24/11/2017

JOÃO 2:20


Respondeu-lhes Jesus: Derrubai este templo, e em três dias o levantarei. Disseram-lhe então os judeus: Em quarenta e seis anos foi edificado este templo, e tu o levantarás em três dias? (Jo 2:19-20)

Estes 46 anos podem ajudar-nos com a cronologia da vida de Jesus?

O templo e o santuário

Observamos que nesta mesma passagem da purificação do templo (Jo 2:13-22), o Grego tem duas palavras diferentes traduzidas ‘templo’.

No v. 14 - No templo, Jesus encontrou os vendedores de bois, de ovelhas … - e no v. 15 - Tendo feito um chicote, expulsou todos do templo … a palavra grega é íeron (hieron).

Nos vs. 19, 20 e 21 é usada a palavra naoς (naos). Algumas versões (ex. Bíblia de Jerusalém) traduzem esta palavra como ‘santuário’.

‘Hieron’ refere-se ao inteiro recinto do templo, incluindo os átrios, os pórticos e todas as dependências, ou seja, o espaço público onde todos os israelitas podiam entrar.

O ‘naos’ é o santuário interior: o lugar santo, onde apenas os sacerdotes podiam entrar, e o santo dos santos, apenas o sumo-sacerdote uma vez no ano.

Esta diferença é clara em João que utiliza sempre ‘hieron’ (Jo 5:14; 7:28; 8:20; 18:20) e ‘naos’ apenas nesta passagem de 2:19-21. A mesma diferenciação encontramos por ex. em Mc 11:11 (hieron) e 15:38 (naos).

Segundo Josefo, Herodes empreendeu a muito grande tarefa de (re)construir o templo no 18º ano do seu reinado (Ant. 15.380). Mas numa parte do templo, nem o rei podia entrar, e Herodes não entrou no santuário porque ele não era sacerdote. Ele tratou da obra dos átrios e espaços exteriores (periboloς é o termo usado por Josefo em Guerras 1.401); e estes construiu em oito anos (Antiguidades 15.420). O santuário interior (naoς) foi construído pelos próprios sacerdotes e isto em um ano e seis meses (Ant. 15.421). Quando o ‘naos’ foi acabado de construir houve grande alegria e celebrou-se uma festa.

Portanto, deduzimos que os 46 anos indicados pelos judeus em Jo 2:20 têm referência à construção do “naos” (santuário interior) pelos sacerdotes e não do templo (hieron) na sua totalidade por Herodes.

Ainda tem a questão do verbo oikodomhjnh (Jo 2:20), que é um aorista indicativo passivo, significando literalmente “foi construído” e compreende-se melhor como já estando erguido há 46 anos, não se referindo à duração do ato de construir (Finegan § 595).

Josefo diz que a festa de celebração da obra do “naos” coincidiu com o dia da inauguração do rei (Ant. 15.423). Uma fonte extra bíblica, o Tratado Rosh Hashanah no Mishna, elucida que o Ano Novo para reis é 1 de Nisan (Finegan § 164).

Este diálogo sobre o ‘naos’ tem lugar na primeira páscoa do ministério de Jesus. A páscoa celebra-se em 14 de Nisan.

Assim, na primeira Páscoa (no mês de Nisan) do ministério de Jesus tinham passado 46 anos desde que se celebrou a edificação do “naos” do templo.
Agora trata-se de descobrir qual o ano.

Cronologia do reinado de Herodes segundo Josefo

Herodes foi nomeado rei pelos Romanos, quando Calvino e Pollione eram cônsules (Ant. 14.389). Isto é o ano 40 a.C.. Era costume em Roma designar o ano pela menção dos dois cônsules em exercício nesse ano. Os cônsules eram eleitos por um ano. Bastava a referência aos dois cônsules para determinar o ano (Finegan § 172).

Depois de um cerco de vários meses, Herodes conquista Jerusalém pela força, em outubro, no dia da Expiação (Tishri 10). O cerco começara no início desse mesmo ano – no terceiro ano desde que fora feito rei em Roma –, depois de passado o rigor do inverno (Ant. 14.465), e continuou durante o verão (Ant. 14.473).

Mas quanto ao ano em que isto aconteceu, Josefo não é coerente. Ele diz que foi no ano em que Agrippa e Gallo eram cônsules – isto seria 37 a.C. – e 27 anos depois que Pompeu conquistou Jerusalém (em 63 a.C.) – isto seria 36 a.C.

A isto acresce outra dificuldade: se o ano novo para reis é 1 de Nisan, a partir de Nisan de que ano é contado o reinado de Herodes? Nisan antes da conquista, sendo o primeiro ano um ano incompleto mas ainda assim considerado o primeiro ano? Ou a partir de Nisan depois da conquista, havendo assim um “ano de acessão” (um período de alguns meses) não contado?

Como resolver este problema?

No ano 31 a.C., em 2 de setembro, teve lugar a batalha de Actium, em que Octaviano (mais tarde conhecido como Augusto) derrota Marco António. Josefo afirma que este ano corresponde ao 7º ano de Herodes (Ant. 15.121).

Assim sendo, o 7º ano de Herodes corre de Nisan 31 a.C. a Nisan 30 a.C.

Por conseguinte, o 1º ano de Herodes começa oficialmente em Nisan de 37 a.C., a conquista de Jerusalém em outubro desse mesmo ano.

Isto também está de acordo com Ant. 14.465, onde Josefo diz que o cerco a Jerusalém começou depois do rigor do inverno, no terceiro ano desde que fora feito rei em Roma.

O 18º ano de Herodes, quando empreende a obra do templo, corresponde então a Nisan 20 a.C. a Nisan 19 a.C.

O ‘naos’ durou um ano e seis meses a construir. A festa foi celebrada em Nisan na mesma data que a da inauguração rei. Isto significa que a edificação do ‘naos’ terá sido celebrada no final do décimo-nono ano de Herodes, em Nisan de 18 a.C.

46 anos depois (Jo 2:20) leva-nos ao ano 29 d.C.,  à páscoa em que ocorre o que está descrito em João 2:13-21 e a primeira páscoa do ministério de Jesus.

Disto deduzimos que Jesus iniciou o seu ministério na páscoa de 29 d.C..

Podemos provar que isto está correto com o apoio de outros testemunhos?

O nascimento de Jesus

Nas anteriores mensagens chegámos à conclusão que Jesus nasceu em data incerta do ano 2 a.C., antes da vinda dos magos a Belém (em aprox. 25 de dezembro de 2 a.C.) e antes da morte de Herodes que ocorreu pouco depois do eclipse de 10 de janeiro 1 a.C.

Jesus foi batizado ainda ele não tinha 30 anos. Começava a ser de quase trinta anos (Lc 3:23). Tinha quase. Se nasceu em 2 a.C., tem 29 anos em 28 d.C. e completa 30 anos no ano 29 (o ano da primeira páscoa).

Jesus nasceu cerca de 5 meses depois de João Batista.

João Batista era de família sacerdotal. Começou a sua pregação no 15º ano de Tibério, entre agosto/setembro do ano 28 e agosto/setembro do ano 29, quando fez 30 anos (ver mensagem O ANO QUINZE DE TIBÉRIO, julho 2017).

Admitindo que João começou a pregar logo no início do 15º ano de Tibério (ano 28), em agosto, Jesus não podia fazer 30 anos antes de finais de janeiro/fevereiro do ano 29. Mas pode ter sido batizado por João um pouco antes, no fim do ano 28 ou princípio do ano 29, e começado o seu ministério na páscoa do ano 29 que nesse ano terá sido em 18 de abril. Este prazo dá tempo suficiente para integrar os eventos descritos por João entre o batismo e a primeira páscoa. O batismo foi imediatamente seguido pelo período de 40 dias no deserto (Mc 1:12). Depois da temporada no deserto, Jesus regressa onde João estava a batizar (Jo1:36) e este o vê passar. Dois dos discípulos de João vão atrás de Jesus e ficam com ele aquele dia (Jo1:37-42). No dia seguinte, Jesus quis ir a Galileia (Jo 1:43) e no terceiro dia, está presente nas bodas de Caná na Galileia (Jo 2:1). Depois desce a Cafarnaum (a norte do mar da Galileia) onde ficou “não muitos dias” com os primeiros discípulos antes de subir para a sua primeira páscoa em Jerusalém. Não sabemos quantos dias são “não muitos dias”, mas como João não menciona qualquer acontecimento entre Cafarnaum e a primeira páscoa, não deve ter sido um período muito longo. Pouco mais de 60 dias terão decorrido entre o batismo e a descida a Jerusalém.

Esta data de finais de janeiro/fevereiro do ano 2 a.C. para o nascimento de Jesus enquadra-se também muito bem com o recenseamento/juramento associado ao título de Pater Patriae de Augusto recebido em fevereiro de 2 a.C. (ver mensagem RECENSEAMENTO DE QUIRINO, fevereiro 2017) razão pela qual José e Maria se deslocaram a Belém.

Também Josefo faz referência a um juramento situando-o entre 12 a 15 meses antes da morte de Herodes, portanto, dentro do período em consideração: todo o povo dos judeus deu garantias da sua boa vontade para com César e o governo do rei, mas mais de 6.000 dos fariseus recusaram-se a fazer o juramento (Ant. 17.42). Tudo indica que se trata do mesmo alistamento de Lucas.

Por outro lado, esta hipótese não se enquadra com as datas astronómicas do aparecimento e progressão da “estrela de Belém” (ver mensagens A ESTRELA DE BELÉM, maio 2017). Apenas o efeito “coroa”, isto é o movimento circular visível de Júpiter por cima da estrela Régulo devido à retrogressão em 29 de novembro 3 a.C. e o retomar da sua rota normal em 29 de março 2 a.C., pode parecer uma aproximação à data de nascimento de Jesus. Mas não quero atribuir muita importância à sequência e datas dos eventos astronómicos, embora bastante extraordinários. Fora o facto de os magos terem seguido uma estrela, provavelmente o planeta Júpiter, e chegado a Belém num período em que Júpiter estava numa posição estacionária e zenital sobre Belém, o que ocorreu astronomicamente no final do ano 2 a.C., e o prazo de dois anos para baixo definido para a matança das crianças de Belém associado ao tempo do nascer da estrela (Mt 2:16), não há mais indicações bíblicas de que as datas das várias e sucessivas conjunções de planetas em 3 e 2 a.C. tenham correspondência exata com datas de concepção e nascimento de Jesus.

Na mensagem A ESTRELA DE BELÉM (3) cheguei a considerar a possibilidade de usar as datas astronómicas da progressão de Júpiter para determinar a data do nascimento de Jesus. Apresentavam-se várias alternativas: 11 de setembro de 3 a.C. (por causa de Ap 12:1), 17 de junho 2 a.C. e 25 de dezembro 2 a.C. (a interpretação tradicional). A solução melhor pareceu-me então a do nascimento em junho, quando aliada à interpretação do 6º mês da anunciação (Lc 1:26) não como o 6º mês da gravidez de Isabel mas como o 6º mês do ano. O que também anularia a necessidade de estabelecer com exatidão a semana do turno de Abias.

Agora, porém, nenhuma destas hipóteses me parece válida, quando temos em conta a referência aos 46 anos da construção do santuário.

A data de 11 de setembro (Tishri 1) 3 a.C. é defendida por alguns por analogia com Apocalipse 12:1-2. Mas em meu ver este é um versículo altamente simbólico, nem específico da figura de Maria, mas alargável a Israel e a Igreja. No limite pode-se interpretar este versículo como condensando numa só frase todo o período da gravidez, desde a concepção até ao dar à luz. Além disso, com o nascimento em 11 de setembro 3 a.C., Jesus completaria 30 anos em 28 d.C., demasiado cedo portanto, além de não se enquadrar com o 15º ano de Tibério para João Batista e existir um prazo demasiado longo entre o batismo com quase 30 anos e a primeira páscoa em 29.

Com o nascimento em junho de 2 a.C. Jesus não teria ainda 30 anos na primeira páscoa do seu ministério no ano 29. O que poderá não ser um impedimento, já que Jesus não era de família sacerdotal como João Batista e nada indica que teria obrigatoriamente que ter 30 anos. Mas Lucas 3:23 diz que Jesus começava a ser de quase trinta anos quando foi batizado e logo de seguido levado ao deserto para a tentação de 40 dias. Mas como já dissemos acima, terá havido pouco mais de 60 dias entre o batismo e a páscoa. Com estes cerca de 60 dias até à páscoa e ainda o tempo até ao mês de junho há demasiado tempo para fazer (quase) trinta anos. Portanto, esta hipótese também não se coloca. A não ser que a primeira páscoa seja no ano 30 d.C. Mas nesse caso, o tempo entre o batismo com quase 30 anos e a páscoa do ano 30 é um prazo demasiado comprido para os poucos eventos descritos em João ocorridos antes da primeira páscoa (ver também mensagem A DURAÇÃO DO MINISTÉRIO DE JESUS, setembro 2017).

Muito menos é válida a hipótese (tradicional) do nascimento em 25 de dezembro 2 a.C. Esta situaria necessariamente a primeira páscoa no ano 30.

Concluindo:
Depois de todas as mensagens ao longo do ano 2017, em que procurei estabelecer a data do nascimento de Jesus, a minha proposta é que Jesus nasceu no ano 2 a.C. em janeiro/fevereiro, por me parecer a data que melhor concilia os dados bíblicos com os extra-bíblicos, sem torcer o que diz a Bíblia para encaixar nos dados extra-bíblicos.

Bibliografia
The Works of Josephus. Translated by William Whiston. New updated edition. 1987

Jack Finegan. Handbook of biblical chronology. Revised edition 1998