elementos que favoreciam a identificação de Dario o medo como Ugbaru, general do exército de Ciro que tomou a Babilónia[2]. Mas, novas descobertas fizeram-no alterar a sua posição. Tabuletas contratuais e comerciais cuneiformes neo-babilónicas desse tempo, no British Museum, trazem luz sobre quem governou a Babilónia nos primeiros anos depois que foi conquistada por Ciro, fazendo convergir os dados do texto bíblico com outras fontes históricas.
Babilónia é tomada no mês VII (o que corresponde ao mês Tishri dos judeus), dia 16, sem batalha. Belsazar, rei dos caldeus (na verdade, Belsazar era co-regente de Nabonidus), é morto (Dn 5:30). Quem entrou na cidade e a tomou foi Ugbaru (ou Gubaru), general do exército de Ciro. Ciro dividira o seu exército, uma parte ficando sob o seu comando, a outra sob o comando do seu general Ugbaru. Ciro não tomou diretamente parte na conquista da Babilónia, estando com a divisão que obteve a vitória sobre Nabonidus junto ao rio Tigre.
No mês seguinte, mês VIII, dia 3, Ciro entra triunfalmente na cidade. É aqui que “Dario o medo, com cerca de 62 anos, se apoderou (ou recebeu, conforme outras traduções) o reino” (Dn 5:31). Este verbo QEBAL tem sido interpretado de duas maneiras. Ciro é aquele a quem historicamente é atribuída a conquista de Babilónia, não o seu general. A interpretação “recebeu” é favorecida por quem considera que Dario não é Ciro, mas um vassalo (Ugbaru, Cambises ou outra figura) a quem Ciro deu temporariamente o governo. Mas também pode interpretar-se que Dario/Ciro “recebeu” o reino das mãos de Ugbaru, porque este temporariamente segurou a cidade com as suas tropas. Por outro lado, pode dizer-se que Ciro tomou o reino, vencendo Nabonidus. Quanto à idade de 62 anos, embora não se conheça a idade precisa de Ciro naquele momento, está em harmonia com o que é dele conhecido.
O intervalo de 17 dias entre mês VII, dia 16 (tomada da cidade por Ugbaru) e mês VIII, dia 3 (entrada triunfal de Ciro) corresponde ao intervalo entre os eventos de Dn 5:30 (morte de Belssazar) e Dn 5:31 (chegada de Ciro e receção do reino).
No mesmo mês VIII, dia 11, Ugbaru morre. E morre também “a mulher do rei”, presumivelmente a mulher de Ciro, Cassandane, e mãe de Cambises. Um luto oficial foi comemorado no final do ano, mês XII.
Depois que Ciro chegou à Babilónia, Ugbaru nomeou governadores, segundo a Crónica de Nabonidus. A Bíblia diz-nos que Dario/Ciro constituiu 120 sátrapas por todo o reino, e sobre eles 3 presidentes, entre os quais Daniel (Dn 6:1-3).Visto que Ugbaru morreu pouco tempo depois, certamente não teve tempo para efetuar todas as nomeações e Dario/Ciro terminou a tarefa. E faz sentido que o rei tivesse pensado em Daniel para substituir Ugbaru, que morrera (Dn 6:3).
A escolha de Daniel gerou inveja entre os outros sátrapas e presidentes, que procuraram uma ocasião para acusá-lo. Pediram a Dario que fizesse um decreto de modo a poderem apanhá-lo. Só poderiam ter êxito se o atacassem com base na sua fé, porque sabiam que ele continuaria a orar ao seu Deus.
Shea explica a natureza peculiar desta petição que interdizia às pessoas de orarem aos seus deuses. Em tempos normais de paz, as pessoas poderiam ter ido aos seus templos para adorarem os seus deuses. Mas naquela altura, isto não era possível. Nabonidus passara os primeiros 6 meses do ano a trazer os deuses de vários locais a Babilónia para defenderem a capital, deizando as outras cidades desprotegidas. A Crónica de Nabonidus diz que Ciro, durante 4 meses nesse ano, do mês IX ao XII levou todos estes deuses de volta ao seu lugar. Entretanto, o país estava num limbo religioso. Tal pedido ao rei, num tempo em que o país estava instável em termos religiosos, faz mais sentido do que se tivesse acontecido mais tarde quando o país já estava mais calmo. A história encaixa na situação disturbada da época.
Depois que Daniel foi salvo da cova dos leões, Dario/Ciro fez um decreto “aos povos, nações e homens de todas as línguas, que habitam em toda a terra” (Dn 6:25-27). Tal decreto só pode ser da mão de Ciro, não de algum vassalo ou co-regente. Segundo as tabuletas babilónicas, Ciro não tinha ainda tomado o título de “rei da Babilónia”, mas usava o título de “Rei de Nações”.
Estes acontecimentos ocorreram no ano de ascensão de Ciro (ano 0). O seu primeiro ano oficial começa em Nisan (mês I) do ano seguinte.
A seguir à narrativa da cova dos leões, Dn 6:28 conclui que Daniel prosperou no reinado de Dario, e no reinado de Ciro, o persa. A conjunção “e” (letra VAV em hebraico) parece indicar tratar-se de duas pessoas diferentes. Wiseman[3] foi o primeiro a avançar a teoria de que Dario o medo era outro nome para Ciro, baseando-se na interpretação de que a conjunção “VAV”, neste versículo, não é “e”, mas que pode ser lida como uma conjunção explicativa “isto é”, “ou seja”. Esta interpretação é possível, mas não totalmente necessária; “e” pode aludir às fases sucessivas do seu reinado, caracterizadas por determinado nome sob o qual exercia a sua autoridade. Daniel chama Ciro de Dario o medo em várias ocasiões (Dn 5:31; 6; 9:1; 11:1), quando se refere ao princípio do seu reinado, e noutras de Ciro (Dn 6:28; 10:1). 

3467 AH – o primeiro ano de Dario/Ciro
De acordo com as tabuletas cuneiformes, no início do novo ano, Ciro, que continua mencionado como “Rei de Nações”, instala o seu filho Cambises como “rei de Babilónia”. Cambises seria removido do trono no final do mês IX nesse mesmo ano.
Entretanto, no mês III, Ciro é instalado como rei dos medos por Ciaxares II, tio de Ciro. Vários anos antes, no 6º ano de Nabonidus, Ciro derrotou Astíages, rei dos medos, e avô materno de Ciro. Ciro permitiu que Ciaxares II, filho de Astíages, ocupasse o trono da Média. Ciaxares II não tinha descendentes masculinos e deu a sua filha em casamento a Ciro para selar a união política. Isto faz sentido, já que Ciro tinha recentemente perdido a sua mulher, Cassandane.
Estas circunstâncias fornecem uma explicação para a utilização do nome “Dario” por Daniel. No tempo da sua nomeação como rei da Média, teria sido apropriado tomar um nome de trono, no caso Dario. Mas se Ciro só foi nomeado rei dos medos no seu primeiro ano, por que razão Daniel usa este nome quando escreve sobre ele num acontecimento (a tomada de Babilónia) que ocorreu cerca de nove meses antes? Em toda a probabilidade, Daniel não terá registado a história imediatamente no tempo do acontecimento, mas algum tempo depois, já depois da coroação de Ciro como rei dos medos. Escrevendo de uma perspetiva posterior, Daniel usou o nome Dario.
Daniel identificou Ciro pelo seu nome e título medo, enquanto os escribas babilónicos usavam o título mais geral “rei de nações”.
Também já referimos que uma das razões porque Daniel fala aqui em Dario o medo e não em Ciro o persa é para fazer a ligação com as profecias de Isaías e Jeremias, que falavam dos medos como povo que derrubaria Babilónia (Is 13:17; Jr 51:11). Assim seria perceptível para os judeus. Quando Ciro conquistou a Babilónia foi na qualidade de medo, em cumprimento das profecias e porque ainda não tinha sido feito a transição da predominância meda para a predominância persa. Daniel 10-12 recorda a última visão de Daniel no terceiro ano de Ciro, rei da Pérsia (Dn 10:1), onde já aparece com o nome Ciro. Mas na mesma visão é feito referência ao primeiro ano de Dario (Dn 11:1).
Em Dn 9:1, Daniel refere a linhagem de Dario a Assuero. Ciro era, de facto, medo na linha materna e persa, do lado do pai. Estima-se que Assuero é o nome de um antepassado medo. O indivíduo cujo nome apresenta o melhor potencial fonético, segundo Shea, é Ciaxares.
No primeiro ano de Dario/Ciro, Daniel ora e recebe profecia das 70 semanas (Dn 9). Em Dn 9:1, Dario é designado por Daniel como filho de Assuero, da linhagem dos medos, o qual foi constituído rei sobre o reino dos caldeus.
Não sabemos em que mês Daniel recebe a profecia. Ainda no tempo da governação de Cambises como rei da Babilónia? Ou depois que Ciro removeu Cambises do trono no final do mês IX, depois de ele próprio se ter constituído rei dos caldeus (isto é, rei da Babilónia)?
A questão é: porque Ciro removeu Cambises? Na opinião de Shea, a única explicação razoável é que deve ter havido uma diferença de opinião entre Ciro e Cambises sobre a questão do regresso dos cativos, tanto de judeus como de outros povos. Os cativos na Babilónia estavam sob a jurisdição do rei da Babilónia. Cambises era antagónico a cultos e povos estrangeiros. Se Cambises estivesse no poder, é duvidoso que tivesse dado uma ordem de regresso aos judeus. Não há prova explícita para isto, mas esta sugestão deriva das correlações cronológicas envolvidas.
É provavelmente a esse tempo que se refere Dn 11:1 – Mas eu, no primeiro ano de Dario, o medo, me levantei para o fortalecer e animar. Quando Dario se tornou rei da Babilónia, o anjo Gabriel estava ao seu lado para o fortalecer no desempenho das suas funções reais.
Se Cambises foi removido no final do mês IX, parece provável que Ciro emitiu o seu decreto depois disso, no mês X ou XI, permitindo que os judeus se preparassem e regressassem no princípio (primavera) do ano seguinte (3468 AH). A não ser que ele tivesse editado o decreto antes, durante a regência de Cambises, mas que estes não deixou os judeus ir. Facto é que Daniel nunca faz menção de Cambises.




[1] William Shea, Darius the Mede in his Persian-Babylonian Setting. Andrews University Seminary Studies 29 (1991): 235-257. Disponível online.
[2] William Shea, Darius the Mede: an update. Andrews University Seminary Studies 3 (1982): 229-247. Disponível online.
[3] D. J. Wiseman, “Some Historical Problems in the Book of Daniel,” D. J. Wiseman, ed., Notes on Some Problems in the Book of Daniel. London: The Tyndale Press, 1965. pp. 9-18