A história do que aconteceu nestas 7 semanas é narrada nos livros de
Esdras, Neemias e Ester, e também nos profetas Ageu e Zacarias, e Daniel. A
informação cronológica fornecida nestes livros permite uma verificação interna
da cronologia deste período.
Nesta e nas próximas mensagens iremos seguir cronologicamente os eventos
de que falam as Escrituras, bem como esclarecer o que é necessário para a
compreensão da cronologia. Creio poder demonstrar a viabilidade desta tese, e
assim derrubar a principal alternativa ao decreto de Ciro, que é o decreto de
Artaxerxes Longimanos (alegadamente o que autorizou Neemias a ir a Jerusalém
para a edificar).
O decreto de Ciro
No seguimento da cronologia que temos vindo a estabelecer, assumimos
como data para o decreto de Ciro, que ele emitiu no seu primeiro ano de reinado
(2Cr 36:22; Ed 1:1), o ano de 3467 AH.
É o 70º ano desde o 3º ano de Jeoaquim, quando se iniciou o exílio com um
primeiro grupo de deportados entre os quais o jovem Daniel (Dn 1:1-2). É o ano
em que Daniel toma consciência de que os 70 anos, de que falou Jeremias, que haviam
de durar as assolações de Jerusalém, estavam a chegar ao fim e ele ora pela
cidade e pelo povo (Dn 9:1-19). O regresso do povo e Jerusalém dá-se no início
do ano seguinte 3468, ou seja no 71º
ano e primeiro ano de um novo período.
3466 AH – conquista da Babilónia
Neste
capítulo, faço uso das descobertas de William Shea[1] para reconstruir cronologicamente os
eventos relativos a Dario o medo, que identificamos como sendo a mesma pessoa
que Ciro (ver também a nossa
mensagem anterior sobre a identidade de Dario o medo). Num artigo escrito em
1982, Shea apresentava elementos que favoreciam a identificação de Dario o medo
como Ugbaru, general do exército de Ciro que tomou a Babilónia[2]. Mas,
novas descobertas fizeram-no alterar a sua posição. Tabuletas contratuais e comerciais cuneiformes neo-babilónicas desse
tempo, no British Museum, trazem luz sobre quem governou a Babilónia nos
primeiros anos depois que foi conquistada por Ciro, fazendo convergir os dados
do texto bíblico com outras fontes históricas.
Babilónia é tomada no mês VII (o que corresponde ao mês Tishri dos
judeus), dia 16, sem batalha. Belsazar, rei dos caldeus (na verdade, Belsazar
era co-regente de Nabonidus), é morto (Dn 5:30). Quem entrou na cidade e a
tomou foi Ugbaru (ou Gubaru), general do exército de Ciro. Ciro dividira o seu exército, uma parte ficando sob o seu comando, a outra sob o
comando do seu general Ugbaru. Ciro não tomou diretamente parte na conquista da
Babilónia, estando com a divisão que obteve a vitória sobre Nabonidus junto ao
rio Tigre.
No mês seguinte, mês VIII, dia 3, Ciro entra
triunfalmente na cidade. É aqui que “Dario o medo, com cerca de 62 anos, se apoderou (ou recebeu, conforme outras traduções) o reino” (Dn 5:31). Este verbo QEBAL
tem sido interpretado de duas maneiras. Ciro é aquele a quem historicamente é
atribuída a conquista de Babilónia, não o seu general. A interpretação
“recebeu” é favorecida por quem considera que Dario não é Ciro, mas um vassalo
(Ugbaru, Cambises ou outra figura) a quem Ciro deu temporariamente o governo.
Mas também pode interpretar-se que Dario/Ciro “recebeu” o reino das mãos de
Ugbaru, porque este temporariamente segurou a cidade com as suas tropas. Por
outro lado, pode dizer-se que Ciro tomou o reino, vencendo Nabonidus. Quanto à
idade de 62 anos, embora não se conheça a idade precisa de Ciro naquele
momento, está em harmonia com o que é dele conhecido.
O intervalo de 17 dias entre mês VII, dia 16 (tomada
da cidade por Ugbaru) e mês VIII, dia 3 (entrada triunfal de Ciro) corresponde
ao intervalo entre os eventos de Dn 5:30 (morte de Belssazar) e Dn 5:31
(chegada de Ciro e receção do reino).
No mesmo mês VIII, dia 11, Ugbaru morre. E morre
também “a mulher do rei”, presumivelmente a mulher de Ciro, Cassandane, e mãe
de Cambises. Um luto oficial foi comemorado no final do ano, mês XII.
Depois que Ciro chegou à Babilónia, Ugbaru nomeou governadores, segundo
a Crónica de Nabonidus. A Bíblia diz-nos que Dario/Ciro constituiu 120 sátrapas
por todo o reino, e sobre eles 3 presidentes, entre os quais Daniel (Dn 6:1-3).Visto
que Ugbaru morreu pouco tempo depois, certamente não teve tempo para efetuar
todas as nomeações e Dario/Ciro terminou a tarefa. E faz sentido que o rei
tivesse pensado em Daniel para substituir Ugbaru, que morrera (Dn 6:3).
A escolha de Daniel gerou inveja entre os outros sátrapas e presidentes,
que procuraram uma ocasião para acusá-lo. Pediram a Dario que fizesse um
decreto de modo a poderem apanhá-lo. Só poderiam ter êxito se o atacassem com
base na sua fé, porque sabiam que ele continuaria a orar ao seu Deus.
Shea explica a natureza peculiar desta petição que interdizia às pessoas
de orarem aos seus deuses. Em tempos normais de paz, as pessoas poderiam ter
ido aos seus templos para adorarem os seus deuses. Mas naquela altura, isto não
era possível. Nabonidus passara os primeiros 6 meses do ano a trazer os deuses de
vários locais a Babilónia para defenderem a capital, deizando as outras cidades
desprotegidas. A Crónica de Nabonidus diz que Ciro, durante 4 meses nesse ano,
do mês IX ao XII levou todos estes deuses de volta ao seu lugar. Entretanto, o
país estava num limbo religioso. Tal pedido ao rei, num tempo em que o país
estava instável em termos religiosos, faz mais sentido do que se tivesse
acontecido mais tarde quando o país já estava mais calmo. A história encaixa na
situação disturbada da época.
Depois que Daniel foi salvo da cova dos leões, Dario/Ciro fez um decreto
“aos povos, nações e homens de todas as línguas, que habitam em toda a terra”
(Dn 6:25-27). Tal decreto só pode ser da mão de Ciro, não de algum vassalo ou
co-regente. Segundo as tabuletas babilónicas, Ciro não tinha ainda tomado o
título de “rei da Babilónia”, mas usava o título de “Rei de Nações”.
Estes acontecimentos ocorreram no ano de ascensão de Ciro (ano 0). O seu
primeiro ano oficial começa em Nisan (mês I) do ano seguinte.
A seguir à narrativa da cova dos leões, Dn 6:28 conclui que Daniel
prosperou no reinado de Dario, e no reinado de Ciro, o
persa. A conjunção “e” (letra VAV em hebraico) parece indicar tratar-se de duas
pessoas diferentes. Wiseman[3]
foi o primeiro a avançar a teoria de que Dario o medo era outro nome para Ciro,
baseando-se na interpretação de que a conjunção “VAV”, neste versículo, não é
“e”, mas que pode ser lida como uma conjunção explicativa “isto é”, “ou seja”.
Esta interpretação é possível, mas não totalmente necessária; “e” pode aludir
às fases sucessivas do seu reinado, caracterizadas por determinado nome sob o
qual exercia a sua autoridade. Daniel chama Ciro de Dario o medo em várias
ocasiões (Dn 5:31; 6; 9:1; 11:1), quando se refere ao princípio do seu reinado,
e noutras de Ciro (Dn 6:28; 10:1).
3467 AH – o primeiro ano de Dario/Ciro
De acordo com as tabuletas cuneiformes, no início do novo ano, Ciro, que
continua mencionado como “Rei de Nações”, instala o seu filho Cambises como “rei
de Babilónia”. Cambises seria removido do trono no final do mês IX nesse mesmo
ano.
Entretanto, no mês III, Ciro é instalado como rei dos medos por Ciaxares
II, tio de Ciro. Vários anos antes, no 6º ano de Nabonidus, Ciro derrotou
Astíages, rei dos medos, e avô materno de Ciro. Ciro permitiu que Ciaxares II,
filho de Astíages, ocupasse o trono da Média. Ciaxares II não tinha
descendentes masculinos e deu a sua filha em casamento a Ciro para selar a
união política. Isto faz sentido, já que Ciro tinha recentemente perdido a sua
mulher, Cassandane.
Estas circunstâncias fornecem uma explicação para a utilização do nome
“Dario” por Daniel. No tempo da sua nomeação como rei da Média, teria sido
apropriado tomar um nome de trono, no caso Dario. Mas se Ciro só foi nomeado
rei dos medos no seu primeiro ano, por que razão Daniel usa este nome quando
escreve sobre ele num acontecimento (a tomada de Babilónia) que ocorreu cerca
de nove meses antes? Em toda a probabilidade, Daniel não terá registado a
história imediatamente no tempo do acontecimento, mas algum tempo depois, já
depois da coroação de Ciro como rei dos medos. Escrevendo de uma perspetiva
posterior, Daniel usou o nome Dario.
Daniel identificou Ciro pelo seu nome e título medo, enquanto os
escribas babilónicos usavam o título mais geral “rei de nações”.
Também já referimos que uma das razões porque Daniel fala aqui em Dario o
medo e não em Ciro o persa é para fazer a ligação com as profecias de Isaías e
Jeremias, que falavam dos medos como povo que derrubaria Babilónia (Is 13:17;
Jr 51:11). Assim seria perceptível para os judeus. Quando Ciro conquistou a
Babilónia foi na qualidade de medo, em cumprimento das profecias e porque ainda
não tinha sido feito a transição da predominância meda para a predominância
persa. Daniel 10-12 recorda a última visão de Daniel no terceiro ano de Ciro, rei da Pérsia (Dn 10:1), onde já aparece com
o nome Ciro. Mas na mesma visão é feito referência ao primeiro ano de Dario (Dn
11:1).
Em Dn 9:1, Daniel refere a linhagem de Dario a Assuero. Ciro era, de
facto, medo na linha materna e persa, do lado do pai. Estima-se que Assuero é o
nome de um antepassado medo. O indivíduo cujo nome apresenta o melhor potencial
fonético, segundo Shea, é Ciaxares.
No primeiro ano de Dario/Ciro, Daniel ora e recebe profecia das 70
semanas (Dn 9). Em Dn 9:1, Dario é designado por Daniel como filho de Assuero,
da linhagem dos medos, o qual foi
constituído rei sobre o reino dos caldeus.
Não sabemos em que mês Daniel recebe a profecia. Ainda no tempo da
governação de Cambises como rei da Babilónia? Ou depois que Ciro removeu
Cambises do trono no final do mês IX, depois de ele próprio se ter constituído rei dos caldeus (isto é, rei da
Babilónia)?
A questão é: porque Ciro removeu Cambises? Na opinião de Shea, a única
explicação razoável é que deve ter havido uma diferença de opinião entre Ciro e
Cambises sobre a questão do regresso dos cativos, tanto de judeus como de outros
povos. Os cativos na Babilónia estavam sob a jurisdição do rei da Babilónia.
Cambises era antagónico a cultos e povos estrangeiros. Se Cambises estivesse no
poder, é duvidoso que tivesse dado uma ordem de regresso aos judeus. Não há
prova explícita para isto, mas esta sugestão deriva das correlações
cronológicas envolvidas.
É provavelmente a esse tempo que se refere Dn 11:1 – Mas eu, no primeiro ano de Dario, o medo, me
levantei para o fortalecer e animar. Quando Dario se tornou rei da
Babilónia, o anjo Gabriel estava ao seu lado para o fortalecer no desempenho das
suas funções reais.
Se Cambises foi removido no final do mês IX, parece provável que Ciro
emitiu o seu decreto depois disso, no mês X ou XI, permitindo que os judeus
se preparassem e regressassem no princípio (primavera) do ano seguinte (3468 AH). A não ser que ele tivesse editado o decreto antes, durante a regência de Cambises, mas que estes não deixou os judeus ir. Facto é que Daniel nunca faz menção de Cambises.
[1] William Shea, Darius the Mede in his
Persian-Babylonian Setting. Andrews University Seminary Studies 29 (1991):
235-257. Disponível online.
[2] William Shea, Darius the Mede: an update. Andrews
University Seminary Studies 3 (1982): 229-247. Disponível online.
[3] D. J. Wiseman, “Some
Historical Problems in the Book of Daniel,” D. J. Wiseman, ed., Notes on Some
Problems in the Book of Daniel. London: The Tyndale Press, 1965. pp. 9-18
Hola anne. Lei un libro de un adventista que decia que segun las cronicas de nabonido, herodoto y jenofonte ciro conquisto babilonia habiendo alcansado la adultez. ¿es verdad que las cronocas de nabonido muestran a ciro habiendo alcansado la adultez? Gracias
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