04/11/2019

O TEMPO DAS PRAGAS NO EGIPTO (revisto)


Em 5-4-2014 publiquei uma mensagem sobre este assunto, em que apresentei a teoria de Floyd Nolen Jones relativamente ao tempo que passou desde a primeira até à última das pragas do Egipto. Floyd Nolen Jones (p.70) apresenta um quadro com a cronologia das pragas e demonstra uma duração de 40 dias contados a partir da primeira “praga” (a vara que se tornou em serpente) até a noite da morte dos primogénitos.

Após uma nova análise dos capítulos de Êxodo 7 a 12, defendo uma tese um pouco diferente.
Segundo a leitura que faço da narrativa bíblica, o tempo que passou desde que Moisés e Aarão foram falar a Faraó pela primeira vez (Ex 5:1-5) até à noite da morte dos primogénitos é de 28 dias, ou seja de uma “lua”, um mês lunar.

Analisemos novamente a história, dia a dia, no livro do Êxodo:

Dia 1 – Moisés e Aarão vão falar com Faraó pela primeira vez (5:1-5). Naquele mesmo dia (5:6), Faraó deu ordem para que daqui em diante não mais se desse palha aos israelitas para fazerem os tijolos, como ontem e anteontem.
Esta ordem foi implementada logo no mesmo dia porque no dia seguinte,

Dia 2 – Os filhos de Israel foram açoitados, dizendo-lhes os capatazes de Faraó: Por que não acabastes vossa tarefa ontem e hoje (5:14), fazendo tijolos como antes? Por isso, os oficiais dos filhos de Israel foram clamar a Faráo, que não lhes deu ouvidos e encontraram-se com Moisés e Aarão quando saíram de Faraó (5:20).

Dia 3 – Deus ordena Moisés para ir falar com Faraó. Moisés está inseguro (eis que sou incircunciso dos lábios, como pois me ouvirá Faraó?) e põe Aarão para seu profeta. Então Moisés e Aarão entraram a Faraó e Aarão lançou a sua vara que se tornou em serpente (6:1-13, 28-30; 7:1-13). Faraó recusou ouvir e o Senhor diz a Moisés para ir a Faraó, pela manhã (7:15).

Dia 4 – Quando Faraó saiu às águas pela manhã, Moisés já estava à espera dele na beira do rio (7:15). Aarão é mandado estender a sua vara sobre as águas do Egipto. Moisés e Arão fizeram o que o Senhor lhes tinha ordenado, e a água se tornou em sangue. Os peixes morreram, o rio cheirou mal, não se podia beber (7:19-24).

Dias 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 – Cumpriram-se 7 dias, depois que o Senhor feriu o rio.

Dia 12 – Depois disse o Senhor a Moisés para novamente ir ter com Faraó. Subiram rãs que cobriram a terra. Faraó chamou a Moisés e Arão para tirar as rãs. Moisés pergunta a Faraó quando é que ele havia de rogar para que as rãs fossem retiradas e ficassem somente no rio. Faraó respondeu: amanhã (8-9-10).

Dia 13 – Moisés clamou ao Senhor conforme tinha combinado com Faraó no dia anterior. Morreram as rãs, que foram ajuntados em montões. Porém, Faraó viu que havia alívio, e não os ouviu.

Dia 14 – Sem qualquer aviso prévio a Faraó, Moisés e Arão foram instruídos para estender a vara e houve piolhos por toda a terra. O coração de Faraó continua endurecido (8:16-19). Disse mais o Senhor a Moisés: Levanta-te pela manhã cedo (8:20), e põe-te diante de Faraó; eis que ele sairá às águas.

Dia 15 – Então, pela manhã cedo (8:20), segundo a ordem do Senhor, Moisés apresenta-se a Faraó. Desta vez o Senhor vai enviar enxames de moscas, mas fará distinção entre o povo do Egipto e o povo de Israel. “Amanhã se dará este sinal” (Ex 8:24).

Dia 16 – Ex 8:24 – vieram grandes enxames de moscas. Faraó chamou a Moisés. Moisés disse: eis que saio de ti, e orarei ao Senhor, que estes enxames de moscas se retirem amanhã (8:29).

Dia 17 – Os enxames de moscas se retiraram conforme a palavra de Moisés (8:31). Mas ainda esta vez Faraó endureceu o coração.

Dia 18 – Novo aviso de Moisés a Faraó: pestilência sobre o gado, com distinção entre os rebanhos do Egipto e os dos israelitas (9:1-4). Amanhã fará o Senhor isto na terra (9:5).

Dia 19 – No dia seguinte (9:6), todo o gado dos egípcios morreu. Faraó enviou ver, e eis que do gado de Israel não morrera nenhum, mas Faraó continua endurecido (9:7).

Dia 20 – Sem aviso, Moisés e Arão tomaram cinza de forno e o atiraram para o céu e tornou-se em tumores nos homens e nos animais (9:8-12).

Dia 21 – Pela manhã cedo (9:13), Moisés apresenta-se novamente a Faraó. Eis que amanhã por este tempo (9:18) farei chover saraiva mui grave.

Dia 22 – Moisés estende a vara para o céu e o Senhor deu trovões e saraiva em toda a terra do Egipto, exceto na terra de Gosen. Faraó manda chamar Moisés. Moisés promete que os trovões e a saraiva cessarão quando ele sair da cidade (9:29-33). A praga cessou, mas Faraó continua endurecido. Depois disse o Senhor a Moisés; entra a Faraó (10:1)

Dia 23- Assim foram Moisés e Arão novamente a Faraó: se recusares deixar ir o meu povo, eis que amanhã trarei gafanhotos (10:4) ao teu território. Depois de avisar Faraó, Moisés virou-se e saiu da presença de Faraó (10:6). Os oficiais de Faraó tentam convencê-lo a deixar ir os israelitas, porque o Egipto está arruinado (v.7). Moisés e Arão são levados outra vez a Faraó e expulsos da presença (10:8-11). Moisés estendeu a sua vara, e o Senhor trouxe um vento oriental todo aquele dia e aquela noite (10:13).

Dia 24 – Pela manhã (10:13), o vento oriental trouxe os gafanhotos, que cobriram a superfície da terra e devoraram tudo. Faraó apressou-se a chamar Moisés (10:16). Quando Moisés saiu da presença de Faraó, o Senhor trouxe um forte vento ocidental que levantou os gafanhotos e os lançou no mar Vermelho. Porém, o coração de Faraó continua endurecido.

Dia 25, 26, 27 – Ex 10:21-23 – Sem aviso a Faraó, o Senhor disse a Moisés para estender a mão para o céu, e virão trevas espessas sobre toda a terra do Egipto por 3 dias (10:22). Os filhos de Israel tinham luz nas suas habitações. Mas entre os egípcios, não viu um ao outro, e

Dia 28 – Depois dos dias em que ninguém se levantou do seu lugar (10:23), Faraó manda chamar Moisés. Mais uma vez Faraó não aceita as exigências de Moisés. A partir desse momento, nunca mais se verão (10:26-27).
Antes de se retirar da presença de Faraó, Moisés, ainda o avisa “A meia-noite passarei pelo meio do Egito e todo o primogénito na terra do Egipto morrerá. Haverá grande clamor como nunca houve”. E Moisés saiu de Faraó em ardor de ira (11:4-8).

Noite de 28 para 29 - E aconteceu, à meia-noite, que o Senhor feriu a todos os primogénitos na terra do Egipto (12:29).
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Entre o capítulo 11 – a última visita de Moisés a Faraó – e Ex 12:29 – quando começa a noite da morte dos primogénitos, há um parêntese. O Senhor fala a Moisés “este mês vos será o principal dos meses; será o primeiro mês do ano” (12:2) e instrui-o sobre a celebração da Páscoa (12:3-28).

Floyd Nolen Jones interpreta isto como um intervalo de 10 dias entre o último aviso a Faraó e a concretização da ameaça.

No entanto, julgo que a narrativa não dá lugar a um intervalo. Moisés disse a Faraó que aconteceria à meia-noite. Podemos pensar, mas não disse em que dia exatamente. Contudo, quando olhamos para o ritmo da narrativa do mês que passou, a rapidez alucinante em que as pragas se seguiram umas às outras, não há razão para crer que houve um intervalo de dias entre o aviso e a execução.

Em meu ver, a noite de 28 a 29 do tempo das pragas é o começo do dia 14 de Abib, a noite em que tinham que comer o cordeiro, e essa mesma noite fugiriam.

10 de Abib (12:3), o dia em que cada casa tinha que tomar para si um cordeiro, era o primeiro dia da praga das trevas (dia 25). Mas para o povo de Israel não era problema; eles tinham luz nas suas casas (10:23).

1 de Abib, o primeiro dia do mês que, para Israel, passaria a ser o primeiro dos meses do ano (12:2)  corresponde ao dia 16 do tempo das pragas, que era o dia da praga das moscas. O que distingue este dia e esta praga dos anteriores é que é a primeira praga em que a terra de Gosen, onde habitava o povo de Israel, era separada (8:23). Não estava sujeita às pragas que os egípcios sofreram. Isto assinala o começo de um novo período para o povo de Israel, “o princípio dos meses, o primeiro dos meses do ano”.

A instrução sobre a Páscoa (Ex 12) terá sido dada a Moisés nesse princípio de mês, ou mesmo antes, e não depois do aviso a Faraó da morte dos primogénitos porque não se coaduna com o correr da narrativa.

Desde a primeira vez que Moisés e Aarão foram falar com Faraó até a noite dos primogénitos foram 28 dias, o que equivale a um mês lunar.

24/07/2019

A FESTA DOS TABERNÁCULOS (SUKKOTH)


Qual o significado do ritual da festa dos tabernáculos (SUKKOTH) no sétimo mês?

SUKKOTH é a forma plural de SUKKAH (subst.f.). O que é uma SUKKAH?

O que foi ordenado fazer naquela festa?

Lv 23:40 - Ao primeiro dia, tomareis para vós ramos de formosas árvores, ramos de palmas, ramos de árvores espessas e salgueiros de ribeiras; e vos alegrareis perante o Senhor vosso Deus por sete dias.

Lv 23:42-43 - Sete dias habitareis debaixo de SUKKOTH; todos os naturais em Israel habitarão em SUKKOTH; para que saibam as vossas gerações que eu fiz habitar os filhos de Israel em SUKKOTH, quando os tirei da terra do Egipto.

Pelo material mencionado em Lv 23 usado para fazer os SUKKOTH, deduzimos que SUKKOTH não são tendas no sentido de habitações amovíveis feitas de pano grosso ou lona.

Encontramos a palavra SUKKAH no sentido de abrigos ou refúgios construídos no campo com ramos de árvores, madeira e folhagem como cabanas para o gado (Gn 33:17), ou abrigos para os que guardam o gado nos campos (Jó 26:18; Is 1:8). Jonas, por exemplo, fez para si uma SUKKAH, onde se assentou debaixo da sua sombra (Jonas 4:5). Também são os abrigos (nas nossas traduções aparece com tendas) levantados por um exército no campo (1Rs 20:12,16; 2Sam 11:11).

Porque é que na festa os israelitas eram chamados a viver em SUKKOTH em lembrança da saída do Egipto?

É estranho porque na narrativa do êxodo não há menção de os israelitas no deserto viverem em SUKKOTH, mas sim em tendas (OHEL) (Ex 16:16; 33:8, 10). Também Abraão habitava em tendas (Gn 12:8;13:3, 5; etc.), o que é aliás o habitáculo normal para nómadas e quem vive no deserto, não a SUKKAH. É difícil encontrar ramos de árvores formosas no deserto. O tabernáculo que Moisés levantou no deserto também é referido com a palavra OHEL.

A palavra SUKKAH aparece também em relação à habitação de Deus:

Sl 18:11 – Fez das trevas o seu lugar oculto; o pavilhão (SUKKAH) que o cercava era a escuridão das águas e as nuvens dos céus.

Jó 36:29 – Porventura, também se poderão entender as extensões das nuvens, e os trovões da sua tenda (SUKKAH)?

Is 4:5-6 – E criará o Senhor, sobre toda a habitação do monte de Sião, e sobre as suas congregações, uma nuvem de dia, e um fumo, e um resplandor de fogo chamejante de noite, porque sobre toda a glória haverá proteção. E haverá um tabernáculo (SUKKAH) para sombra contra o calor do dia, e para refúgio e esconderijo contra a tempestade e contra a chuva.

Observamos aqui que a SUKKAH do Senhor vem sempre associada a nuvens.

Também nas seguintes passagens, onde são utilizadas variantes de SUKKAH provindo da mesma raiz/verbo SAKAK, está presente a associação com nuvens:

Sl 105:39 – Estendeu uma nuvem por coberta (MASAK).
Sl 27:5 – No dia da adversidade me esconderá no seu pavilhão (SOK).
Lam 3:44 – Cobriste-te (SAKAK) de nuvens para que não passe a nossa oração.

O verbo SAKAK significa tecer, especialmente ramos de árvores para construir uma cobertura ou sebe. Daí que também significa geralmente cobrir, proteger, defender.

É usado para os querubins que cobrem (SAKAK) a arca com as suas asas (Ex 25:20; 37:9;1Rs 8:7; 1Cr 28:18) e o véu que cobre a arca (Ex 40:3, 21). Sl 91:4 – ele te cobrirá (SAKAK) com as suas penas.
Sl 140:7 – Senhor Deus, fortaleza da minha salvação, tu cobriste (SAKAK) a minha cabeça no dia da batalha.
Sl 5:11 – Alegrem-se todos os que confiam em ti; exultem eternamente, porquanto tu os defendes (SAKAK).

Este cobrir com ramos de árvores produz sombra. Jó 40:22 – as árvores sombrias o cobrem (SAKAK) com sua sombra. A SUKKAH de Jonas produziu sombra. As nuvens produzem sombra.

Como é que isto se relaciona com a narrativa do êxodo? Porque esta é a memória evocada com a festa de SUKKOTH: para que saibam as vossas gerações que eu fiz habitar os filhos de Israel em SUKKOTH, quando os tirei da terra do Egipto (Lv 23:43).

SUKKOTH foi o primeiro lugar onde os israelitas se juntaram e acamparam depois de terem saído de Ramesses.

Ex 12:37 – Partiram os filhos de Israel de Ramesses para SUKKOTH, coisa de seiscentos mil de pé, somente de varões.
Num 33:5 – Partidos, pois, os filhos de Israel de Ramesses, acamparam-se em SUKKOTH.
Ex 13:20 – Assim partiram de SUKKOTH, e acamparam em Etam, à entrada do deserto.

Esta é o único momento na narrativa do êxodo e da caminhada pelo deserto que aparece a palavra SUKKOTH.

Acontece que é também aqui que aparece pela primeira vez a nuvem que protegeu/cobriu Israel na sua fuga dos inimigos e que os guiou no deserto.

Rabi Akiba interpretou o termo não como um (nome de) lugar, mas à luz do versículo: os israelitas partiram de SUKKOTH, isto é das nuvens em que tinham estado acampados e que depois os conduziram pelo deserto. A SUKKAH simboliza a nuvem de glória debaixo da qual viveu a geração do êxodo. Segundo a interpretação rabínica, a SUKKAH é símbolo da nuvem de glória do Senhor e a festa representa a experiência de viver na sua sombra.

Ainda, a proximidade entre SUKKOTH e o dia da Expiação (YOM KIPPUR), que fala de remissão dos pecados, a SUKKAH restaura o relacionamento harmonioso e amoroso entre Deus e seu povo. Debaixo da SUKKAH, a pessoa está na presença de Deus porque o pecado foi perdoado e o relacionamento restaurado, e por isso pode alegrar-se.


Uma última questão relaciona-se com a cronologia: a duração da festa, 7 dias, corresponde à duração da estadia dos israelitas em SUKKOTH?

É possível, nenhuma data específica é mencionada entre o dia 15 do 1º mês em que iniciaram a saída (Num 33:3) e o dia 15 do 2º mês já depois de terem atravessado o mar (Ex16:1).

É possível, porque foi o lugar em que todos os israelitas se juntaram, provavelmente vindo de lugares diferentes, antes de verdadeiramente iniciar a caminhada e  – presume-se – terão necessitado de alguns dias para tomar medidas organizacionais e logísticas para um tão grande grupo de refugiados, para usar um termo atual.

O nome dado ao lugar, SUKKOTH, além de se referir à proteção do Senhor, poderá também ser o nome dado a este primeiro acampamento, porventura muito improvisado e rudimentar, um mero refúgio no deserto, por causa da pressa com que tiveram de fugir.

A festa dos pães asmos tem a mesma duração de 7 dias. Ambos são memoriais da libertação do Egipto (Ex 12:39-42; Lv 23:49-43) mas com um foco diferente.

Possível, mas certamente tem igualmente um significado simbólico relacionado com o número sete.


Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Omnipotente descansará. Direi do Senhor: Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza, e nele confiarei (Salmo 91:1-2).


Bibliografia

Jeffrey L. RUBENSTEIN, The symbolism of the Sukkah. Judaism 43 (1994). Disponível em https://as.nyu.edu/content/dam/nyu-as/faculty/documents/SymbolismSukka.pdf

James JORDAN, The Oddness of the Feast of Booths. Biblical Horizons Newsletter 90 (December 1996)

Léxicos de Gesenius e Strong's (www.blueletterbible.org)

20/06/2019

QUANDO COMEÇA O DIA? (revisto)


Gn 1:14-18 – Haja luminares na expansão dos céus, para haver separação entre o dia e a noite; e sejam eles para sinais e ara tempos determinados e para dias e anos. […] o luminar maior para governar o dia e o luminar para governar anoite; e fez as estrelas […] para governar o dia e a noite, e para fazer separação entre a luz e as trevas.

Os astros – sol, lua, planetas e estrelas – funcionam como um relógio gigante. Mas acontece que todos estes astros têm ciclos diferentes, não coincidentes, em relação à terra, o que resulta em sistemas diferentes de calendário.

Distinguem-se dias, semanas, meses, e anos.

A unidade mais pequena é o dia.

Primeiramente, dia está associado à luz. Gn 1:5 – E Deus chamou à luz Dia (YOM); e às trevas Noite (LAYILA). Portanto, no sentido mais estrito, dia é o período em que há luz. Jo 11:9 – Não há doze horas no dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo.

A palavra dia também é usada no sentido de um período de 24 horas, ou seja, um dia como a revolução da terra sobre o seu próprio eixo (Gn 1:5, 8,13, 19, 31). Por exemplo, em Josué 10:13 – E o sol se deteve, e a lua parou … o sol, pois, se deteve no meio do céu, e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro. O sentido de dia aqui é de uma duração mais prolongada do que 12 horas, que poderá ser de um dia inteiro de 24 horas, que inclui o dia e a noite.

Entre o dia e a noite, e entre a noite e o dia, há períodos de transição naturais, observáveis: a manhã (BOKER), que põe fim à noite, e a tarde (EREB), ao pôr-do-sol que põe fim ao dia. Dt 16:6 – sacrificarás a páscoa, à tarde (EREB), ao pôr-do-sol … Depois do por-do-sol e antes da noite plena há um período de crepúsculo. É quando se acendem as lâmpadas no santuário (Ex30:8). É quando as moças saíam a tirar água, depois do calor do dia (Gn 24:11). O mesmo acontece no início do dia, há um período de alva entre o fim da noite e o dia pleno: a ‘manhã’ (BOKER).

Jos 8:29 – ao rei de Ai enforcou num madeira, até à tarde (EREB); e ao pôr-do-sol ordenou que o seu corpo se tirasse do madeiro.

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Em relação ao dia, uma questão que se coloca é se o novo dia começa à tarde, com o por-do-sol ou se começa de manhã.

Assume-se geralmente que o dia bíblico começa à tarde com o pôr-do-sol. E há várias evidências que apoiam isto. Por outro lado, também há evidências que indicam que se entendia que o dia começava de manhã e terminava na manhã do dia seguinte. Também é possível, mesmo provável, que os dois sistemas eram utilizados simultaneamente. Isto porque o calendário utilizado era um calendário misto, lunissolar, governado em parte pelo sol e em parte pela lua.


Evidências de que o dia começava à tarde.

Os meses eram governados pela lua. E a lua começa a ser visível no céu ao fim do dia, à tarde, mesmo antes do por-do-sol.

O calendário das festas ou solenidades era governado pela lua, como se pode ver pelo uso da palavra MO’ED, no plural MO’ADIM).

Gn 1:14 – Haja luminares na expansão dos céus … ; e sejam eles para sinais e para tempos determinados (MO’ADIM) e para dias e anos.

Lv 23:2, 4 – As solenidades (MO’ADIM) do Senhor que convocareis serão santas convocações; estas são as minhas solenidades (MO’ADIM) […] que convocareis no seu tempo determinado (MO’ED).

Também a celebração da páscoa e dos asmos indicam que o dia começa à tarde, ao por-do-sol:

Ex 12:18 – No primeiro mês, aos 14 dias do mês à tarde, comereis pães asmos …
Lv 23:5 – No mês primeiro, aos 14 do mês, pela tarde, é a páscoa do Senhor
Ex 12:8 – Naquela noite comerão a carne assada no fogo, com pães asmos
Ex 12:29 – E aconteceu que, à meia-noite, que o Senhor feriu a todos os primogénitos na terra do Egipto
Ex12:42 – Esta noite se guardará ao Senhor, porque nela os tirou da terra do Egipto
Ex12:17 – Guardai a festa dos pães asmos, porque naquele mesmo dia, tirei os vossos exércitos da terra do Egipto.
Num 33:3 – Partiram de Ramesses no dia 15 do primeiro mês; no dia seguinte à páscoa, saíram os filhos de Israel aos olhos de todos os egípcios
Lv 23:6 – Aos 15 dias deste mês, é a festa dos asmos do Senhor; 7 dias comereis asmos.

A páscoa era sacrificada à tarde, ao por-do-sol, do dia 14. À noite, comiam a carne. E naquela mesma noite, que já é designada como dia 15, saíram do Egipto. A refeição daquela noite era também a primeira com pães asmos, portanto pertence ao primeiro dia dos 7 dias da festa.

O mesmo é o caso da celebração do dia da expiação, que era um dia de jejum (afligireis as vossas almas). Lv 23:32 – aos 9 do mês à tarde, de uma tarde a outra tarde, celebrareis o vosso sábado (SHABBATH); ou seja, do pôr-do-sol até ao pôr-do-sol do dia seguinte. Lev 23:32 – Sábado de descanso vos será, então afligireis as vossas almas; … de uma tarde (EREB) a outra tarde (EREB), celebrareis o vosso sábado.

Ne13:19 - Sucedeu que dando as portas de Jerusalém já sombra antes do sábado, ordenando-o eu, as portas se fecharam; e mandei que as não abrissem até passado o sábado.

Em Neemias é claro que o sábado começava à tarde.


Evidências de que o dia começava de manhã.

Por outro lado, há várias passagens que indicam que um novo dia começa de manhã; a noite que precede essa manhã ainda pertence ao dia anterior.

Isto é uma lógica natural, que resulta da observação do sol.

Gn 19:33-34 – naquela noite, veio a primogénita [de Loth] e deitou-se com seu pai… No outro dia, a primogénita disse à menor: eu já ontem à noite me deitei com meu pai

Lv 7:15 – A carne do sacrifício de louvores, da sua oferta pacífica, se comerá no dia do seu oferecimento; nada se deixará dela até à manhã (BOKER). (ver também Lv 22:30)

Jz 19:9 -  … já o dia se abaixa, e já a tarde vem entrando … peço-te que aqui passes a noite … e amanhã de madrugada levantai-vos a caminhar.

1Sam 19:11 – Saul mandou mensageiros à casa de David, que o guardassem, e o matassem pela manhã: do que Mical, sua mulher, avisou a David, dizendo: se não salvares a tua vida esta noite, amanhã te matarão.

At 4:3 – E lançaram mão deles, e os encerraram na prisão até ao dia seguinte, pois já era tarde.
Ver ainda Atos 20:7-11 e 23:31-32

Em todos estes versículos, o dia é considerado como começando de manhã.

E parece também ser o caso de Ex 16, que conta a história do maná, onde inclusive o sábado é contado a partir da manhã do dia em que não há maná.

O maná aparecia com o orvalho, pela manhã (v.14), e colhia-se logo pela manhã. Ao 6º dia colheram pão em dobro (v.22). Vs.23-27 – Amanhã (MACHAR) é repouso, o santo sábado do Senhor: o que quiserdes cozer no forno, cozei-o, e o que quiserdes cozer em água, cozei-o em água; e, tudo o que sobejar, ponde em guarda para vós, até a manhã (BOKER). E guardaram-no até a manhã (BOKER) como Moisés tinha ordenado … Então disse Moisés: Comei-o hoje, porquanto hoje é o sábado do Senhor; hoje não o achareis no campo. Seis dias o colhereis, mas o sétimo dia é sábado; nele não haverá. E aconteceu, ao sétimo dia, que alguns do povo saíram para colher, mas não o acharam.

Como o episódio do maná aconteceu logo no início da partida do Egipto, ainda as regulações acerca das festas e solenidades (MO’ADIM- Lv 23) não terão sido dadas, o sábado ainda era percebido como começando de dia seguido de noite.

E ainda, se é necessário o texto bíblico salientar que o sábado (isto é o ‘descanso’ SHABBATH) se celebra de uma tarde a outra tarde (Lv 23:32), isto parece implicar que o caso do sábado é diferente dos outros dias. O natural é o dia começar de manhã.

Ainda em apoio a isto é Num 28:3-4 e Ex 29:38-42 que falam do holocausto contínuo: a oferta, cada dia, de dois cordeiros de um ano. Um cordeiro sacrificarás pela manhã e o outro cordeiro sacrificarás de tarde. A este respeito, também Josefo, ao explicar o sacrifício contínuo, diz que um cordeiro de um ano é sacrificado todos os dias, no início e no fim do dia (Ant.3.10.1), significando que para ele o dia terminava com o por-do-sol.


Génesis 1

Com base em Génesis 1, assume-se, geralmente, que no calendário bíblico o dia começava à tarde: foi a tarde e a manhã o dia primeiro, segundo, etc. Mas será esta a leitura correta?

Olhemos novamente para Génesis 1:5 e distinguimos bem as palavras:

Gn 1:5 - E Deus chamou à luz dia (YOM), e às trevas chamou noite (LAYILA). E foi a tarde (EREB) e a manhã (BOKER), o primeiro dia.

EREB é o ponto de intersecção que termina a parte do dia em que há luz do sol, e BOKER é o ponto de intersecção que termina a noite para o começo de um novo dia de luz. EREB não é sinónimo de noite. BOKER não é sinónimo de dia.

O versículo não diz que é a parte das trevas ou noite (LAYIL) que antecede a parte da luz ou dia (IOM) para fazer o primeiro dia. Mas lemos que EREB (pôr-do-sol ou tarde) vem primeiro, e BOKER (manhã ou madrugada) vem depois. EREB e BOKER não são a mesma coisa que o dia/luz e trevas/noite, mas são apenas períodos curtos de transição entre dia/noite e noite/dia respetivamente.

Parafraseando Gn 1:5 – Deus chamou à luz dia e às trevas noite. E veio a tarde/o pôr-do-sol, e depois veio a manhã/madrugada. E assim terminou o primeiro dia.

O primeiro dia (como todos os outros dias) tem esta sequência: Dia/luz – EREB/pôr-do-sol – noite/trevas – BOKER/manhã.

O Comentário do Velho Testamento de Keil & Delitzsch parece-me ser o único que tem esta interpretação.

Todos os outros comentários assumem à partida que em Gn 1:5 dia (YOM) e manhã (BOKER) são a mesma coisa, bem como noite e tarde, baseando-se no pressuposto não questionado de que os judeus contam os dias de uma tarde à outra tarde. E interpretam todos Lev 23:32 como referindo-se de a todos os dias semana, enquanto o contexto deixa bem claro que o que se trata neste versículo é a celebração do sábado (descanso) da festa, neste caso do dia da expiação que é celebrado de uma tarde a outra tarde.

«Deve observar-se que os dias da criação são delimitados pela chegada da tarde e da manhã. O primeiro dia não consistia nas trevas iniciais e na origem da luz, mas foi formado depois da criação da luz pela primeira permuta de tarde e manhã. […] Só depois de a luz ter sido criada, e a separação da luz e das trevas ter acontecido, é que veio a tarde, e depois da tarde a manhã; e esta vinda da tarde (lit., o obscuro) e da manhã (o surgir) formaram um, ou o primeiro dia. Resulta disto é que os dias da criação não são contados da tarde à tarde, mas da manhã à manhã. O primeiro dia não termina completamente até que a luz regressa depois da escuridão da noite; A primeira transição da luz e das trevas só é completa ao nascer de uma nova manhã. […] O primeiro dia começou no momento em que Deus causou que a luz rompesse das trevas; mas esta luz não se tornou um dia até que viesse a tarde e depois a noite, e que a noite desse lugar na manhã seguinte ao romper do dia. […] porque manhã não é equivalente a dia, nem a tarde à noite. O modo de contar os dias de tarde à tarde na lei mosaica (Lev 23:32), e por muitas outras antigas tribos e povos resulta não dos dias da criação, mas do hábito de regular as estações pelas mudanças da lua.» (traduzido de Keil and Delitzsch Biblical Commentary on the Old Testament)


Concluindo, podemos dizer que as duas maneiras de ver o dia coexistiam. A ordem mais natural era  em atenção ao sol, cujo nascer dá início ao dia, mas os sábados e as solenidades, regidos pelo calendário lunar, começavam à tarde, com o avistar da lua, ao por-do-sol.

Há uma naturalidade nisto, até simples bom senso: o normal é que de dia se trabalha e de noite se descansa. O descanso segue ao trabalho, não o antecede. Mas o descanso do 7º dia segue ao fim do 6º dia de trabalho, portanto, o sábado (palavra que significa literalmente descanso) começa então logicamente ao por-do-sol do 6º dia.

01/05/2019

O SUMO-SACERDOTE (5): DE JESHUA A JADUA


Neemias 12:10-11 – E JESHUA gerou a JOIAQUIM, e Joiaquim gerou a ELIASIB, e Eliasib gerou a JOIADA. E Joiada gerou a JÓNATAS, e Jónatas gerou a JADUA.

Estes são os últimos sacerdotes mencionados no texto bíblico, sem contar Anás e Caifás no Novo Testamento.

Durante o exílio, não havendo templo, não havia um lugar para o sacerdote desempenhar as suas funções. Porém, a linhagem familiar foi preservada. E JESHUA, filho de Jozadaque, filho de Seraías (o último sacerdote em Jerusalém antes da destruição), estava entre os que voltaram primeiro a Jerusalém, com Zorobabel (Ed 3:2).

Seraías fora morto por Nabucodonosor (2Rs 25:18-21; Jr 52:24-27) e Jozadaque, seu filho, levado em cativeiro (1Cr 6:15). É possível que Jeshua já tinha nascido, mas mais provável que nasceu no exílio, não sendo mencionado entre os exilados. O cativeiro, desde a queda de Jerusalém até ao decreto de Ciro, durou cerca de 51 anos (os 70 anos contam-se a partir do 3º ano de Jeoaquim).

De Jeshua a Jadua são 6 sacerdotes. JADUA recebe Alexandre o Grande em Jerusalém, na data de 332 a.C. aproximadamente. A história é contada por Josefo, que também diz que Jadua terá morrida pouco tempo depois.

NOTA: Relativamente a este período, veja-se a página com a CRONOLOGIA DAS 7 SEMANAS e a explicação da cronologia dos eventos em Esdras, Ester e Neemias nas mensagens CRONOLOGIA 7 SEMANAS publicadas em outubro e novembro 2015.

Segundo a cronologia consensual, o decreto de Ciro aconteceu em 536 a.C. e Jadua recebeu Alexandre em Jerusalém em 332 a.C..  São 204 anos, ou uma duração média de 34 anos para cada.
Isto significa uma média de 20 anos para o sumo-sacerdócio destas seis personagens durante este período.

No entanto, cerca de 37 anos depois do regresso, no tempo de Neemias, já encontramos Eliasib como sumo-sacerdote. O que quererá dizer que já passou o período de função de Jeshua e Joiaquim. O que dá uma média de 41 anos para os 4 restantes. Um tempo bastante longo, mas ainda exequível no limite.

JESHUA é enfaticamente referido, sempre, como HA-KOHEN HA-GADHOL, literalmente o grande sacerdote, ou o sumo-sacerdote em português (Ageu 1:1, 12, 14; 2:2, 4; Zac 3:1, 8; 6:11).
Ele é o sumo-sacerdote quando regressa com Zorobabel. Ele está entre os que se levantaram, no 7º mês desse ano, para edificar o altar para oferecer os holocaustos (Ed 3:2). No 2º ano, no 2º mês, levantou-se para vigiar a obra na casa de Deus (Ed 3:8-9). Foram, porém, impedidos de continuar a obra, que cessou até o 2º ano do rei Dario (Esdras 4), isto é, cerca de 17 anos depois, no 19º ano do regresso. Incentivados pela palavra dos profetas Ageu e Zacarias, Zorobabel e Jeshua tomaram alento e começaram a edificar a casa de Deus. A construção acabou no 6º ano de Dario. O templo é dedicado no ano 24 depois do regresso.

As últimas referências a Jeshua datam do 2º ano de Dario, quando são colocados os fundamentos do templo (Esdras 5, Ageu). Jeshua aparece em duas visões de Zacarias (Zc 3 e 6:9-15), presumivelmente no 2º ano de Dario ou pelo menos antes do 4º ano (Zc 7:1).

Também da linhagem de Eleazar, filho de Seraías (o sumo sacerdote que foi morto por Nabucodonosor) e portanto irmão de Jozadaque (Ed 7:1-5), ESDRAS desempenha um papel muito ativo que parece ser o de “segundo” sacerdote, como vimos existir no período da monarquia. Ele dirige a leitura da lei no ano do regresso, no 7º mês quando todos se juntaram em Jerusalém para edificar o altar (Ed 3:1-6) e celebrar a festa dos tabernáculos (Ne 8). Ele voltou a Babilónia (embora isto não seja mencionado), de onde subiu novamente para Jerusalém no 7º ano de Artaxerxes (que já defendemos ser Dario ver mensagens sobre A CRONOLOGIA DAS SETE SEMANAS) para levar ouro e prata para ornar a casa do Senhor que acabou de ser construída no final do 6º ano de Dario, no ano anterior ao regresso de Esdras a Jerusalém. E Esdras levanta-se no caso dos casamentos com mulheres estrangeiras (Ed 9 e 10).

Não há dúvida de que o Esdras que veio com Zorobabel é a mesma pessoa que o Esdras que subiu da Babilónia 22 anos depois, no 7º ano de Artaxerxes/Dario. Isto porque em ambos os casos é designado com as duas funções de sacerdote e de escriba. Ele era “o escriba das palavras dos mandamentos do Senhor, e dos seus estatutos sobre Israel” (Ed 7:11).

            No 1º ano,7º mês:              Neemias 8:1,2, 4, 9,13  
No 7º ano:                          Esdras 7:6, 11, 21

Esdras ainda está presente na dedicação dos muros, agora apenas na qualidade de “escriba” (Ne 12:36), presumivelmente com a idade avançada de perto de 100 anos. Como filho de Seraías nasceu ainda antes da queda de Jerusalém ou muito pouco depois já no cativeiro. Do ano 3418 AH (queda de Jerusalém sob Nabucodonosor) a 3516, ano da dedicação dos muros no 32º ano de Dario, são 98 anos.

Assim também está rejeitada a teoria de que o Artaxerxes de Esdras seria Artaxerxes Longimano, que reinou depois de Xerxes (e Xerxes sucedeu a Dario).

Não sabemos exatamente quando JESHUA é sucedido por JOIAQUIM, seu filho. Mas Joiaquim não terá tido um mandato muito longo. Isto porque encontramos ELIASIB, seu filho, como sumo-sacerdote (HA-KOHEN HA-GADHOL) quando começa a reedificação do muro (Ne 3:1) depois da vinda de Neemias a Jerusalém no 20º ano de Artaxerxes (que ainda é o mesmo Dario).

ELIASIB foi sumo-sacerdote no tempo de Neemias o governador.

- ano 3515 AH.
No ano 32 de Artaxerxes/Dario, Neemias voltou para Babilónia (Ne 13:6), mas regressou novamente a Jerusalém depois de algum tempo. Quando regressou a Jerusalém, Neemias viu que o povo tinha voltado a cair em pecado. Não guardaram o sábado, deixando as portas abertas aos mercadores (Ne 13:15-22) e casaram-se com mulheres estrangeiras (Ne 13:23-29).
Também foi o caso de Eliasibe o sacerdote – que se tinha aparentado com Tobias (Ne 13:4-8) – e de um dos filhos de Joiada, filho de Eliasib – que era genro de Sambalat, o horonita (Ne 13:28). Sambalat e Tobias eram inimigos dos judeus que tinham tentado impedir a construção do muro (Ne 6).
JADUA

Josefo (Ant.11.317-339) conta que quando Alexandre o Grande estava cercando Tiro, ele escreveu ao sumo-sacerdote judeu pedindo provisões para o seu exército. O sumo-sacerdote recusou, tendo jurado fidelidade ao rei persa. Alexandre ficou muito zangado e ameaçou com uma expedição contra Jerusalém. Depois do cerco de Tiro e a conquista de Gaza, Alexandre marchou para Jerusalém. Ouvindo isto, o sumo-sacerdote Jadua ficou aterrorizado e ordenou ao povo que oferecesse sacrifícios e pedisse a Deus que os livrasse. A seguir, num sonho, Deus disse-lhe para ter coragem, adornar a cidade e abrir as portas, e que o povo, trajado de vestes brancas, e os sacerdotes nos seus trajos e ornamentos próprios, recebessem Alexandre. Assim fizeram. Saíram em procissão, os sacerdotes e a multidão do povo, e encontraram Alexandre num lugar chamado Safa, de onde se tinha uma vista sobre Jerusalém e o templo. O exército, que estava na expectativa de saquear a cidade, ficou admirado quando viu Alexandre aproximar-se do sumo-sacerdote, saudá-lo e adorar a Deus, após o que entrou pacificamente na cidade e ofereceu sacrifícios no templo. De acordo com Josefo, Alexandre disse que, quando estava na Macedônia considerando como poderia obter o domínio na Ásia, ele teve um sonho em que viu este mesmo sumo-sacerdote com as suas vestimentas, que o exortou a passar o mar, que ele lhe daria o domínio sobre a Pérsia. Ainda de acordo com Josefo, os judeus teriam mostrado a Alexandre o livro de Daniel onde estava escrito que alguém destruiria o reino dos Persas, e ele entendeu que fosse ele mesmo.

Muitos duvidam da historicidade desta narrativa porque não se encontra em nenhum outro documento escrito, mas é razoável assumir que Jerusalém foi tomada pacificamente, tendo os líderes judeus se submetido voluntariamente a Alexandre. E assim evitaram a destruição.

Jadua é uma figura bíblica; é o último sacerdote registado no livro de Neemias. É descendente de Jeshua que veio com Zorobabel a Jerusalém depois do exílio. Jeshua gerou a Joiaquim, e Joiaquim gerou a Eliasib, e Eliasib gerou a Joiada. E Joiada gerou a Jónatas, e Jónatas gerou a Jadua (Ne 12:10-11).

Para o período seguinte, temos que consultar fontes não-bíblicas.

22/04/2019

O SUMO-SACERDOTE (4): NA MONARQUIA DIVIDIDA


De Zadoc a Seraías, há doze nomes (1Cr 6:8-15).
Destes doze, poucos são os que aparecem na história bíblica, além de apresentarem algumas dificuldades de identificação. Também há sacerdotes cujos nomes não fazem parte da lista de descendentes de Eleazar mas que parecem ter sido sumo-sacerdotes. É o caso de Joiada (2Rs 11-12; 2Cr 23-24), que protegeu Joás, e de Urias (2Rs 16:10), no tempo de Acaz.

Alguns alegam que a lista em 1Cr 6 não é completa; que nomes foram omissos. A lista que Josefo dá em Antiguidades 10:151-153 dá 18 nomes de Zadoc a Jozadaque, enquanto a Bíblia regista apenas 13.

De Salomão a Zedequias são aproximadamente 429 anos e 12 sumos-sacerdotes (de Zadoc a Seraías), o que dá uma média de 35/36 anos para o sumo-sacerdócio por cada indivíduo. Parece-me exequível sem haver necessidade de alegar omissão de nomes.

Coloco aqui a lista de reis, com a lista de sacerdotes segundo 1Cr 6 e segundo Josefo. Atenção que as únicas correspondências inequívocas entre os reis e 1Cr 6 estão em letras maiúsculas.

reis
anos de reinado
1Cr 6
Josefo
Saul
Ant.10,151-153
David
Zadoc
Salomão
ZADOC
Achimas
Roboão
17
Aimaas
Azarias
Abias
3


Asa
41
Azarias
Joram
JOSAFÁ
25

Jeorão
4


Acazias
1
Joanan
Isus
Atalia
6

Axioramus
Joás
40
Phideas
Amazias
29

Sudeas
Uzias
52
Azarias
Juelus
Jotão
16
Amarias
Jotham
Acaz
16
Aitub
Urias
Ezequias
29
Nerias
Manassés
55
Zadoc
Odeas
Amom
2
Salum
Sallumus
Josias
31
HILQUIAS
Elcias
Jeoacaz
0
[Azarias]
Jeoaquim
11
Azarias
Sareas
Joaquim
0


Zedequias
11
SERAÍAS

389
Jozadaque
Josedec

Quando tentamos associar todos os sumos-sacerdotes que aparecem no relato de Reis e Crónicas com os nomes da lista de 1Cr 6 deparamo-nos com grandes dificuldades:

  • Quem é AZARIAS, filho de JOANAN, que administrou o sacerdócio na casa que Salomão tinha edificado em Jerusalém (1Cr 6:10)?

Esta é uma afirmação um pouco estranha. Não administraram todos os nomes na lista o sacerdócio no templo em Jerusalém? Ou este Azarias é realçado porque prestou serviços especialmente relevantes e que o diferem dos demais?

A maioria dos comentários identifica este AZARIAS com o sumo-sacerdote no tempo do rei Uzias, que resistiu ao rei que queria oferecer sacrifícios no templo, o que era prerrogativa dos sacerdotes (2Cr 26:16-21). Por conseguinte, Joanan é identificado como Joiada.

Olhando para a lista de reis e os anos dos seus reinados, isto é viável em termos cronológicos. JOIADA aparece no tempo em que reina Atália, salvando Joás de ser morto (2Cr 22:10-12). Joaida ainda é vivo no ano 23 de Joás (ano 3148) (2Rs 12:6-7). Morreu com 130 anos (2Cr 24:15) no tempo de Joás. Não sabemos quanto tempo ainda viveu depois, mas estimamos que tenha nascido perto do final do reinado de Salomão. Chega à idade de 30 anos durante o reinado de Asa. Joanan (se for Joiada) poderá ter sucedido ao seu pai, Azarias, filho de Aimaas, filho de Zadoc, ainda no tempo de Asa ou de Josafá. E Azarias, filho de Joanan, terá sucedido com a morte de Joanan (se este for Joiada) no tempo de Joás.

  • Mas então quem é AMARIAS no tempo do rei Josafá (2Cr 19:11)?

O único AMARIAS na lista é posterior a Joanan. Mas Josafá é anterior a Joás e Uzias… Algo não bate certo.

  • Outro sacerdote AZARIAS está presente no tempo do rei Ezequias (2Cr31:10,13). Qual é este dos três Azarias que estão na lista?

Se for o filho de Hilquias, não é possível, porque Hilquias foi o sumo-sacerdote no tempo de Josias (2Rs 22-23; 2Cr 34-35). E Josias é posterior a Ezequias.

  • No tempo de Acaz, há menção do sacerdote URIAS, nome que não vem na lista de 1Cr 6.

Poderá uma explicação ser que os sacerdotes, como há outros casos, ser conhecidos por mais do que um nome? E que ficaram conhecidos por outro nome que não está na lista? Josefo, na sua lista, usa ainda outros nomes, alguns que são gregos. E acrescentou nomes.

+++ + +++


Eu proponho outra solução para JOIADA, que passo a explicar:

Quando Jerusalém foi tomada por Nabucodonosor, no tempo de Zedequias, foram levados ao rei da Babilónia, SERAÍAS, o sacerdote primeiro, e ZEFANIAS/SOFONIAS, o sacerdote segundo, a Ribla, onde foram mortos (2Rs 25:18-21; Jr 52:24-27).

SERAÍAS era o filho de Azarias, filho de Hilquias, da linhagem de Eleazar (1Cr 6). Isto não deixa dúvidas. Nestes versículos Seraías é enfaticamente designado como HA-KOHEN HA-ROSH, literalmente “o sacerdote (HA-KOHEN) o primeiro (HA-ROSH) ”, ou seja o sumo-sacerdote.
SOFONIAS é designado “o sacerdote segundo”. Os comentários sugerem que este “sacerdote segundo” seria o substituto do sumo-sacerdote para atuar em certas ocasiões. Mas parece-me que é uma figura bem mais importante do que um substituto ocasional.

SERAÍAS, o “sacerdote primeiro” não é mencionado senão nos versículos que falam da sua morte. Nenhuma ação lhe é atribuída.

Por outro lado, SOFONIAS parece ter tido um papel muito mais ativo, e ter sido uma personagem com bastante importância. Ele aparece no livro de Jeremias em várias ocasiões (21:1; 29:25; 37:3).
Duas vezes, o rei Zedequias enviou Sofonias ao profeta Jeremias para perguntar e rogar ao Senhor por causa de Nabucodonosor (Jer 21:1-2; 37:3).

Depois que o rei Jeconias foi levado para o cativeiro (Jr 29), Jeremias escreveu uma carta aos que estavam no cativeiro. E um certo Shemaias, falso profeta no cativeiro, não gostou de que Jeremias tivesse dito que o cativeiro havia de durar muito. E escreveu uma carta a Sofonias, o sacerdote, e Sofonias leu esta carta que recebeu de Shemaias, a Jeremias (Jr 29:24-32). O que disse Shemaias na sua carta? Ele repreendeu Sofonias porque, como sacerdote encarregado da casa do Senhor, ele devia ter repreendido Jeremias e tê-lo lançado na prisão. E escreve mais acerca de Sofonias: o Senhor te pôs por sacerdote, em lugar de Joiada, o sacerdote (v.26). Porquê em lugar de Joiada?

Sofonias era filho de um sacerdote chamado Maaseias. Não era filho de Azarias, como o era Seraías, o sumo-sacerdote. E segundo as palavras de Shemaias, ele era posto por sacerdote em lugar de Joiada. Ora, o nome de Joiada não está incluído na lista dos descendentes de Eleazar (1Cr 6:4-14). Foi Joiada por alguma razão retirado, omisso ou esquecido da lista de 1Cr 6? Seria estranho, porque ele até teve um papel muito relevante no tempo de Joás ao preservar a vida deste e com isto a continuação da linhagem de David e Salomão (2Rs 11-12; 2Cr 23-24).

Ou terá Joiada sido um “segundo sacerdote”, um sacerdote de segunda ordem, e não o sumo-sacerdote, o sacerdote primeiro?

Vejamos. Joiada é repetidamente designado como “o sacerdote Joiada”. Em uma ocasião, é designado como Joiada, o chefe, HA-ROSH (2Cr 24:6), mas sem a palavra sacerdote (KOHEN). Por isso, pode significar simplesmente um “cabeça”, um “chefe” como a palavra ROSH é utilizada com muita frequência. Em 2Cr 24:11 e 2Rs 12:10, há uma frase curiosa: para ir buscar o dinheiro na arca, foi o “deputado do sumo-sacerdote com o escrivão do rei esvaziar a arca para contar o dinheiro”. Em 2Rs 12:10, sumo-sacerdote é a tradução de KOHEN HA-GADHOL, literalmente o grande (GADHOL) sacerdote; em 2Cr 24:11 está KOHEN HA-ROSH. São, portanto, expressões sinónimas para sumo-sacerdote. Note-se que nestes versículos, o sumo-sacerdote não é designado pelo nome.

Porque é que só aqui é usada a expressão sumo-sacerdote quando em todos os outros versículos é usado apenas o termo sacerdote (KOHEN) para designar Joiada? Talvez porque o sumo-sacerdote e o sacerdote Joiada não são a mesma pessoa. No versículo imediatamente seguinte (2Cr 24:12) é o rei e Joiada que davam o dinheiro aos que tinham cargo da obra na casa do Senhor. Joiada é sempre designado, quer apenas pelo seu nome próprio, quer pelo seu nome próprio e seu cargo “sacerdote”. 

Em nenhum caso o nome de Joiada é diretamente associado à expressão sumo-sacerdote.

Assim como no caso de Sofonias e Seraías, Joiada, como “sacerdote segundo”, terá tido um papel mais ativo que o “sacerdote primeiro”, uma função mais política, civil, do que propriamente religiosa, que seria função própria do sumo-sacerdote, cujo nome não nos é dito.

Agora vamos verificar todos os outros (alegados) sumos-sacerdotes que aparecem no tempo da monarquia dividida e ver como são designados:

2Cr 19:11 - No tempo de Josafat: AMARIAS, o sumo-sacerdote (KOHEN HA-ROSH)

2Cr 22:11; 23:8, 9, 14; 24:2, 20 – No tempo de Atália e Joás: JOIADA, sacerdote (KOHEN) 2Cr 24:6 – JOIADA, o chefe (ROSH)

2Cr 26:20 – No tempo de Uzias: AZARIAS, o sumo-sacerdote (KOHEN HA-ROSH)

2Rs 16:10,11, 16  - No tempo de Acaz: URIAS, o sacerdote (KOHEN)

2Cr 31:10 – No tempo de Zedequias: AZARIAS, o sumo-sacerdote da casa de Zadoc (HA-KOHEN HA-ROSH)

2Cr 31:13 – O mesmo Azarias é designado como maioral (NAGIYD) da casa de Deus. NAGIYD é traduzido de várias maneiras: príncipe, capitão, chefe.
2Rs 22:4, 8; 23:4; 2Cr 34:9 – No tempo de Josias: HILQUIAS, sumo-sacerdote (HA-KOHEN HA-GADHOL)

2Rs 25:18-21; Jr 52:24-27 – No tempo de Zedequias: SERAÍAS, o sacerdote primeiro (HA-KOHEN HA-ROSH), e ZEFANIAS/SOFONIAS, o sacerdote segundo.

Os dois nomes que não dão problemas são HILQUIAS e SERAÍAS, porque estes estão na lista dos descendentes de Eleazar, e também cronologicamente inseridos no tempo certo (1Cr 6).

Com exceção de JOIADA e URIAS, todos os outros são claramente identificados como sumo-sacerdote. E todos são nomes que vêm na lista de 1Cr 6, embora continuemos com dificuldades em encontrar correspondências cronologicamente aceitáveis.

JOIADA, cujo nome não está na lista de 1Cr 6 é sempre identificado apenas como sacerdote.

O sacerdócio de Aarão era hereditário. Todos os filhos e descendentes seriam sacerdotes. Mas não estava determinado à partida quem seria o dos filhos de Aarão que seria sacerdote em seu lugar. Os dois filhos mais velhos, Nadabe e Abiú pereceram, ficaram Eleazar e Itamar. Eleazar era o mais velho dos dois e foi consagrado sacerdote em lugar de Aarão (Ex 29:29-30; 35:19; Num 20:28). O ofício de sumo-sacerdote acabou por estreitar-se mais tarde à linhagem de Eleazar em Zadoc, graças a Finéas e à traição de Abiatar. Por isso, foi possível que Eli, descendente de Itamar, ainda fosse sumo-sacerdote (embora também nunca ele é designado assim, mas sempre apenas como sacerdote).

Acerca de SOFONIAS é dito que o Senhor o pôs por sacerdote, em lugar de JOIADA, o sacerdote (Jr 29:26). Ora, Sofonias não está na lista de 1Cr 6, e é designado como “segundo sacerdote”. O que me leva a concluir que também Joiada era um “segundo sacerdote”.

Tanto JOIADA como SOFONIAS tiveram um papel importante. Mais importante porventura que o próprio sumo-sacerdote.

Podemos entender que, sendo o sumo-sacerdócio hereditário, nem todos da linhagem de Eleazar terão sido figuras fortes, intervenientes na vida política e social. E em certos momentos da história, outro sacerdote de segunda ordem, sem tomar a designação de “sumo-sacerdote”, acabou na realidade por ser a figura sacerdotal principal com um papel ativo na vida do reino. Limitando talvez o sumo-sacerdote à ação ritual religiosa.

Vemos isto também durante o exílio. Jozadaque, filho de Seraias, foi levado cativo quando o Senhor levou presos os judeus pela mão de Nabocudonosor (1Cro 6:15). Nada mais ficamos a saber a respeito de Jozadaque, supostamente o sumo-sacerdote no exílio. Como não havia templo, este também não podia desempenhar a sua função ritual no templo. Mas não foi EZEQUIEL, filho de Buzi, o sacerdote, o verdadeiro sacerdote no exílio (Ez 1:3)?

E quando olhamos para a figura de ESDRAS depois do exílio. Nos primeiros anos, JESHUA é indubitavelmente o sumo-sacerdote, embora provavelmente durante poucos anos. Mas de seu filho JOIAQUIM, nada ficamos a saber. Por outro lado, Esdras, o sacerdote e também escriba, desempenha um papel importante em várias ocasiões para preservar a espiritualidade do povo, isto no tempo de Jeshua e ainda no tempo de Eliasib, filho de Joiaquim. Não terá Esdras sido também um segundo-sacerdote?