01/11/2016

DE CIRO A JESUS (2) – o período Persa

Retomando a questão levantada na mensagem anterior, como resolver a diferença de 79 anos entre a cronologia bíblica curta (Daniel 9) e a cronologia secular longa relativamente ao tempo que resta do império Persa depois do 32º ano de Dario até à conquista de Pérsia por Alexandre?

Esta é a lista dos reis persas com os respetivos anos de reinado, conforme a cronologia secular:

Ciro
Cambises
Smerdis/Gaumata
Dario I Histaspes
Xerxes
Artaxerxes I Longimano
Dario II
Artaxerxes II Memnon
Artaxerxes III Ochus
Arogus
Dario III Codomano
(538-530)
(529-522)

(521-486)
(485-465)
(464-424)
(423-405)
(404-359)
(358-338)
(337-336)
(335-332)
9
8
7 meses
36
21
41
19
46
21
2

O fundamento da cronologia secular é uma lista de reis elaborada por Ptolomeu no século II depois de Cristo. Ptolomeu era um astrónomo, matemático e geógrafo que viveu em Alexandria, de 70 a 161 d.C. Foi o autor do Sistema Ptolemaico de Astronomia. A sua obra mais importante é o Almagest, um tratado de astronomia. A lista de reis é um apêndice a este tratado. Não sendo Ptolomeu uma testemunha contemporânea do Império Persa e não dispondo de elementos suficientes para fixar as datas dos governos dos reis, usou o método astronómico de cálculo de eclipses lunares. Hoje em dia, a própria ciência põe em causa a fiabilidade dos dados relacionados com eclipses lunares, pelo que são de pouco uso no estudo da história antiga. Apesar disto, a lista de Ptolomeu permaneceu até hoje por ausência de qualquer outro estudo ou dados disponíveis.

De acordo com a cronologia de Ptolomeu, o império Persa – desde Ciro até ao seu derrube por Alexandre o Grande – tem uma duração mais longa do que pelo cálculo das semanas de Daniel. Para acertar o decreto de Ciro com os anos da profecia, a data deste decreto deveria situar-se cerca de 80 anos mais tarde na história. Em consequência disto, a duração do império Persa deveria ser encurtada.
Para o problemático período persa, a única alternativa à lista de Ptolomeu é a profecia de Daniel.

A lista de Ptolomeu é geralmente aceite e utilizada por todos os historiadores, inclusive no meio cristão, embora não esteja corroborada por várias fontes históricas mas também não contemporâneas, nomeadamente as tradições nacionais persas compiladas pelo seu poeta épico Firdusi no século X, as tradições dos Judeus preservadas no Seder Olam (relato cronológico de Adão até à revolta de Bar Kochba no reino de Adriano que serviu de fundamento ao calendário judaico) e o testemunho de Flávio Josefo, e alguns outros factos históricos que favorecem uma cronologia curta.

Escreveu o Reverendo Martin Anstey, em 1913, que seria muito melhor abandonar a cronologia ptolemaica e encaixar os acontecimentos nos 483 anos da profecia hebraica. Esta posição granjeou-lhe muitas críticas[1]. Mas podemos, com base nas Escrituras somente, refutar as alegações cronológicas que têm origem em Ptolomeu?

Se for o caso, isto significaria uma revisão de toda a história anterior a Alexandre o Grande (336-323 a.C.), pois só a partir desse tempo as datas se tornam fiáveis por testemunho de várias fontes. Esta teoria revisionista defendida por cronologistas bíblicos modernos como Anstey não é nova. Já Calvino defendia uma revisão da cronologia nos seus Comentários de Daniel.

É natural que historiadores seculares prefiram seguir Ptolomeu, mas se nós consideramos que a Bíblia diz a verdade, e querendo ser coerentes com a nossa fé, a nossa interpretação não pode seguir outra regra do que a regra de Sola Scriptura. Na generalidade, a Bíblia basta-se a si própria para interpretá-la.

Vamos procurar se há argumentos bíblicos que nos permitem refutar a cronologia ptolemaica e defender uma duração literal de 490 anos.


Trabalhando com números redondos para facilitar a compreensão, a cronologia ptolemaica apresenta uma duração de 205 anos para o império persa, desde o decreto de Ciro (datado 536 a.C. no que seria o terceiro ano de Ciro, porque os primeiros dois anos são considerados de Dario o medo como co-regente na Babilónia) até à conquista da Pérsia por Alexandre o Grande.

A data da conquista da Pérsia em 330 a.C. é dada como correta. A morte de Alexandre foi em 323.
Com o decreto de Ciro em 536 a.C., o tempo desde este até ao ano 26 d.C. (que assumimos como o ano do batismo de Jesus) são 589 anos. De acordo com a profecia de Daniel, este mesmo período teria uma duração de apenas 483 anos (69 semanas).

Contando, do batismo de Jesus, 483 anos para trás, o decreto de Ciro deveria ser datado por volta do ano 457 a.C.

Isto significa que à luz de Daniel 9, o império persa teria uma duração de apenas 126 anos, e não 205.

Para encurtar a cronologia ptolemaica seria necessário de alguma maneira retirar cerca de 79 anos à duração do império persa.

Calvino sugeriu que Ptolomeu tivesse adicionado os anos de cada rei individualmente, enquanto estes anos de facto se sobrepõem uns aos outros parcialmente, isto porque os reis enquanto ainda vivos frequentemente nomeavam já o filho como vice-rei. Seria uma maneira de encurtar o tempo, mas só a partir de Xerxes, porque o problema surge depois do reinado de Dario Histaspes (o Dario durante o reino do qual recomeçaram as obras do templo e este foi concluído, e foi reconstruído e dedicado o muro no tempo de Neemias), pois na duração dos anos de Ciro, Cambises e Dario, a Bíblia e Ptolomeu estão de acordo.

Dado que muito pouco se sabe da última parte do período persa (depois de Artaxerxes Longimano), não existe uma verdadeira história de eventos naquele período, pelo que seria possível que este período não tenha existido, pelo menos não com a Pérsia sendo o poder dominador na região. Os últimos reis da lista de Ptolomeu estariam a mais, o que não quer dizer que não tenham existido, mas podem ter sido apenas vassalos de Alexandre depois da conquista.

O que diz Daniel? Para o império persa, a lista de Ptolomeu inclui 10 reis até Alexandre o Grande. Na última visão que Daniel recebeu, no terceiro ano de Ciro (Dn 10:1), o anjo que fala com ele diz o seguinte a respeito dos reis da Pérsia:

Mas eu, no primeiro ano de Dario, o medo, me levantei para o fortalecer e animar. Agora eu te declararei a verdade: Eis que ainda três reis se levantarão na Pérsia, e o quarto será cumulado de grandes riquezas mais do que todos; e, tornado forte, por suas riquezas, empregará tudo contra o reino da Grécia.
Depois se levantará um rei poderoso que reinará com grande domínio e fará o que lhe aprouver. Mas, no auge, o seu reino será quebrado, e repartido para os quatro ventos do céu (Dn 11:1-3).

Dario o medo sendo Ciro, ainda haveria três reis depois dele: Cambises, Dario I Histaspes e Xerxes. O quarto que empregaria tudo contra o reino da Grécia seria, portanto, Artaxerxes Longimano. Mas, historicamente, a descrição do quarto rei adequa-se perfeitamente a Xerxes, o qual, de facto, empregou todas as suas forças militares contra a Grécia até sofrer um seríssimo revés na histórica batalha de Salamina, que foi o começo do fim da supremacia da Pérsia. Quando, porém, contamos o usurpador Smerdis/Gaumata entre os três primeiros reis – Cambises, Smerdis/Gaumata, Dario I -, o quarto é então Xerxes.

O rei poderoso que se levanta depois é Alexandre o Grande, cujo vasto reino foi dividido entre os seus 4 generais aquando da sua morte prematura em 323 a.C. (ver também Dn 7:6; 8:5-8, 21-22).
Isto parece indicar que Alexandre tivesse conquistado a Pérsia logo depois do reinado de Xerxes. Mas o hebraico utiliza apenas a conjunção “e” e não “depois”, pelo que não há nada que esclareça quanto tempo ou quantos reis depois. Quando adicionamos os anos de reinado dos reis persas (mantendo os valores de Ptolomeu), os quatro primeiros totalizam apenas 74 anos, muito menos ainda do que a cronologia curta prevê. Adicionar os anos dos reis incluindo Artaxerxes Longimano dá 115 anos, de modo que Alexandre teria conquistado a Pérsia no reinado de Dario II.

Além disto ainda podemos observar que é frequente as listas genealógicas na Bíblia não mencionarem todas as pessoas da linhagem, mas apenas as mais relevantes para a história ou simbologia numérica. E, na própria profecia de Daniel 9, quando diz que depois das 62 semanas o povo do príncipe viria destruir a cidade e o santuário, depois não indica quanto tempo depois.

Não nos parece, portanto, que as referências (incompletas) de Daniel 10 sobre o número de reis persas sejam argumento suficiente contra a cronologia ptolemaica, mas também não é a favor.
Temos, porém, um argumento, se tomarmos por verdadeira certa informação fornecida por Josefo na sua obra “Antiguidades dos Judeus”. Ao falar do período Persa, Josefo só refere os reis até Dario II (aquele que segue a Artaxerxes Longimano), como último rei da Pérsia. Quando Alexandre veio para conquistar Jerusalém, o povo e os sacerdotes foram recebê-lo em procissão. Naquela altura, diz Josefo, o sumo-sacerdote era Jadua.

Relembro que Josefo não é uma fonte bíblica (mas também Ptolomeu não é). E, de facto, não concordamos com Josefo noutros pontos fundamentais deste período: nomeadamente, ele situa a história de Esdras e Neemias no tempo de Xerxes, e Ester como mulher de Artaxerxes Longimano.

Mas admitamos por hipótese que Jadua era efetivamente o sumo-sacerdote em 330 a.C.

A Bíblia menciona Jadua em Neemias 12:11.

No período em questão, foram sumos-sacerdotes os descendentes de Jesua:
Joiaquim
Eliasibe
Joiada
Jónatas
Jadua

Na cronologia curta (bíblica), o número de anos desde o regresso dos Judeus a Judá até à conquista da Pérsia por Alexandre é aproximadamente de 127 anos; e do 32º ano de Dario até Alexandre, 78 anos.
Na cronologia longa (secular), o número de anos seria, respetivamente, 206 e 157.

Jesua, filho de Jeozadaque, fazia parte do primeiro grupo que voltou a Jerusalém, com Zorobabel.
Jeozadaque fora levado cativo quando Jerusalém foi conquistada por Nabucodonosor (1Cr 6:14-15). O pai de Jeozadaque, Seraías, foi morto naquela ocasião (Jr 52:24-27). Jeozadaque deve ter morrido no cativeiro, porque não há qualquer menção dele no tempo do regresso. Decorreram 50 anos entre a conquista de Jerusalém e o regresso do povo com o decreto de Ciro. Jesua é sumo-sacerdote nos primeiros anos do regresso.

As últimas referências a Jesua datam do 2º ano de Dario quando são colocados os fundamentos do templo (Esdras 5 e as profecias de Ageu e Zacarias). O templo foi terminado no 6º ano de Dario, 22 anos depois do regresso do povo a Jerusalém.

No 7º ou 8º ano de Dario, depois que Esdras subiu a Jerusalém para ornar o templo, é mencionado Joanã (ou Joiada), filho de Eliasibe, e bisneto de Jesua!, que tem uma câmara no templo. Se tem uma câmara no templo, é provável que já esteja em idade para ser sacerdote, isto é 30 anos.
Joiaquim terá sido o sumo-sacerdote a seguir a Jesua.

No 20º ano de Dario, quando Neemias veio para Jerusalém, Eliasibe, filho de Joiaquim, já é mencionado como sumo-sacerdote (Ne 3:1) e trabalha na reedificação do muro. Sendo sumo-sacerdote, ele terá certamente muito mais do que 30 anos de idade, que é a idade quando se começava o ministério.

Eliasibe ainda era o sumo-sacerdote no 32º ano de Dario, quando o muro foi concluído e dedicado e Neemias regressou a Jerusalém (Ne 13:4-7).

Nesse 32º ano de Dario, encontramos um dos netos de Eliasibe como genro de Sambalá (Ne 13:28). Portanto, a geração de Jónatas, filho de Joiada, filho de Eliasibe, já está presente e é adulta.
Jadua é filho de Jónatas.

Do 32º ano de Dario até Alexandre entrar em Jerusalém são cerca de 78 anos (cronologia curta) ou 157 anos (cronologia longa).

Será esta linhagem sacerdotal suficiente para cobrir os 157 anos da cronologia longa? Nesse caso, Joiada, Jónatas e Jadua terão tido mandatos de 50 anos cada, o que é pouco provável.

Já não é difícil encaixá-los na cronologia curta de 78 anos, favorecendo assim a cronologia bíblica e a profecia de Daniel.

Existem nos livros da Bíblia outros indícios e provas que nos permitem concluir que a cronologia curta de Daniel está correta? É possível encontrar, no tempo em que Jesus nasceu e viveu, indícios de que o povo esperava efetivamente o Messias com base nas profecias? Disto trataremos na mensagem seguinte.



[1] Anstey é criticado, nomeadamente, por Floyd Nolen Jones, cujo estudo da cronologia tem sido uma grande ajuda para mim e com que concordo em grande parte, exceto no que diz respeito a este último período. Floyd Nolen Jones rejeita o decreto de Ciro a favor do decreto de Artaxerxes Longimano como ordem de saída para as 70 semanas de Daniel. Com isto, as 7 primeiras semanas desta profecia não entram em linha de conta (nem sequer as menciona) e ele tem que utilizar datas externas, da cronologia secular, para apoiar a sua tese.

2 comentários:

  1. Gostaria de entender uma coisa .Se o alfabeto surgiu apois Moises , como Moises escreveu o TORA ? Parabens pelo seu blog , me tira muitas duvidas e me faz meditar nas escrituras !

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    1. Existiam sistemas de escrita muito antes de Moisés. É geralmente aceite que a escrita mais antiga foi inventada cerca de 3200 a.C. e há provas de escrita no tempo de Abraão. Veja o meu post Quem escreveu Génesis (julho 2016).

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