09/05/2018

A DINASTIA DOS ASMONEUS ou MACABEUS


De Antíoco IV Epifânio a Herodes

O domínio ptolemaico (o rei do sul como é designado em Daniel 11) sobre a Judeia desabou frente ao ascendente poder selêucida (o rei do norte), na sequência da batalha de Panias no ano 200 a.C., quando Antíoco III o Grande incorporou a Judeia na Síria selêucida.

No tempo do domínio ptolemaico sobre a Judeia, não havia indícios fortes de uma política de helenização na Judeia, mas a situação mudou com a dominação selêucida. O modo de vida helenístico é introduzido na Judeia e observa-se no uso do idioma grego, na introdução dos deuses gregos, na educação, nos ginásios, no entretenimento. O novo modo de vida provoca o afastamento da religião e gera divisão entre o povo. A corrupção grassa entre os sacerdotes. O sacerdote legítimo da descendência de Zadoque, Onias III, é afastado e substituído por um sumo-sacerdote ilegítimo, com a conivência de muitos dos sacerdotes. Os sacerdotes profanaram o templo, deixaram de cumprir os ritos nomeadamente o sacrifício contínuo. Estes são os “violadores do concerto” (Dn 11:32). Com tudo isso estava estabelecida a abominação desoladora (Dn11:31). No topo disso, Antíoco Epifânio (ver post anterior), profana o templo, mata muitos milhares, proíbe a prática do judaísmo e persegue os fiéis.

Indignado com esta situação, um sacerdote chamado Matatias, da linhagem de Joiaribe (1Mac 2:1), recusou oferecer sacrifícios pagãos, matou o emissário de Antíoco que o quis obrigar a tal e fugiu para as montanhas com os seus filhos. Muitos juntaram-se a eles e revoltaram-se contra a ocupação síria sob a liderança militar de Judas, cognominado Macabeu (martelo), um dos filhos de Matatias.
Judas e seu exército conseguem retomar Jerusalém e purificar o templo. Mas não satisfeitos com isto, prosseguem a luta para conseguir a liberdade política. Luta que é continuada pelos seus irmãos após a sua morte. Estabelecidos como chefes pelo povo deram início a uma dinastia que governa na Judeia, inicialmente sob o domínio sírio, mas que se consegue estabelecer com governação independente no tempo de João Hircano. Isto foi possível porque o poder sírio enfraqueceu devido às lutas internas pelo poder enquanto Roma estava a expandir o seu domínio em volta do Mediterrâneo.

Segue agora uma lista dos governantes da dinastia Asmoneia, assim chamada pelo nome de um antepassado de Matatias, Asmon. São talvez mais conhecidos pelo nome de Macabeus, com referência a Judas Macabeu e o nome dos livros deuterocanónicos 1 e 2 Macabeus.
A dinastia Asmoneia abrange o tempo desde a morte de Antíoco IV Epifânio até à chegada ao poder de Herodes, um período de cerca de 120 anos.

1.      Judas Macabeu          (164-160)

Antíoco V Eupator (164-162) (filho de Antíoco IV Epifânio)
2.      Jonatas (160-142)

Demétrio I Soter (162-151) (filho de Seleuco
Alexandre Balas (151-146) (filho de Antíoco Epifânio)
Demétrio II Nicator (146-145)
Antíoco VI (145-143) (filho de Alexandre Balas)
3.      Simão (142-134)

Diódoto Trifão (143-139)
Antíoco VII (139-131)
4.      João Hircano (134-104)

Demétrio II Nicator (131-129)
Alexandre II (129-127)
Seleuco V Nicator (127-126)
Antíoco VIII (126-114)
Antíoco X de Cizico (114-97)
5.      Aristobulo I (104-103)

6.      Alexandre Janeu (103-76)

Seleuco VI (97-95)
Antíoco XI (94-93)
Filipe Demétrio III (93-84)
Tigranes (84-69
7.      Salomé Alexandra (76-66)
8.      Aristobulo II (66-63)
Antíoco XII (69-63)
9.      Hircano II (63-40)
Em 63 a Síria torna-se uma província romana.
10.  Antígono (40-37)


Não há menção expressa das figuras desta dinastia no cânone da nossa Bíblia. Mas podem ser eles a que se refere o “pequeno socorro” (Dn 11:34) (ver mensagem anterior).

Quando lemos a história nos livros dos Macabeus (até à morte de Simão) e nas Antiguidades de Josefo, todo aquele período é de contínuas guerras pelo poder, tanto a nível externo como a nível interno. Só no tempo de Simão atinge-se uma certa estabilidade – “a terra gozou de repouso” (1Mac 14:4) - e no tempo de João Hircano, um elevado nível de prosperidade (Ant.13.10.4-5). Depois de João Hircano, em cujo tempo Israel consegue a independência da Síria, começa, com Aristobulo, uma monarquia profana e tirânica até à tomada do poder por Herodes (Dn 11:36 – este rei). Tudo parece dar a entender que os versículos de Daniel 11:32-35 cobrem todo aquele período, culminando no tempo de Herodes.

Não é meu intento fazer um relato extenso da história dos acontecimentos no tempo da dinastia Asmoneia. Mas da sua história, que podemos ler com pormenor nos livros de 1 e 2 Macabeus e nas Antiguidades de Josefo, importa salientar alguns aspetos que têm relação com o caso bíblico e que ajudam a compreender as visões de Daniel e as particularidades daquele último período antes da (primeira) vinda de Jesus.

O sumo-sacerdote, o “príncipe do concerto”

Na mensagem anterior vimos que com a usurpação do sumo-sacerdócio por Jasão e Menelau, no tempo de Antíoco Epifânio, e o assassinato do legítimo sumo-sacerdote Onias III, o príncipe do concerto foi quebrado (Dn11:22) e nunca mais foi restaurado.

Jasão teve de fugir. Menelau acabou por ser executado por Antíoco Eupator. Depois dele, um sacerdote (mas não da linhagem de Zadoque) chamado Alcimo procurou o sumo-sacerdócio para si, junto do rei Demétrio, e incita este contra Judas Macabeu.

Desde que Jasão e Menelau compraram de Antíoco Epifânio o cargo de sumo-sacerdote, que não lhes pertencia de direito, os governantes estrangeiros passaram a nomear o sumo-sacerdote de Israel. Jónatas, que sucedeu a Judas Macabeu no comando da resistência armada, foi nomeado sumo-sacerdote por Alexandre Balas, rei da Síria, em 152 a.C., e simultaneamente foi-lhe concedido o título de “amigo do rei” (1Mac 10:20). Dois anos depois, Jonatas é nomeado sumo-sacerdote, bem como estratego e meridarca (1Mac 10:65). O meridarca governa uma mérida, isto é uma “parte” de um território maior que a região administrada por um estratego, no caso a Judeia, acrescida de Galileia e Samaria[1].

A partir de então, o cargo “religioso” de sumo-sacerdote passou a confundir-se com o de líder político. Quando Simão assume o comando, o rei Demétrio o confirma como sumo-sacerdote, estratego e etnarca dos judeus (1Mac 14:38-47). João Hircano, com a morte de Antíoco VII, torna-se praticamente independente.

À morte de João Hircano, seu filho mais velho Aristobulo I, resolveu mudar o governo numa monarquia e colocou um diadema na sua cabeça. Chamou-se a si mesmo “rei” (Ant.13.11.1). Era cruel e reinou apenas um ano, sucedido pelo seu irmão Alexandre Janeu, outro déspota da pior espécie.

Duas coisas observam-se aqui:

Na mensagem anterior já vimos que desde Jasão e Menelau nunca mais um sacerdote legítimo da linhagem de Zadoque desempenhou a função de sumo-sacerdote. O sumo-sacerdote, que é também chamado o “príncipe do concerto” (Dn 11:22), foi quebrado. Os Macabeus/Asmoneus, que ocupavam o cargo de sumo-sacerdote, não eram legítimos. Eram de linhagem sacerdotal, mas não de Zadoque (Ez 44:15). Num certo sentido, a abominação desoladora continuou, apesar da “purificação do templo” levada a efeito no tempo de Judas Macabeu. Os sacerdotes normais podiam fazer determinados serviços no templo, oferecer os sacrifícios, mas não os do Dia da Expiação, estes deviam ser oferecidos pelo sumo-sacerdote (Lv 16, especialmente v.32). Jesus esteve em Jerusalém para várias festas durante o seu ministério, mas nunca é mencionado o dia da Expiação.

Além de sumos-sacerdotes fraudulentos, também eram “reis” fraudulentos sobre o trono de Israel, não sendo da linhagem de David.

O sacrifício contínuo

Em Daniel 8:11 e 11:31 lemos que foi tirado o contínuo sacrifício.
O que era o sacrifício contínuo? Era a oferta sobre o altar de dois cordeiros de um ano, cada dia, continuamente, um pela manhã, o outro cordeiro à tardinha (Ex 29:38-39). É interessante ler o porquê deste holocausto contínuo: “Este será o holocausto contínuo por vossas gerações, à porta da tenda da congregação, perante o Senhor, onde vos encontrarei, para falar contigo ali. E ali virei aos filhos de Israel, para que por minha glória sejam santificados. E santificarei a tenda da congregação e o altar; também santificarei a Aarão e seus filhos, para que me administrem o sacerdócio. E habitarei no meio dos filhos de Israel, e lhes serei por Deus. E saberão que eu sou o Senhor, seu Deus, que os tenho tirado da terra do Egipto, para habitar no meio deles: eu, o Senhor, seu Deus (Ex 29:42-46).

O capítulo 29 de Êxodo fala da santificação dos sacerdotes para que possam ministrar diante de Deus (1-35), depois fala da expiação pelo altar (36-37) e a seguir fala do sacrifício contínuo. A santidade do sacerdote e do altar, e a oferta contínua todos os dias de manhã e da tarde significavam a presença de Deus no meio do povo.

Todos estes elementos estavam corrompidos desde o tempo de Antíoco Epifânio: os próprios sacerdotes deixaram de oferecer os sacrifícios e o sacrifício contínuo foi tirado (o que é corroborado por Daniel e pelo livro dos Macabeus) e os sumos-sacerdotes, a partir de Jasão, eram todos ilegítimos. Creio que podemos entender aqui que, por tudo isso, Deus abandonou o seu templo. Apesar de Judas Macabeu ter purificado o templo e restaurado os sacrifícios, a presença de Deus já não regressou ao templo.

Do mesmo modo como Ele abandonou o tabernáculo quando a arca foi levada pelos filisteus, em consequência das profanações dos sacerdotes, os filhos de Eli (1Sam 2-6). E do mesmo modo, como Ezequiel viu em visão as abominações feitas pelos sacerdotes de Israel no templo e em consequência viu a glória de Deus levantar-se e sair do templo (Ez 8-10). Os sacrifícios continuaram a ser oferecidos no tabernáculo, mas a arca nunca mais lá voltou. Cerca de 70 anos depois, David levou a arca para uma tenda especialmente montada em Jerusalém e mais de 100 anos depois de ter sido capturada pelos filisteus, a arca foi finalmente colocada no templo de Salomão e a glória de Deus encheu o templo. Quando Ezequiel estava no auxílio, Jerusalém e o templo foram queimados por Nabucodonosor e Israel foi para o exílio. Deus estava com eles, no exílio. Quando regressaram a Jerusalém, autorizados pelo decreto de Ciro, o templo foi reconstruído e dedicado no 7º ano de Dario, e embora já não houvesse arca, Deus estava no meio deles (Ageu 1:13). No templo visionário de Ezequiel – que representa espiritualmente a época pós-exílica (ver mensagem O TEMPLO DE EZEQUIEL 40-48 dezembro 2016)– a glória de Deus encheu o templo (Ez 43:1-4; 44:4).

Anos mais tarde, no tempo de Antíoco Epifânio e dos Asmoneus, entendemos que Deus abandonou novamente o seu templo. Malaquias, o último profeta do Velho Testamento, anunciava “eis que eu envio o meu anjo, que preparará o caminho diante de mim; e, de repente, virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais, o anjo do concerto, a quem vós desejais; eis que vem, diz o Senhor dos Exércitos” (Mal 3:1). Jesus, a presença de Deus (Emanuel, Deus connosco), voltou ao templo onde ensinou durante o seu ministério terreno. Mas o seu sacrifício não foi compreendido, e depois da sua ressurreição, os sacrifícios continuaram a ser oferecidos pelos sacerdotes no templo enquanto este ficou de pé (até ao ano 70 quando foi destruído definitivamente), embora a obra de Cristo na cruz tivesse abolido o sistema sacrificial.
A continuação dos sacrifícios e das ofertas significava a rejeição do Senhor e do seu Messias e era, por conseguinte, idolatria (estabelecimento da sua própria religião e justiça). Idolatria é abominação (Is 44:19). Os falsos sacrifícios eram abominações.
Por exemplo, relativamente às ofertas pacíficas, Levítico 7:17-18 estipula que o que restava da carne do sacrifício ao terceiro dia devia ser queimado no fogo. E, se da carne do seu sacrifício pacífico se comer ao terceiro dia, aquele que a ofereceu não será aceite, nem lhe será atribuído o sacrifício: coisa abominável será, e a pessoa que dela comer levará a sua iniquidade (Lv 7:21). Quem comia do sacrifício ao terceiro dia era porque não aceitava a validade do sacrifício. O terceiro dia é o dia que simboliza a ressurreição de Jesus. Os judeus continuaram a comer dos sacrifícios depois do terceiro dia (literalmente e simbolicamente), significando que não aceitavam o sacrifício feito por Ele, o que se pode considerar abominação.

Roma

Desde o tempo de Nabucodonosor, Israel perdera a sua autonomia e a sua terra, e foi governada por quatro sucessivos impérios mundiais: Babilónia, Pérsia, Grécia e Roma. O Senhor assim o determinou. Era para a sua proteção, para preservação da vida (Jr 27:12-15). Os judeus seriam governados e protegidos por impérios mundiais até à vinda do Messias (Dn 2).

Portanto, a revolta política dos Asmoneus para obter a independência era na verdade contrária aos ensinamentos de Jeremias e Daniel. Contudo, nunca chegaram a ser rigorosamente independentes.
Dantes eu pensava que o tempo do quarto animal (que representa o império romano) começava com Herodes, porque ele foi nomeado rei da Judeia pelo senado de Roma.

Mas desde Judas Macabeu que existiam alianças com Roma e que através delas a Judeia estava debaixo da proteção do império romano, que estava em expansão, apesar de o domínio sírio ainda persistir por algum tempo.

Acontece que, tendo ouvido falar da fama dos romanos, Judas Macabeu enviou uma embaixada a Roma para travar relações de amizade e aliança, e para conseguir que os libertassem do jugo, visto que o reino dos gregos queria manter Israel na servidão (1Mac 8:17-18).

“Judas tomara conhecimento da fama dos romanos. Dizia-se que eram poderosos e valentes, que se compraziam em todos os que se aliassem a eles, e concediam sua amizade a quantos a eles se dirigissem. Falaram-lhe também de suas guerras e das valorosas proezas que tinham realizado entre os gauleses, e como os tinham dominado e tornado seus tributários. E do que haviam feito na Espanha para se apoderarem das minas de prata e de ouro que lá se encontram, e como se tornaram senhores de todo esse país pela sua prudência e perseverança embora a região fosse muito distante deles. Ouviu falar também dos reis que tinham vindo contra eles das extremidades da terra, como eles os destroçaram e lhes infligiram graves derrotas, enquanto os outros lhes pagam um tributo anual … Também Antíoco, o Grande, rei da Ásia, que marchou contra eles para enfrentá-los com cento e vinte elefantes, cavalaria, carros de guerra e um enorme exército, foi por eles esmagado. Capturado vivo, obrigaram-no a pagar ele e seus sucessores, um pesado tributo, além da entrega de reféns e da cessão de territórios …. Tendo os da Grécia conjurado para ir exterminá-los, os romanos, sabendo do plano, enviaram contra eles um só general para os debelar …Quanto aos outros reinos e às ilhas que lhes tinham resistido, os romanos os destroçaram e submeteram. Com os seus amigos, porém, e com os que se fiavam no seu apoio, eles mantiveram sua amizade (1Mac 8:1-11).

A aliança de amizade recíproca com os romanos por Judas Macabeu foi renovada com Jonatas (1Mac 12:1), depois com Simão (1Mac 14:16; Ant.13.7.2), e com João Hircano (Ant.13.9.2).

Entretanto, a partir de Simão, Israel passou a gozar de uma semi-independência da Síria, mas isto chegaria ao fim com Aristobulo II. Quando Alexandre Janeu morre, ele é sucedido no trono pela sua mulher Salomé Alexandra, que reinou 9 anos. Como ela não podia ser sumo-sacerdote, nomeou o seu filho Hircano sumo-sacerdote. Com a morte de Salomé Alexandra, o seu outro filho, Aristobulo II, ascendeu ao trono. Mas seu irmão Hircano, incentivado por Antipater (governador da Idumeia e pai de Herodes), inicia uma guerra civil pelo poder na Judeia. Antipater, com a ajuda de Aretas rei da Arábia, ajuda Hircano a conquistar o trono. Nesta guerra civil, tanto Aristobulo como Hircano procuram obter o apoio de Roma. Mas aproveitando a desordem, o general romano Pompeu toma Jerusalém, e restaura o sumo-sacerdócio a Hircano enquanto Aristobulo é preso em Roma. Em 63 a.C. Judeia passa a ser governada por Roma através de um procurador, mantendo-se o no trono Hircano, como rei.

Depois de poucos anos, Hircano é destronado por Antígono, filho de Aristobulo, e este mantém-se no poder na Judeia até que Roma designa Herodes como rei da Judeia em 40 a.C.

Considerando que a Judeia, com os Asmoneus, esteve em aliança com Roma, e debaixo da sua proteção, já no tempo de Judas Macabeu e finalmente integrada no império romano em 63 a.C., e que, até à nomeação de Herodes como rei dos judeus, houve 10 governantes na dinastia dos Asmoneus, proponho a seguinte hipótese: que as 10 pontas que se levantaram do quarto animal (Daniel 7:7-8, 24) são os 10 “reis” dos Asmoneus que governaram em Israel. A outra ponta que se levanta é Herodes. É diferente dos primeiros, porque não pertence à mesma dinastia. Diante dele, 3 foram arrancados: Aristobulo, Hircano e Antígono. Quando lemos a história contada por Josefo, Herodes já está no palco político na Judeia desde o tempo de Aristobulo, chegando a ter mais poder do que eles.

Na próxima mensagem, vamos ver mais de perto a história de Herodes para ver se esta hipótese tem pés para andar.



[1] Nota da Bíblia de Jerusalém