13/11/2016

DE CIRO A JESUS (4) Meu Senhor demora-se?

Embora não tenha conseguido apresentar um argumento bíblico sólido e incontornável contra a cronologia consensual longa, estou convencida de que a profecia de Daniel é correta em termos do tempo e que a cronologia consensual deve ser revista no período persa (ver anteriores mensagens da série De Ciro a Jesus). Não seria Deus mentiroso…
Ou poderá ser que a cronologia ptolemaica está, afinal, correta e alguma coisa ainda nos escapa?
Terá o tempo sido um pouco mais longo do que o anunciado? Mas como justificar esta delonga?
A divisão das 70 semanas em 3 períodos (7, 62 e 1) deixa aberta a possibilidade de inserir tempo adicional, sem desfazer o seu significado simbólico.
O texto hebraico (v.24) fala em setenta shabu´im (plural). Shabua (singular) significa semana e pode ser uma semana de sete dias ou uma semana de sete anos). A palavra hebraica “semanas” tem duas formas de plural: masculino e feminino[1]. A forma masculina é corporativa, enquanto a feminina coletiva. Isto é: semanas no feminino referem-se a uma acumulação ou coleção de semanas individuais, e semanas no masculino, à totalidade das semanas, de forma a que as 70 semanas (masculino) formam um bloco, uma unidade. Este é o caso aqui.
Simbolicamente, formam de facto um bloco, uma unidade. Mas significará isto que literalmente formam um bloco?
As primeiras sete semanas foram literalmente cumpridas. Também a 70ª semana está bem definida, começando com o baptismo de Jesus, no meio da semana a crucificação e no fim da semana, possivelmente, a total abertura da aliança aos gentios. Resta o bloco de 62 semanas, que segundo a cronologia consensual se nos apresenta como mais longo do que a revelação profética dá a entender.
Já vimos que há boas razões para crer que no tempo de Jesus os judeus estavam efetivamente à espera do Messias e que esta expectativa só faz sentido se tivessem contado os anos.
Por outro lado, continua a existir o obstáculo do excesso de 80 anos e parece não haver outra solução do que inserir um lapso de tempo.
É possível que o bloco de 62 semanas não conte literalmente 434 anos? Que foi prolongado? Mas como justificar isto?
James Jordan sugere[2] que os judeus sabiam, pela profecia de Daniel, que o Messias viria e efetuaria juízo sobre a sua cidade. De acordo com o tempo dado na profecia esperavam que isto acontecesse por volta do ano 50 a.C. Quando não aconteceu, o injusto continuou fazendo injustiça, e o imundo sendo injusto, enquanto o justo continuou na prática da justiça e o santo a santificar-se (Ap 22:11). Assim, os fiéis continuavam fielmente a esperar, o que explicaria a elevada idade de Simeão e Ana. Ana tinha 84 anos quando viu o recém-nascido Jesus no templo. E Simeão, a quem o Espírito Santo tinha revelado que não passaria pela morte antes de ver o Cristo do Senhor, também era avançado em idade. Estes foram servos fiéis, que ficaram vigilantes mesmo quando o Senhor tardou em vir.
A Demora do Senhor é um tema importante e recorrente em toda a Bíblia. Quando Ele tarda em vir, a fé dos homens é provada. A Bíblia dá-nos vários exemplos.
A longa espera de Abraão por um descendente prometido. O Senhor “tardou” até que todas as possibilidades humanas de gerar um filho se tivessem completamente esgotadas.
E há o exemplo de Saul e Samuel. Samuel tinha ordenado a Saul para descer a Gilgal e ali esperar por Samuel sete dias, até que este viesse e lhe declararia o que havia de fazer (1 Sm 10:9). Chegado a Gilgal, Saul esperou sete dias segundo o prazo determinado por Samuel. Mas aconteceu que Samuel não veio dentro do tempo anunciado e Saul tomou decisões erradas. Estava a oferecer os holocaustos, tarefa que não lhe competia, quando Samuel por fim apareceu. Se tivesse esperado mais um pouco … Pela sua infidelidade Saul perdeu o seu reino (1 Sm 13:8-14).
Quando o povo e os líderes de Israel não viram o Messias chegar dentro do prazo previsto, uns ficaram vigilantes à espera, outros desviaram-se da fé e renderam-se à maldade. A demora de Deus em executar juízo no tempo anunciado alarga a oportunidade para o arrependimento, mas por outro lado alarga o prazo para o endurecimento do coração e a acumulação de pecados até encher a medida. Pela sua infidelidade, fariseus, saduceus e sacerdotes de Israel encheram a medida dos seus pais (Mt 23:32) e perderam o reino, como Jesus avisou (Mt 21:43).
A Demora do Senhor em vir foi ilustrada por Jesus nas suas parábolas, alertando para a necessidade de nunca esmorecer e permanecer vigilante.
Não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-los? Digo-vos que depressa lhes fará justiça.
Contudo, quando vier o Filho do homem, achará porventura fé na terra? (Lc 18:7-8)
Os servos eram avisados para serem fiéis e prudentes, porque não sabiam em que dia viria o Senhor (Lc 13:35-40; Mt 24:45-51; 25:1-13 e 25:14-30). As dez virgens saíram para se encontrar com o noivo. Mas o noivo tardou (Mt 25:5, 19), e algumas não estavam preparadas quando ele finalmente chegou.
A demora do Ungido em manifestar-se, neste caso da profecia das Setenta Semanas, é uma possível explicação para colmatar o fosso formado pelos 80 anos de diferença entre a cronologia de Daniel e a cronologia secular.
A validade desta teoria é bem ilustrada pelo exemplo de Habacuque. Deus anunciara a Habacuque que o povo caldeu (Babilónia) estava para vir executar juízo sobre Jerusalém. Mas como podia um povo idólatra e soberbo, confiante no seu próprio poder, permanecer? era a pergunta do profeta. O Senhor respondeu-lhe:
Escreve a visão, grava-a sobre tábuas, para que a possa ler até quem passa correndo. Porque a visão ainda está para cumprir-se no tempo determinado, mas se apressa para o fim, e não falhará;
se tardar, espera-o, porque certamente virá, não tardará.
Eis o soberbo! Sua alma não é recta nele; mas o justo viverá pela sua fé (Hc 2:2-4)
Os caldeus também seriam despojados, do mesmo modo que despojaram outros. Demoraria, no entanto, bastante tempo. Setenta anos. Mas a libertação do Senhor certamente viria. E a atitude de Habacuque face à espera e possível demora foi esta:
Em silêncio devo esperar o dia da angústia que virá contra o povo que nos acomete. Ainda que a figueira não floresce, nem há fruto na vide; o produto da oliveira mente, e os campos não produzem mantimento; as ovelhas foram arrebatadas do aprisco e nos currais não há gado, todavia eu me alegro no Senhor, exulto no Deus da minha salvação (Hb 3:16b-18).
Conclusão.
Cronologicamente, parece que ainda não saímos do impasse.
Mas, em termos proféticos, a profecia de Daniel 9 foi inteiramente cumprida.
Essencialmente, esta profecia é uma promessa de cumprimento da aliança de Deus com o povo de Israel. Setenta semanas estavam determinadas sobre aquele povo e a cidade onde habitava o nome de Deus para cumprir as promessas de Deus contidas nas alianças. Historicamente falando, as promessas foram cumpridas na septuagésima semana, na pessoa de Jesus, o Ungido. Também o povo e a cidade foram agentes no cumprimento dos propósitos de Deus, porque foi através deles que Jesus – semente de Abraão – nasceu e cumpriu tudo o que estava para ser cumprido.
Na última das setenta semanas, a missão de Israel como povo da aliança terminou. O pecado foi expiado, a justiça eterna trazida, toda a visão e profecia confirmada e, por fim, um novo templo ungido. Com este novo templo, um templo espiritual – Cristo e sua igreja – uma nova era começou. O reino de Deus tinha chegado.
Por causa da nova realidade espiritual da Nova Aliança, não havia razão para as “velhas coisas” continuarem em pé. Os rudimentos da Velha Aliança tinham-se tornado antiquados e obsoletos e convinha mesmo que desaparecessem (Hb 8:13). Já não havia qualquer razão para continuar a existir um templo de pedra, porque a habitação de Deus passou a ser no interior do homem. Nem havia mais necessidade de um altar para oferecer sacrifícios: Jesus fez o derradeiro e perfeito sacrifício na cruz. E também já não havia necessidade de uma cidade terrena onde estivesse o nome e o trono do Senhor, porque Deus se adora em espírito e em verdade, e porque a igreja é a luz do mundo, a cidade edificada sobre o monte.
Com a destruição dos símbolos materiais, entretanto tornado inúteis, da Velha Aliança pereceram também aqueles que, embora tendo sido testemunhas da visitação de Deus em Cristo, não creram nele e não o receberam. Sobre eles se cumpriu a parte negativa da aliança: as maldições da lei. Jesus avisou: Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas: não vim para revogar, vim para cumprir … nem um jota ou um til jamais passará da lei até que tudo se cumpra (Mt 5:17-18). Realizadas todas as bênçãos prometidas, e cumprida toda a lei, Jesus inaugurou uma Nova Aliança no seu sangue, com um novo povo, um novo Israel, constituído por aqueles que o recebem.
A profecia das Setenta Semanas destinava-se especificamente ao povo de Israel no âmbito da Velha Aliança, e foi inteiramente cumprida. O fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê (Rm 10:4). Desde então, não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam. Porque: Todo aquele que invocar o nome do Senhor, será salvo (Rm 10:12-13).




[1] Gerhard Hasel, The Hebrew Masculine Plural for ‘Weeks’ in the expression ‘70 Weeks’ in Daniel 9:24, Andrew University Seminary Studies 31, Summer 1993: 105-118
[2] James J. Jordan, The Handwriting on the Wall, pp. 472-473.

05/11/2016

DE CIRO A JESUS (3) – À espera do Messias


A profecia das Setenta Semanas de Daniel 9 dá uma duração exata de tempo desde um ponto (desde a ordem de saída) até outro ponto (até ao Ungido) na história, dividida em três blocos (7 + 62 + 1). Nunca antes uma profecia tinha sido tão precisa quanto ao tempo da vinda do Messias. As 70 semanas têm um claro sentido simbólico (ver mensagem sobre o Jubileu messiânico (agosto 2015). Mas, se as 70 semanas tivessem um significado meramente figurativo, porquê especificar a duração da espera? Porquê interligar várias ocorrências que se podem situar no tempo e na história de modo a obter uma medida exata de tempo? Não tem lógica haver uma interpretação literal?

O calendário judaico com os ciclos sabáticos (de sete dias, sete anos e sete vezes sete anos) determinava a realidade do dia-a-dia do povo. E embora tivesse implicações simbólicas e espirituais, no dia-a-dia era uma maneira real de contar o tempo.

Seria portanto natural que os judeus fizessem contas com base na aceitação de que as 70 semanas de Daniel representavam literalmente 490 anos. Se conseguirmos encontrar no tempo de Jesus provas de que eles estavam efetivamente à espera do Messias, podemos concluir que a profecia de Daniel foi interpretada literalmente pelo povo.

A expectativa messiânica no tempo de Jesus

Há várias referências no Novo Testamento que mostram que existia entre o povo judeu, por altura em que Jesus nasceu e viveu, uma efetiva expectativa messiânica.

Havia em Jerusalém um homem justo e piedoso chamado Simeão, que esperava a consolação de Israel. O Espírito Santo tinha-lhe revelado que ele não morreria sem ver o Cristo com os seus próprios olhos. E isto aconteceu quando os pais de Jesus foram apresentar o menino no templo (Lc 2:25-35). Havia também uma profetisa chamada Ana, que chegou no templo naquela mesma hora (Lc 2:36-38). Ela falava a respeito do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém. Portanto, além de Simeão e Ana, que receberam uma revelação especial do Espírito Santo, havia em Jerusalém muitas pessoas que esperavam a redenção. Isto só se explica porque havia uma data anunciada.

O rei Herodes, quando ouviu os magos a perguntarem pelo recém-nascido Rei dos judeus, alarmou-se. Tertuliano, um dos antigos mestres da Igreja (ca.155-230), alega que os herodianos, uma facção político-religiosa apoiante da dinastia de Herodes, consideravam mesmo que Herodes era o Messias. Herodes alarmou-se (Mt 2:3), porque o verdadeiro Messias viria tirar-lhe o poder e o trono de Israel. Alarmado, sim, mas não surpreso com a notícia dos magos, Herodes foi informar-se cuidadosamente junto dos sacerdotes e escribas onde o Cristo havia de nascer. Para Herodes, o menino Jesus era um rival a abater. O facto de Herodes mandar matar todos os meninos de uma certa idade, em Belém e arredores, mostra que ele levou muito a sério a notícia do nascimento do Rei dos judeus.

Quando João Baptista apareceu no deserto anunciando que estava próximo o reino dos céus, o povo estava na expectativa, discorrendo todos no seu íntimo a respeito de João, se não seria ele, porventura, o próprio Cristo (Lc 3:15). A preocupação da comunidade religiosa em Israel era manifesta. De Jerusalém, sacerdotes e levitas foram enviados a João ao Jordão para inquirirem se ele era o Messias (Jo 1:19-21) ou se era “Elias”, o precursor do Messias como anunciado pelo último profeta Malaquias (Ml 4:5). Esta expectativa entre o povo e os sacerdotes demonstra que existia uma consciência do tempo.

Quando Jesus começou a pregar, disse: o tempo está cumprido (Mc 1:15). Isto não parece ser uma expressão genérica. A palavra grega traduzida tempo é, aqui, kairos, que indica uma porção de tempo definida e limitada, contrariamente a kronos que significa tempo em geral. Esta porção de tempo pode ser uma alusão ao tempo predeterminado e anunciado por Daniel, já que foi a única vez em que um tempo tinha sido profeticamente definido com tamanha precisão. Estavam naquele momento cumpridas as 7 e 62 semanas “até ao Ungido”. A 70ª semana – a última semana antes do jubileu messiânico – tinha dado início.

Uma vez disse Jesus às multidões: Quando vedes aparecer uma nuvem no poente, logo dizeis que vem chuva, e assim acontece … Hipócritas, sabeis interpretar o aspecto da terra e do céu e, entretanto, não sabeis discernir esta época (kairos)? (Lc 12:56), dando a entender que eles sabiam em que época estavam vivendo mas que, contudo, não a conseguiam discernir. Acerca de Jerusalém, antes de morrer, Jesus disse: Não reconheceste o tempo (kairos) da tua visitação (Lc 19:41-44). Eles estavam na expectativa, mas não reconheceram que foram de facto visitados.

O livro de Atos faz referência a várias figuras que apareceram naquela época com reivindicações messiânicas num quadro político-religioso. Estas figuras enquadram-se na expectativa mundana dos judeus daquela época, na medida em que eles viam o Messias como uma figura política forte, que os livraria do jugo de Roma. Quando os apóstolos foram presos, e no Sinédrio se discutia o que se lhes havia de fazer, Gamaliel, um fariseu, fez menção de duas outras figuras que tempos antes tiveram pretensões messiânicas. Havia um certo Teudas, que insinuara ser alguém, e ao qual se agregaram 400 homens. Mas ele foi morto e os seus seguidores dispersaram-se. Depois deste, levantou-se Judas o Galileu, a quem aconteceu a mesma coisa (At 5:33-39). Este Judas o Galileu, no ano 6 d.C, liderara uma revolta contra o regime dos procuradores romanos, mas a revolta falhou e ele foi executado.

Paulo chegou a ser confundido com o profeta egípcio (At 21:38) que sublevou e conduziu ao deserto 4.000 sicários no tempo de Félix (52-58 d.C.). Esta história é contada por Josefo. De acordo com Josefo não foram 4.000 mas 30.000 que se deixarem iludir por ele. O falso profeta egípcio levou-os para Jerusalém numa tentativa de tomar a cidade, mas foram impedidos por Félix e as tropas romanas[1].

Uma testemunha externa: Flávio Josefo

Flávio Josefo (de nome judeu, Joseph Ben Matias) era um judeu da Palestina, originário de uma família sacerdotal. Viveu de 37 a 101 d.C. No princípio da guerra romano-judaica, servia como general no exército judeu, mas foi derrotado em Jotapata e entregou-se ao general romano Flávio Vespasiano, que no ano de 69 se tornou imperador[2]. Josefo escreveu sobre a história de Israel em «Antiguidades Judaicas» e «A Guerra dos Judeus». «A Guerra dos Judeus» é uma importante fonte de informação sobre a Palestina no século I, especificamente no que diz respeito à guerra civil judaica e à guerra entre judeus e romanos, que terminou com a destruição de Jerusalém no ano 70 d.C., porque Josefo foi uma testemunha contemporânea de todos os acontecimentos.

Josefo conta de vários homens, naquele mesmo tempo, que reivindicavam ser “Cristo”. Ele menciona os mesmos que são referidos no Novo Testamento, e vários outros. Durante o governo de Félix (53-60)[3], o país estava infestado de ladrões, mágicos, falsos profetas, falsos messias, e impostores que enganavam o povo com promessas de grandes acontecimentos.

Além disso, Josefo é uma testemunha contemporânea que vem em defesa do tempo literal da profecia das Setenta Semanas. Ele dá testemunho do rigor e da veracidade das predições de Daniel, dizendo que Daniel, não só profetizou de eventos futuros, como também fizeram outros profetas, mas que também determinou o tempo do seu cumprimento (Antiguidades, cap.11.7).

Outro testemunho externo: os Manuscritos do Mar Morto

Os Manuscritos do Mar Morto são rolos e fragmentos de rolos descobertos entre 1947 e 1956 em várias cavernas em Qumran, na região do Mar Morto. Trata-se de documentos escritos em aramaico, hebraico e grego que datam aproximadamente entre 200 a.C. e 68 d.C. A versão que prevalece é que os rolos foram escritos por uma comunidade de Essénios, que vivia em Khirbet Qumran, que os esconderam nas cavernas das rochas no tempo da revolta judaica em 66 d.C. e antes de serem massacrados pelas tropas romanas. Estes manuscritos (alguns dos quais são comentários e estudos de textos da Bíblia) ajudam a compreender o que os judeus religiosos pensavam e acreditavam no final do período do Segundo Templo.

No seu geral, os textos messiânicos do Mar Morto e o conceito que têm do Messias refletem uma certa semelhança com os ensinamentos dos evangelhos e das epístolas de Paulo relativamente ao Messias, como também na maneira como ambos se fundamentam nos textos proféticos da Bíblia hebraica. A comunidade de Qumran mostrava uma esperança clara de que o Messias havia de vir brevemente.

Entre os muitos fragmentos em que existem referências à figura do Messias, há um fragmento (11Q13) que alude aos jubileus de Daniel 9[4]:

Ele (Melquizedeque) proclamará liberdade para eles, para libertá-los da [dívida] de todas as suas iniquidades. E isto [acontecerá] na primeira semana do jubileu que segue aos nove jubileus. E o dia [da expiação] é o fim do décimo jubileu no qual expiação será feita para todos os filhos de [Deus}] e para os homens da porção de Melquizedeque … Melquizedeque executará a vingança dos juízos de Deus [neste dia, e eles serão libertados das mãos] de Belial e das mãos de todos os esp[íritos do seu grupo].


Até que venha Shiloh

Havia uma profecia muito antiga que, para os judeus, revelava um tempo limite para a vinda do Messias, príncipe de Judá. O seu cumprimento no tempo de Jesus mostra que os judeus naquele tempo sabiam (ou deviam ter percebido, se tivessem olhos para ver) que o Messias estava no meio deles. Trata-se da bênção profética dada por Jacob aos seus filhos no seu leito de morte:
O ceptro não se arredará de Judá, nem o legislador de entre os seus pés, até que venha Shiloh; e a ele obedecerão os povos (Gn 49:10).

O que é que esta profecia nos diz sobre o tempo da vinda do Messias?

No meio judaico, esta profecia sempre foi considerada uma profecia messiânica. O significado da palavra Shiloh é incerto. Mas a maioria dos comentadores favorece a interpretação de que provém da raiz shalev, que significa “pacífico”, donde conhecemos a palavra shalom, apontando assim para o Messias como Príncipe da Paz[5].

Se for dada uma diferente pontuação vocálica às consoantes[6], a palavra Shiloh pode ser traduzida “de quem é”. E então podemos ler assim: o ceptro não se arredará de Judá até que venha aquele de quem é (a quem pertence) o ceptro. Esta interpretação liga Génesis 49:10 com Ezequiel 21:27 que diz: ela [a coroa] já não será, até que venha aquele a quem ela pertence de direito; a ele a darei. Ezequiel, no exílio da Babilónia, estava a profetizar que a sucessão no trono de Judá cessaria até à vinda do Messias. A coroa, que iria dentro de pouco tempo ser removida da cabeça do último rei de Judá, já não seria de ninguém até que viesse aquele a quem ela pertencia de direito. A coroa real pertence de direito ao Messias, a Jesus. Esta foi a promessa feita a David, confirmada a José (Mt 1:22-23) e a Maria (Lc 1:32).

Um ceptro é símbolo de autoridade e atributo de um rei. Judá perdera o domínio sobre a terra de Israel quando Jerusalém foi destruída por Nabucodonosor. O último rei foi para o exílio na Babilónia. Nunca mais um descendente da casa de David se sentou no trono de Israel. Não havia rei, não havia ceptro. A dinastia dos Macabeus (ou Asmoneus) e a dinastia dos Herodes que chegaram a reinar temporariamente em Israel não eram de descendência davídica. O seu ceptro não era legítimo em Israel.

Como explicar então que o ceptro não se arredou de Judá até que veio Shiloh? “Até que” indica que Judá (os judeus) manteriam a sua soberania até à chegada do Messias. Como, se o rei perdeu o seu ceptro? [7]

O ceptro, além de estar associado à autoridade de um rei, era entendido pelos rabinos como estando associado à identidade da tribo ou nação. A identidade dos judeus estava na Lei que os governava, dada por Deus, seu verdadeiro Rei, e que fazia deles um povo debaixo de autoridade (um reino teocrático). Na mente dos judeus, o ceptro estava relacionado com o seu direito de aplicar a Lei de Moisés ao seu povo (autoridade judicial), incluindo o direito soberano de vida e de morte. De acordo com Génesis 49:10, este direito não seria retirado de Judá até que viesse o Messias.

Depois da destruição de Jerusalém, e debaixo da dominação dos sucessivos impérios gentios (Babilónia, Pérsia, Grécia e Roma), Judá perdeu a sua soberania e independência política (o ceptro do rei), mas sempre manteve o seu “ceptro tribal”, ou seja a sua identidade social e religiosa como nação, com o direito de viver de acordo com a sua lei. A seguir ao regresso do exílio, foi estabelecido em Jerusalém um tribunal supremo, conhecido como o Sinédrio, composto de sacerdotes, escribas e anciãos, com extensos poderes, inclusive o poder de pronunciar a pena capital, de acordo com a lei. Exceto por uma tentativa breve de Antíoco Epífanes na época helenística[8], os dominadores gentios nunca interferiram no aspecto da religião, e a lei era a essência da sua religião.

Porém, isto mudou no ano 6 d.C. O que aconteceu?

Arquelau, filho do rei Herodes e seu sucessor como etnarca da Judeia, foi deposto e banido pelo imperador romano César Augusto, e substituído por um procurador romano, de nome Copónio. A Judeia ficou reduzida a uma simples província romana. O procedimento normal aplicado a todas as nações sob o jugo de Roma era que Roma passava a ter a prerrogativa de aplicação da pena capital[9]. O poder judiciário fora suprimido em Israel.

Isto deixou os judeus consternados. Quando os membros do Sinédrio, contemporâneos de Jesus, viram retirado o seu direito de vida e de morte foi uma desolação geral. O ceptro fora retirado de Judá e o Messias não veio! Não perceberam, contudo, que o Messias já tinha nascido e se encontrava entre eles.

É nesta condição que se encontrava a assembleia dos anciãos do povo e os principais sacerdotes (o Sinédrio) quando responderam a Pilatos a nós não nos é lícito matar ninguém (Jo 18:31). Era a lei de Roma a sobrepor-se à lei de Moisés.

Apesar disto, foi o Sinédrio que decidiu da morte de Jesus (Mt 26:3-4). Varões israelitas …vós o matastes, crucificando-o por meio de iníquos (At 2:22-23). E depois disto, ainda várias vezes os judeus transgrediram o decreto imperial, como no caso de Estêvão (At 7:57-58) e de Tiago (At 12:2). Foi difícil para o povo judeu reconhecer a perda do seu direito, do seu ceptro. Com o desaparecimento deste poder soberano, o tempo fixado pela profecia de Jacob para a vinda do Messias tinha irremediavelmente chegado. Mas o Sinédrio e a Sinagoga recusaram-se a reconhecer o Messias na pessoa de Jesus e tentaram impedir o cumprimento da profecia. Agarraram-se a este direito, cuja supressão era o sinal de que o Messias já tinha vindo.

Este facto dá indicação suficiente do conhecimento em Israel de que o tempo do Messias tinha chegado e, com isso, o cumprimento da profecia das Setenta Semanas de Daniel.

Não dá, contudo, plena confirmação se o tempo das 70 semanas é literal.

O Segundo Templo

Com um olhar retrospectivo, encontramos referências no Velho Testamento que provam que a vinda do Messias havia de acontecer no período do segundo templo (Ag 2:9; Ml 3:1), que é o templo que estava em pé no tempo de Jesus. O templo que fora reconstruído por Zorobabel e Jesua, mais tarde enriquecido por obras feitas a mando do rei Herodes mas, de facto, o mesmo templo. O santuário a ser destruído na profecia de Daniel (Dn 9:26) só pode ser aquele templo, porque a sua destruição foi consequência direta da rejeição do Ungido.

Quando estavam a construir o segundo templo, e o edifício parecia pouca coisa aos olhos do povo que se lembrava da glória do anterior templo de Salomão, o profeta Ageu disse: A glória desta última casa será maior do que a da primeira […] e neste lugar darei a paz (Ag 2:9). A glória do templo não residia na dimensão e na beleza da construção, no ouro e na prata. Porém, a glória do segundo templo ultrapassou a glória do primeiro, porque no segundo Jesus se manifestou em pessoa.

Malaquias, o ultimo profeta do Velho Testamento, na sua última mensagem (Ml 3:1), disse: Eis que eu envio o mensageiro que preparará o caminho diante de mim; de repente virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais, o Anjo da aliança, a quem vós desejais; eis que ele vem, diz o Senhor dos Exércitos. Cerca de 500 anos depois, encontramos Jesus no templo em Jerusalém – o templo que no tempo de Malaquias acabara de ser construído – a expulsar os vendilhões e a ensinar.

Embora todos os testemunhos bíblicos e extra-bíblicos apresentados acima atestem de uma manifesta expectativa messiânica na época antes, durante e ainda depois de Jesus, receio que não conseguimos provar que os 490 anos da profecia de Daniel se cumpriram literalmente. Teríamos que fazer o trabalho de rever a história.





[1] Guerras dos Judeus Livro II. Cap.13.3. Os sicários eram bandidos cujo nome tem origem no tipo de espada que usavam.
[2] A sua própria história e como passou para o campo dos romanos encontra-se no Livro III, capítulo 8 de «A Guerra dos Judeus».
[3] O mesmo Félix por quem Paulo foi ouvido em tribunal (Atos 23 e 24).
[4] Traduzido a partir de uma tradução inglesa do fragmento original, publicado por Florentino Garcia Martinez, em Messianic Hopes in the Qumran Writings, in: Florentino Garcia Martinez e Julio Trebolle Barreira, The People of the Dead Sea Scrolls, Leiden: Brill, 1995.
[5] Risto Santala, The Messiah in the Old Testament in the Light of Rabbinical Writings, 1992. Santala apresenta interpretações da tradição rabínica judaica normalmente desconhecidas para a teologia cristã. Todas ilustram que Shiloh é o Messias.
[6] O Hebraico escreve-se apenas com consoantes. Pequenos pontos e/ou tracinhos são acrescentados em cima, em baixo ou à esquerda das consoantes para indicar a vocalização. O facto de a vocalização ter sido feita posteriormente dá, por vezes, lugar a ligeiras variantes na interpretação.
[7] A explicação que apresentamos a seguir encontra-se em Abbé Augustin Lémann, Valeur de l’Assemblée qui prononça la peine de mort contre Jésus-Christ. [1876]. Os irmãos Augustin e Joseph Lémann eram israelitas convertidos ao catolicismo no final do século XIX. Puseram os seus conhecimentos do Judaísmo e do Talmudismo ao serviço da fé cristã, principalmente em meios judaicos.
[8] Perto do fim do período helenístico, Antíoco Epífanes (o homem vil de Dn 11:21-31) interferiu nos assuntos do templo e na nomeação do sumo-sacerdote; procurou abolir a prática da lei, proibiu a circuncisão, aboliu o sacrifício diário no templo e profanou o templo onde erigiu um altar ao deus grego Zeus e sacrificou uma porca. Mas depois de alguns anos o culto foi restaurado e o templo purificado graças aos Macabeus.
[9] Flávio Josefo menciona este facto em A Guerra dos Judeus, Livro 2, capítulo 7.1.

01/11/2016

DE CIRO A JESUS (2) – o período Persa

Retomando a questão levantada na mensagem anterior, como resolver a diferença de 79 anos entre a cronologia bíblica curta (Daniel 9) e a cronologia secular longa relativamente ao tempo que resta do império Persa depois do 32º ano de Dario até à conquista de Pérsia por Alexandre?

Esta é a lista dos reis persas com os respetivos anos de reinado, conforme a cronologia secular:

Ciro
Cambises
Smerdis/Gaumata
Dario I Histaspes
Xerxes
Artaxerxes I Longimano
Dario II
Artaxerxes II Memnon
Artaxerxes III Ochus
Arogus
Dario III Codomano
(538-530)
(529-522)

(521-486)
(485-465)
(464-424)
(423-405)
(404-359)
(358-338)
(337-336)
(335-332)
9
8
7 meses
36
21
41
19
46
21
2

O fundamento da cronologia secular é uma lista de reis elaborada por Ptolomeu no século II depois de Cristo. Ptolomeu era um astrónomo, matemático e geógrafo que viveu em Alexandria, de 70 a 161 d.C. Foi o autor do Sistema Ptolemaico de Astronomia. A sua obra mais importante é o Almagest, um tratado de astronomia. A lista de reis é um apêndice a este tratado. Não sendo Ptolomeu uma testemunha contemporânea do Império Persa e não dispondo de elementos suficientes para fixar as datas dos governos dos reis, usou o método astronómico de cálculo de eclipses lunares. Hoje em dia, a própria ciência põe em causa a fiabilidade dos dados relacionados com eclipses lunares, pelo que são de pouco uso no estudo da história antiga. Apesar disto, a lista de Ptolomeu permaneceu até hoje por ausência de qualquer outro estudo ou dados disponíveis.

De acordo com a cronologia de Ptolomeu, o império Persa – desde Ciro até ao seu derrube por Alexandre o Grande – tem uma duração mais longa do que pelo cálculo das semanas de Daniel. Para acertar o decreto de Ciro com os anos da profecia, a data deste decreto deveria situar-se cerca de 80 anos mais tarde na história. Em consequência disto, a duração do império Persa deveria ser encurtada.
Para o problemático período persa, a única alternativa à lista de Ptolomeu é a profecia de Daniel.

A lista de Ptolomeu é geralmente aceite e utilizada por todos os historiadores, inclusive no meio cristão, embora não esteja corroborada por várias fontes históricas mas também não contemporâneas, nomeadamente as tradições nacionais persas compiladas pelo seu poeta épico Firdusi no século X, as tradições dos Judeus preservadas no Seder Olam (relato cronológico de Adão até à revolta de Bar Kochba no reino de Adriano que serviu de fundamento ao calendário judaico) e o testemunho de Flávio Josefo, e alguns outros factos históricos que favorecem uma cronologia curta.

Escreveu o Reverendo Martin Anstey, em 1913, que seria muito melhor abandonar a cronologia ptolemaica e encaixar os acontecimentos nos 483 anos da profecia hebraica. Esta posição granjeou-lhe muitas críticas[1]. Mas podemos, com base nas Escrituras somente, refutar as alegações cronológicas que têm origem em Ptolomeu?

Se for o caso, isto significaria uma revisão de toda a história anterior a Alexandre o Grande (336-323 a.C.), pois só a partir desse tempo as datas se tornam fiáveis por testemunho de várias fontes. Esta teoria revisionista defendida por cronologistas bíblicos modernos como Anstey não é nova. Já Calvino defendia uma revisão da cronologia nos seus Comentários de Daniel.

É natural que historiadores seculares prefiram seguir Ptolomeu, mas se nós consideramos que a Bíblia diz a verdade, e querendo ser coerentes com a nossa fé, a nossa interpretação não pode seguir outra regra do que a regra de Sola Scriptura. Na generalidade, a Bíblia basta-se a si própria para interpretá-la.

Vamos procurar se há argumentos bíblicos que nos permitem refutar a cronologia ptolemaica e defender uma duração literal de 490 anos.


Trabalhando com números redondos para facilitar a compreensão, a cronologia ptolemaica apresenta uma duração de 205 anos para o império persa, desde o decreto de Ciro (datado 536 a.C. no que seria o terceiro ano de Ciro, porque os primeiros dois anos são considerados de Dario o medo como co-regente na Babilónia) até à conquista da Pérsia por Alexandre o Grande.

A data da conquista da Pérsia em 330 a.C. é dada como correta. A morte de Alexandre foi em 323.
Com o decreto de Ciro em 536 a.C., o tempo desde este até ao ano 26 d.C. (que assumimos como o ano do batismo de Jesus) são 589 anos. De acordo com a profecia de Daniel, este mesmo período teria uma duração de apenas 483 anos (69 semanas).

Contando, do batismo de Jesus, 483 anos para trás, o decreto de Ciro deveria ser datado por volta do ano 457 a.C.

Isto significa que à luz de Daniel 9, o império persa teria uma duração de apenas 126 anos, e não 205.

Para encurtar a cronologia ptolemaica seria necessário de alguma maneira retirar cerca de 79 anos à duração do império persa.

Calvino sugeriu que Ptolomeu tivesse adicionado os anos de cada rei individualmente, enquanto estes anos de facto se sobrepõem uns aos outros parcialmente, isto porque os reis enquanto ainda vivos frequentemente nomeavam já o filho como vice-rei. Seria uma maneira de encurtar o tempo, mas só a partir de Xerxes, porque o problema surge depois do reinado de Dario Histaspes (o Dario durante o reino do qual recomeçaram as obras do templo e este foi concluído, e foi reconstruído e dedicado o muro no tempo de Neemias), pois na duração dos anos de Ciro, Cambises e Dario, a Bíblia e Ptolomeu estão de acordo.

Dado que muito pouco se sabe da última parte do período persa (depois de Artaxerxes Longimano), não existe uma verdadeira história de eventos naquele período, pelo que seria possível que este período não tenha existido, pelo menos não com a Pérsia sendo o poder dominador na região. Os últimos reis da lista de Ptolomeu estariam a mais, o que não quer dizer que não tenham existido, mas podem ter sido apenas vassalos de Alexandre depois da conquista.

O que diz Daniel? Para o império persa, a lista de Ptolomeu inclui 10 reis até Alexandre o Grande. Na última visão que Daniel recebeu, no terceiro ano de Ciro (Dn 10:1), o anjo que fala com ele diz o seguinte a respeito dos reis da Pérsia:

Mas eu, no primeiro ano de Dario, o medo, me levantei para o fortalecer e animar. Agora eu te declararei a verdade: Eis que ainda três reis se levantarão na Pérsia, e o quarto será cumulado de grandes riquezas mais do que todos; e, tornado forte, por suas riquezas, empregará tudo contra o reino da Grécia.
Depois se levantará um rei poderoso que reinará com grande domínio e fará o que lhe aprouver. Mas, no auge, o seu reino será quebrado, e repartido para os quatro ventos do céu (Dn 11:1-3).

Dario o medo sendo Ciro, ainda haveria três reis depois dele: Cambises, Dario I Histaspes e Xerxes. O quarto que empregaria tudo contra o reino da Grécia seria, portanto, Artaxerxes Longimano. Mas, historicamente, a descrição do quarto rei adequa-se perfeitamente a Xerxes, o qual, de facto, empregou todas as suas forças militares contra a Grécia até sofrer um seríssimo revés na histórica batalha de Salamina, que foi o começo do fim da supremacia da Pérsia. Quando, porém, contamos o usurpador Smerdis/Gaumata entre os três primeiros reis – Cambises, Smerdis/Gaumata, Dario I -, o quarto é então Xerxes.

O rei poderoso que se levanta depois é Alexandre o Grande, cujo vasto reino foi dividido entre os seus 4 generais aquando da sua morte prematura em 323 a.C. (ver também Dn 7:6; 8:5-8, 21-22).
Isto parece indicar que Alexandre tivesse conquistado a Pérsia logo depois do reinado de Xerxes. Mas o hebraico utiliza apenas a conjunção “e” e não “depois”, pelo que não há nada que esclareça quanto tempo ou quantos reis depois. Quando adicionamos os anos de reinado dos reis persas (mantendo os valores de Ptolomeu), os quatro primeiros totalizam apenas 74 anos, muito menos ainda do que a cronologia curta prevê. Adicionar os anos dos reis incluindo Artaxerxes Longimano dá 115 anos, de modo que Alexandre teria conquistado a Pérsia no reinado de Dario II.

Além disto ainda podemos observar que é frequente as listas genealógicas na Bíblia não mencionarem todas as pessoas da linhagem, mas apenas as mais relevantes para a história ou simbologia numérica. E, na própria profecia de Daniel 9, quando diz que depois das 62 semanas o povo do príncipe viria destruir a cidade e o santuário, depois não indica quanto tempo depois.

Não nos parece, portanto, que as referências (incompletas) de Daniel 10 sobre o número de reis persas sejam argumento suficiente contra a cronologia ptolemaica, mas também não é a favor.
Temos, porém, um argumento, se tomarmos por verdadeira certa informação fornecida por Josefo na sua obra “Antiguidades dos Judeus”. Ao falar do período Persa, Josefo só refere os reis até Dario II (aquele que segue a Artaxerxes Longimano), como último rei da Pérsia. Quando Alexandre veio para conquistar Jerusalém, o povo e os sacerdotes foram recebê-lo em procissão. Naquela altura, diz Josefo, o sumo-sacerdote era Jadua.

Relembro que Josefo não é uma fonte bíblica (mas também Ptolomeu não é). E, de facto, não concordamos com Josefo noutros pontos fundamentais deste período: nomeadamente, ele situa a história de Esdras e Neemias no tempo de Xerxes, e Ester como mulher de Artaxerxes Longimano.

Mas admitamos por hipótese que Jadua era efetivamente o sumo-sacerdote em 330 a.C.

A Bíblia menciona Jadua em Neemias 12:11.

No período em questão, foram sumos-sacerdotes os descendentes de Jesua:
Joiaquim
Eliasibe
Joiada
Jónatas
Jadua

Na cronologia curta (bíblica), o número de anos desde o regresso dos Judeus a Judá até à conquista da Pérsia por Alexandre é aproximadamente de 127 anos; e do 32º ano de Dario até Alexandre, 78 anos.
Na cronologia longa (secular), o número de anos seria, respetivamente, 206 e 157.

Jesua, filho de Jeozadaque, fazia parte do primeiro grupo que voltou a Jerusalém, com Zorobabel.
Jeozadaque fora levado cativo quando Jerusalém foi conquistada por Nabucodonosor (1Cr 6:14-15). O pai de Jeozadaque, Seraías, foi morto naquela ocasião (Jr 52:24-27). Jeozadaque deve ter morrido no cativeiro, porque não há qualquer menção dele no tempo do regresso. Decorreram 50 anos entre a conquista de Jerusalém e o regresso do povo com o decreto de Ciro. Jesua é sumo-sacerdote nos primeiros anos do regresso.

As últimas referências a Jesua datam do 2º ano de Dario quando são colocados os fundamentos do templo (Esdras 5 e as profecias de Ageu e Zacarias). O templo foi terminado no 6º ano de Dario, 22 anos depois do regresso do povo a Jerusalém.

No 7º ou 8º ano de Dario, depois que Esdras subiu a Jerusalém para ornar o templo, é mencionado Joanã (ou Joiada), filho de Eliasibe, e bisneto de Jesua!, que tem uma câmara no templo. Se tem uma câmara no templo, é provável que já esteja em idade para ser sacerdote, isto é 30 anos.
Joiaquim terá sido o sumo-sacerdote a seguir a Jesua.

No 20º ano de Dario, quando Neemias veio para Jerusalém, Eliasibe, filho de Joiaquim, já é mencionado como sumo-sacerdote (Ne 3:1) e trabalha na reedificação do muro. Sendo sumo-sacerdote, ele terá certamente muito mais do que 30 anos de idade, que é a idade quando se começava o ministério.

Eliasibe ainda era o sumo-sacerdote no 32º ano de Dario, quando o muro foi concluído e dedicado e Neemias regressou a Jerusalém (Ne 13:4-7).

Nesse 32º ano de Dario, encontramos um dos netos de Eliasibe como genro de Sambalá (Ne 13:28). Portanto, a geração de Jónatas, filho de Joiada, filho de Eliasibe, já está presente e é adulta.
Jadua é filho de Jónatas.

Do 32º ano de Dario até Alexandre entrar em Jerusalém são cerca de 78 anos (cronologia curta) ou 157 anos (cronologia longa).

Será esta linhagem sacerdotal suficiente para cobrir os 157 anos da cronologia longa? Nesse caso, Joiada, Jónatas e Jadua terão tido mandatos de 50 anos cada, o que é pouco provável.

Já não é difícil encaixá-los na cronologia curta de 78 anos, favorecendo assim a cronologia bíblica e a profecia de Daniel.

Existem nos livros da Bíblia outros indícios e provas que nos permitem concluir que a cronologia curta de Daniel está correta? É possível encontrar, no tempo em que Jesus nasceu e viveu, indícios de que o povo esperava efetivamente o Messias com base nas profecias? Disto trataremos na mensagem seguinte.



[1] Anstey é criticado, nomeadamente, por Floyd Nolen Jones, cujo estudo da cronologia tem sido uma grande ajuda para mim e com que concordo em grande parte, exceto no que diz respeito a este último período. Floyd Nolen Jones rejeita o decreto de Ciro a favor do decreto de Artaxerxes Longimano como ordem de saída para as 70 semanas de Daniel. Com isto, as 7 primeiras semanas desta profecia não entram em linha de conta (nem sequer as menciona) e ele tem que utilizar datas externas, da cronologia secular, para apoiar a sua tese.