Em que ano nasceu Jesus? A resposta a esta
pergunta continua a ser uma questão não totalmente resolvida.
Os primeiros
historiadores e pais da Igreja (Irineu, Clemente de Alexandria, Tertuliano,
Júlio Africano, Eusébio de Cesareia, Dionísio Exíguo, e outros nos primeiros
séculos da nossa era) apontam todos para datas entre 3 e 1 a.C.
Antes de continuarmos, uma pequena
nota sobre a numeração dos anos em a.C. (antes de Cristo) e d.C. (depois de
Cristo). Este método foi definido por um monge, chamado Dionísio Exíguo, em 525
d.C. Até então, em nações diferentes e em épocas diferentes usavam-se
calendários diferentes. Um calendário usado na igreja Cristã começava a
numeração dos anos a partir do reino do imperador Diocleciano, que era perseguidor
da igreja. Considerando inapropriado contar os anos a partir do reino de um
inimigo da Cristandade, Dionísio Exíguo escolheu contar os anos a partir da
encarnação de Jesus. Para o ano da encarnação, Dionísio aceitou o ano 753 AUC (ad urbe condita ou anno urbis conditae), isto é o ano 753 “desde a fundação da cidade”
de Roma, como ano 1 a.C. e a data da natividade em 25 de dezembro daquele ano.
O dia 1 de janeiro logo a seguir começava a nova era e o sistema designado AD
(anno Domini), “no ano do Senhor”, calendário que é hoje utilizado
universalmente.
Mais
recentemente, no século XX, muitos têm defendido uma data anterior a 4 a.C. (indo
mesmo até 12 a.C.) para o nascimento de Jesus. Isto porque é hoje geralmente
aceite (baseado em Josefo) que Herodes morreu no ano 4 a.C. e, segundo os
evangelhos, Jesus nasceu algum tempo antes da morte de Herodes.
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Como saber
em que ano nasceu Jesus?
A narrativa
bíblica é interligada com eventos e personagens da história do Império Romano,
sob cuja dominação se encontrava a Judeia no tempo de Jesus. Estas personagens
e eventos permitem-nos situar Jesus no tempo. Ou assim o deviam. O problema é
que, para sabermos as datas exatas da vida de Jesus necessitamos de conhecer
também com exatidão quando ocorreram determinados eventos históricos relatados
nos evangelhos, nomeadamente em Mateus e Lucas. E as datas destes eventos não
são totalmente esclarecidas, por insuficiência ou ausência de provas
arqueológicas e documentais. Esta falta de informação e alegadas anomalias têm
levado muitos a dizer que os Evangelhos contêm erros e inconsistências, não
sendo por isso válidos. Contudo, é preciso ter cuidado com os registos
seculares. É sabido que a década de 6 a.C. a 4 d.C. é um dos períodos mais
obscuros da história de Roma, com relatos imperfeitos e confusos e muitas
dificuldades cronológicas.
Nós assumimos
que a Bíblia é um relato histórico (pelo menos) tão válido como qualquer outra
fonte. E rejeitamos as acusações que ouvimos frequentemente que os evangelhos se
contradizem e que contêm erros.
E parece-me
bem tomar em consideração o seguinte (tradução minha):
«Céticos frequentemente levantam acusação contra Lucas
e outros autores bíblicos com base no argumento de silêncio. Falham em
distinguir entre uma contradição genuína por um lado, e provas insuficientes
para permitir tirar uma conclusão firme, por outro. Existe contradição quando
duas afirmações ou factos não podem ambos ser verdade. Céticos fazem com
frequência o erro de acusar os autores da Bíblia de contradição quando duas afirmações
ou factos simplesmente diferem uma da outra. McGarvey articulou este princípio
claramente em 1891: “Duas afirmações são contraditórias, não quando diferem,
mas quando ambas não podem ser verdade”. A acusação de contradição ou falta de
rigor na Bíblia não é legítima, e por isso insustentável, naquelas áreas onde a
prova de corroboração histórica é insuficiente.» (MILLER, Dave, Ph.D. (2003). Luke, Quirinus, and the Census. Apologetics
Press (http://apologeticspress.org/)
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Que
informações cronológicas a Bíblia fornece a respeito do nascimento de Jesus?
Comecemos
com uma reconstituição cronológica dos factos narrados nos evangelhos de Mateus
e Lucas, que se complementam:
Nos dias do
rei Herodes (Lc 1:5), o sacerdote Zacarias, do turno de Abias, exercendo o
sacerdócio na ordem do seu turno, entrou no santuário para queimar incenso. Um
anjo Gabriel anuncia-lhe o nascimento de um filho, que será João Batista.
No 6º mês
(Lc 1:26), o mesmo anjo aparece a Maria, em Nazaré. O mês em que o anjo aparece
a Maria é o 6º mês da gravidez de Isabel (Lc 1:36).
Naqueles
dias foi publicado um decreto de César Augusto, convocando toda a população do
império para recensear-se. Este, o primeiro recenseamento, foi feito quando
Quirino era governador da Síria (Lc 2:1-2).
José e Maria
foram a Belém, alistar-se. Estando eles ali, nasceu Jesus (Lc 2:3-7), em dias
do rei Herodes (Mt2.1).
Completados
oito dias o menino foi circuncidado e deram-lhe o nome de Jesus (Lc 2:21).
E passados
os dias da purificação (Lc2:22), que são 33 dias (Lv 12:1-4), José e Maria
foram apresentar Jesus no templo em Jerusalém.
Tendo Jesus
nascido em Belém, uns magos vieram do oriente a Jerusalém, e encontraram-se com
o rei Herodes (Mt2:1-4).
Os magos
vieram por causa de uma estrela que viram aparecer. A estrela parou sobre onde
estava o menino. Entraram na casa (já não é um estábulo) e entregaram as suas
ofertas (Mt 2:9-12).
Os magos
foram prevenidos por divina advertência para não voltarem à presença de Herodes
(Mt2:12) e José é avisado em sonho para fugir para o Egipto porque Herodes
havia de procurar o menino para o matar. Dispondo-se ele, tomou de noite o
menino e sua mãe, e partiu para o Egipto (Mt 2:14)
Herodes
mandou matar todos os meninos de Belém e arredores, de dois anos para baixo, conforme
o tempo do qual com precisão se informara dos magos (Mt 2:16).
José, Maria
e Jesus ficaram no Egipto até à morte de Herodes. Tendo Herodes morrido, um
anjo do Senhor apareceu em sonho a José, no Egipto, dizendo-o para voltarem
porque morreram os que atentavam contra a vida do menino (Mt 2:19-20).
Já no
caminho do regresso, ouviram que Arquelau reinava na Judeia em lugar de seu pai
Herodes, e temeram ir para lá. Foram para a região da Galileia, e habitaram em
Nazaré.
Cumpridas as
ordenanças da lei, voltaram para a Galileia, para a sua cidade de Nazaré (Lc
2:39). Este versículo em Lucas parece contradizer Mateus, mas não é o caso.
Lucas apenas omite o que é narrado em Mateus (a visita dos magos, a fuga e
regresso do Egipto e regresso), e passa imediatamente para o regresso a Nazaré.
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Quais são as questões relacionadas
com estas informações?
Como já
dissemos, temos de encontrar convergências com eventos históricos para
conseguirmos estabelecer datas.
§ A morte de Herodes pode nos dar uma
data limite. Porém não sabemos quanto tempo antes da morte de Herodes Jesus
nasceu. Além disso, há incerteza quanto à data da morte de Herodes. Alguns
defendem 5/4 a.C., outros 1 a.C.
§ A informação cronológica mais específica é a
realização de um recenseamento na época em que Jesus nasceu. Mas o
conhecimento da existência de um censo na Judeia em 6 d.C. tem causado um
importante ponto de discussão e até tem desacreditado a veracidade do evangelho
de Lucas. Lucas afirma que Jesus nasceu por
ocasião do primeiro recenseamento, quando Quirino era governador da Síria
(Lc 2:1-2). Há fontes que situam Quirino como governador da Síria entre 6 e 12
d.C., portanto, vários anos depois da data geralmente aceite para o nascimento
de Jesus (ca. 6 ou 3/2 a.C.).
§ E a estrela de Belém. Que estrela foi
essa que guiou os magos até Jesus? Existiu realmente um fenómeno celestial? Pode
ser identificado? Ou é apenas uma invenção? Várias explicações têm sido dadas
ao longo dos séculos. A astronomia é uma ciência que nos pode ajudar a
desvendar o mistério?
§
O turno de Abias, ao qual pertencia Zacarias
pai de João Batista, é outro recurso que tem sido utilizado para tentar situar
no tempo o nascimento de Jesus.
Vamos
estudar estas questões relacionadas com o nascimento de Jesus mais em
profundidade nas próximas mensagens.