Respondeu-lhes
Jesus: Derrubai este templo, e em três dias o levantarei. Disseram-lhe então os
judeus: Em quarenta e seis anos foi edificado este templo, e tu o levantarás em
três dias? (Jo 2:19-20)
Estes 46 anos podem ajudar-nos com a cronologia da vida de
Jesus?
O templo e o santuário
Observamos que nesta mesma passagem da purificação do templo
(Jo 2:13-22), o Grego tem duas palavras diferentes traduzidas ‘templo’.
No v. 14 - No templo, Jesus encontrou os vendedores de bois,
de ovelhas … - e no v. 15 - Tendo feito um chicote, expulsou todos do templo … a
palavra grega é íeron (hieron).
Nos vs. 19, 20 e 21 é usada a palavra naoς (naos). Algumas versões
(ex. Bíblia de Jerusalém) traduzem esta palavra como ‘santuário’.
‘Hieron’ refere-se ao inteiro recinto do templo, incluindo os
átrios, os pórticos e todas as dependências, ou seja, o espaço público onde
todos os israelitas podiam entrar.
O ‘naos’ é o santuário interior: o lugar santo, onde apenas
os sacerdotes podiam entrar, e o santo dos santos, apenas o sumo-sacerdote uma
vez no ano.
Esta diferença é clara em João que utiliza sempre ‘hieron’
(Jo 5:14; 7:28; 8:20; 18:20) e ‘naos’ apenas nesta passagem de 2:19-21. A mesma
diferenciação encontramos por ex. em Mc 11:11 (hieron) e 15:38 (naos).
Segundo Josefo, Herodes empreendeu a muito grande tarefa de
(re)construir o templo no 18º ano do seu reinado (Ant. 15.380). Mas numa parte
do templo, nem o rei podia entrar, e Herodes não entrou no santuário porque ele
não era sacerdote. Ele tratou da obra dos átrios e espaços exteriores (periboloς é o termo
usado por Josefo em Guerras 1.401); e estes construiu em oito anos (Antiguidades
15.420). O santuário interior (naoς) foi
construído pelos próprios sacerdotes e isto em um ano e seis meses (Ant.
15.421). Quando o ‘naos’ foi acabado de construir houve grande alegria e
celebrou-se uma festa.
Portanto, deduzimos que os 46 anos indicados
pelos judeus em Jo 2:20 têm referência à construção do “naos” (santuário
interior) pelos sacerdotes e não do templo (hieron) na sua
totalidade por Herodes.
Ainda tem a questão do verbo oikodomhjnh
(Jo 2:20), que
é um aorista indicativo passivo, significando literalmente “foi construído” e compreende-se
melhor como já estando erguido há 46 anos, não se referindo à duração do ato de
construir (Finegan § 595).
Josefo diz que a festa de celebração da obra do “naos”
coincidiu com o dia da inauguração do rei (Ant. 15.423). Uma fonte extra bíblica,
o Tratado Rosh Hashanah no Mishna, elucida que o Ano Novo para reis é 1 de
Nisan (Finegan § 164).
Este diálogo sobre o ‘naos’ tem lugar na primeira páscoa do
ministério de Jesus. A páscoa celebra-se em 14 de Nisan.
Assim, na primeira Páscoa (no mês de Nisan) do
ministério de Jesus tinham passado 46 anos desde que se celebrou a edificação
do “naos” do templo.
Agora trata-se de descobrir qual o ano.
Cronologia do reinado de Herodes segundo Josefo
Herodes foi nomeado rei pelos Romanos, quando Calvino e
Pollione eram cônsules (Ant. 14.389). Isto é o ano 40 a.C.. Era costume em Roma
designar o ano pela menção dos dois cônsules em exercício nesse ano. Os
cônsules eram eleitos por um ano. Bastava a referência aos dois cônsules para
determinar o ano (Finegan § 172).
Depois de um cerco de vários meses, Herodes conquista
Jerusalém pela força, em outubro, no dia da Expiação (Tishri 10). O cerco
começara no início desse mesmo ano – no terceiro ano desde que fora feito rei
em Roma –, depois de passado o rigor do inverno (Ant. 14.465), e continuou
durante o verão (Ant. 14.473).
Mas quanto ao ano em que isto aconteceu, Josefo não é
coerente. Ele diz que foi no ano em que Agrippa e Gallo eram cônsules – isto
seria 37 a.C. – e 27 anos depois que Pompeu conquistou Jerusalém (em 63 a.C.) –
isto seria 36 a.C.
A isto acresce outra dificuldade: se o ano novo para reis é 1
de Nisan, a partir de Nisan de que ano é contado o reinado de Herodes? Nisan
antes da conquista, sendo o primeiro ano um ano incompleto mas ainda assim
considerado o primeiro ano? Ou a partir de Nisan depois da conquista, havendo
assim um “ano de acessão” (um período de alguns meses) não contado?
Como resolver este problema?
No ano 31 a.C., em 2 de setembro, teve lugar a batalha de
Actium, em que Octaviano (mais tarde conhecido como Augusto) derrota Marco António.
Josefo afirma que este ano corresponde ao 7º ano de Herodes (Ant. 15.121).
Assim sendo, o 7º ano de Herodes corre de Nisan 31 a.C. a
Nisan 30 a.C.
Por conseguinte, o 1º ano de Herodes começa oficialmente em
Nisan de 37 a.C., a conquista de Jerusalém em outubro desse mesmo ano.
Isto também está de acordo com Ant. 14.465, onde Josefo diz
que o cerco a Jerusalém começou depois do rigor do inverno, no terceiro ano
desde que fora feito rei em Roma.
O 18º ano de Herodes, quando empreende a obra do templo,
corresponde então a Nisan 20 a.C. a Nisan 19 a.C.
O ‘naos’ durou um ano e seis meses a construir. A festa foi
celebrada em Nisan na mesma data que a da inauguração rei. Isto significa que a
edificação do ‘naos’ terá sido celebrada no final do décimo-nono ano de
Herodes, em Nisan de 18 a.C.
46 anos depois (Jo 2:20) leva-nos ao ano 29 d.C., à páscoa em que ocorre o que está descrito em
João 2:13-21 e a primeira páscoa do ministério de Jesus.
Disto deduzimos que Jesus iniciou o seu
ministério na páscoa de 29 d.C..
Podemos provar que isto está correto com o apoio de outros
testemunhos?
O nascimento de Jesus
Nas anteriores mensagens chegámos à conclusão que Jesus nasceu
em data incerta do ano 2 a.C., antes
da vinda dos magos a Belém (em aprox. 25 de dezembro de 2 a.C.) e antes da
morte de Herodes que ocorreu pouco depois do eclipse de 10 de janeiro 1 a.C.
Jesus foi batizado ainda ele não tinha 30 anos. Começava a ser de quase trinta anos (Lc
3:23). Tinha quase. Se nasceu em 2 a.C., tem 29 anos em 28 d.C. e completa 30
anos no ano 29 (o ano da primeira páscoa).
Jesus nasceu cerca de 5 meses depois de João Batista.
João Batista era de família sacerdotal. Começou a sua
pregação no 15º ano de Tibério, entre agosto/setembro do ano 28 e
agosto/setembro do ano 29, quando fez 30 anos (ver mensagem O ANO QUINZE DE
TIBÉRIO, julho 2017).
Admitindo que João começou a pregar logo no início do 15º ano
de Tibério (ano 28), em agosto, Jesus não podia fazer 30 anos antes de finais
de janeiro/fevereiro do ano 29. Mas pode ter sido batizado por João um pouco
antes, no fim do ano 28 ou princípio do ano 29, e começado o seu ministério na
páscoa do ano 29 que nesse ano terá sido em 18 de abril. Este prazo dá tempo suficiente
para integrar os eventos descritos por João entre o batismo e a primeira
páscoa. O batismo foi imediatamente seguido pelo período de 40 dias no deserto
(Mc 1:12). Depois da temporada no deserto, Jesus regressa onde João estava a
batizar (Jo1:36) e este o vê passar. Dois dos discípulos de João vão atrás de
Jesus e ficam com ele aquele dia (Jo1:37-42). No dia seguinte, Jesus quis ir a
Galileia (Jo 1:43) e no terceiro dia, está presente nas bodas de Caná na
Galileia (Jo 2:1). Depois desce a Cafarnaum (a norte do mar da Galileia) onde
ficou “não muitos dias” com os primeiros discípulos antes de subir para a sua primeira
páscoa em Jerusalém. Não sabemos quantos dias são “não muitos dias”, mas como
João não menciona qualquer acontecimento entre Cafarnaum e a primeira páscoa,
não deve ter sido um período muito longo. Pouco mais de 60 dias terão decorrido
entre o batismo e a descida a Jerusalém.
Esta data de finais de janeiro/fevereiro do ano 2 a.C. para o
nascimento de Jesus enquadra-se também muito bem com o recenseamento/juramento
associado ao título de Pater Patriae de Augusto recebido em fevereiro de 2 a.C.
(ver mensagem RECENSEAMENTO DE QUIRINO, fevereiro 2017) razão pela qual José e
Maria se deslocaram a Belém.
Também Josefo faz referência a um juramento situando-o entre 12
a 15 meses antes da morte de Herodes, portanto, dentro do período em
consideração: todo o povo dos judeus deu garantias da sua boa vontade para com
César e o governo do rei, mas mais de 6.000 dos fariseus recusaram-se a fazer o
juramento (Ant. 17.42). Tudo indica que se trata do mesmo alistamento de Lucas.
Por outro lado, esta hipótese não se enquadra com as datas astronómicas
do aparecimento e progressão da “estrela de Belém” (ver mensagens A ESTRELA DE
BELÉM, maio 2017). Apenas o efeito “coroa”, isto é o movimento circular visível
de Júpiter por cima da estrela Régulo devido à retrogressão em 29 de novembro 3
a.C. e o retomar da sua rota normal em 29 de março 2 a.C., pode parecer uma
aproximação à data de nascimento de Jesus. Mas não quero atribuir muita
importância à sequência e datas dos eventos astronómicos, embora bastante
extraordinários. Fora o facto de os magos terem seguido uma estrela,
provavelmente o planeta Júpiter, e chegado a Belém num período em que Júpiter
estava numa posição estacionária e zenital sobre Belém, o que ocorreu
astronomicamente no final do ano 2 a.C., e o prazo de dois anos para baixo definido
para a matança das crianças de Belém associado ao tempo do nascer da estrela (Mt
2:16), não há mais indicações bíblicas de que as datas das várias e sucessivas conjunções
de planetas em 3 e 2 a.C. tenham correspondência exata com datas de concepção e
nascimento de Jesus.
Na mensagem A ESTRELA DE BELÉM (3) cheguei a considerar a
possibilidade de usar as datas astronómicas da progressão de Júpiter para
determinar a data do nascimento de Jesus. Apresentavam-se várias alternativas: 11
de setembro de 3 a.C. (por causa de Ap 12:1), 17 de junho 2 a.C. e 25 de
dezembro 2 a.C. (a interpretação tradicional). A solução melhor pareceu-me então
a do nascimento em junho, quando aliada à interpretação do 6º mês da anunciação
(Lc 1:26) não como o 6º mês da gravidez de Isabel mas como o 6º mês do ano. O
que também anularia a necessidade de estabelecer com exatidão a semana do turno
de Abias.
Agora, porém, nenhuma destas hipóteses me parece válida, quando
temos em conta a referência aos 46 anos da construção do santuário.
A data de 11 de setembro (Tishri 1) 3 a.C. é defendida por
alguns por analogia com Apocalipse 12:1-2. Mas em meu ver este é um versículo
altamente simbólico, nem específico da figura de Maria, mas alargável a Israel
e a Igreja. No limite pode-se interpretar este versículo como condensando numa
só frase todo o período da gravidez, desde a concepção até ao dar à luz. Além disso,
com o nascimento em 11 de setembro 3 a.C., Jesus completaria 30 anos em 28 d.C.,
demasiado cedo portanto, além de não se enquadrar com o 15º ano de Tibério para
João Batista e existir um prazo demasiado longo entre o batismo com quase 30
anos e a primeira páscoa em 29.
Com o nascimento em junho de 2 a.C. Jesus não teria ainda 30
anos na primeira páscoa do seu ministério no ano 29. O que poderá não ser um
impedimento, já que Jesus não era de família sacerdotal como João Batista e
nada indica que teria obrigatoriamente que ter 30 anos. Mas Lucas 3:23 diz que Jesus começava a ser de quase trinta anos
quando foi batizado e logo de seguido levado ao deserto para a tentação de 40
dias. Mas como já dissemos acima, terá havido pouco mais de 60 dias entre o
batismo e a páscoa. Com estes cerca de 60 dias até à páscoa e ainda o tempo até ao mês de junho há demasiado tempo para fazer (quase) trinta anos. Portanto, esta hipótese também não se coloca. A
não ser que a primeira páscoa seja no ano 30 d.C. Mas nesse caso, o tempo entre
o batismo com quase 30 anos e a páscoa do ano 30 é um prazo demasiado comprido
para os poucos eventos descritos em João ocorridos antes da primeira páscoa
(ver também mensagem A DURAÇÃO DO MINISTÉRIO DE JESUS, setembro 2017).
Muito menos é válida a hipótese (tradicional) do nascimento
em 25 de dezembro 2 a.C. Esta situaria necessariamente a primeira páscoa no ano
30.
Concluindo:
Depois de todas as mensagens ao longo do ano 2017, em que
procurei estabelecer a data do nascimento de Jesus, a minha proposta é que Jesus
nasceu no ano 2 a.C. em janeiro/fevereiro, por me parecer a data que melhor
concilia os dados bíblicos com os extra-bíblicos, sem torcer o que diz a Bíblia
para encaixar nos dados extra-bíblicos.
Bibliografia
The Works of Josephus.
Translated by William Whiston. New updated edition. 1987
Jack Finegan. Handbook of
biblical chronology. Revised edition 1998