25/12/2020

CRONOLOGIA DA DEDICAÇÃO DO TEMPLO

 

QUANDO OCORRE A DEDICAÇÃO DO TEMPLO DE SALOMÃO ?

 

Elementos cronológicos:

1Rs 6:1 – No ano de 480 depois de saírem os filhos de Israel do Egipto, no ano 4º do reinado de Salomão sobre Israel, no mês de Ziv (este é o mês 2º), começou a edificar a casa do Senhor.

1Rs 6:37 – No ano 4º se pôs o fundamento da casa do Senhor, no mês de Ziv.

1Rs 6:38 – No ano 11º, no mês de Bul, que é o mês 8º, se acabou esta casa, com todas as suas dependências, e com tudo o que lhe convinha; e a edificou em 7 anos.

1Rs 8:1-2 - Então congregou Salomão os anciãos de Israel, e todos os cabeças das tribos, os príncipes dos pais, de entre os filhos de Israel, diante de si, em Jerusalém, para fazerem subir a arca do concerto do Senhor, da cidade de David, que é Sião. E todos os homens se juntaram na festa, ao rei Salomão, no mês de Etanim, que é o 7º mês.

 

Questão:

À primeira vista estas datas não apresentam dificuldades. Contudo, estranhamos que, se a obra da casa terminou no 8º mês do 11º ano de Salomão, porque é que a dedicação ocorre no 7º mês, aparentemente antes de terminar a obra?

A questão que geralmente se coloca é: se o templo não estava acabado até ao 8º mês, como podia Salomão convidar para a festa de dedicação no 7º mês? Por isso, todos os comentários apontam para o 7º mês do ano seguinte, o 12º ano de Salomão, quase um ano depois de terminar a obra. Atribuem este atraso a vários motivos: o desejo de Salomão de encontrar a melhor oportunidade em que haveria um grande número de pessoas em Jerusalém, ou porque ainda havia um grande número de objetos a produzir ou preparativos a fazer, ou porque o ano seguinte seria um ano de jubileu.

A dedicação do templo foi feito em paralelo com a festa dos tabernáculos. Mas para ter muito povo em Jerusalém, não haveria necessidade de esperar quase um ano pela festa dos tabernáculos no 7º mês. E não me parece lógico esperar quase um ano para dedicar o tempo.  Podiam tê-lo feito numa ocasião mais próxima, a Páscoa, no 1º mês, que era aliás o mês em que fora dedicado o tabernáculo no deserto no tempo de Moisés (Ex 40:17).

E não há nenhuma indicação no texto bíblico de que era o início de um ano de jubileu.

 

Proposta de solução:

A dedicação ocorreu no 7º mês do 11º ano de Salomão.

Diz em 1Rs 6:38 que, no ano 11º, no mês 8º, se acabou (verbo KALAH, forma Qal perfeito) esta casa, com todas as suas dependências, e com tudo o que lhe convinha.

Se a dedicação fosse feita no 7º mês do ano seguinte (12º ano), não se poderia dizer que no 8º mês do 11º ano a casa se acabou com todas as suas dependências, e com tudo o que lhe convinha (1Rs 6:38). Porque a casa não estava completa, faltava o principal: a arca que foi trazida na festa que Salomão organizou no 7º mês para fazer subir a arca ao templo (1Rs 8:1-2).

Depois de uma descrição extensa das obras do templo nos capítulos 1Rs 6 e 7, é concluído – Assim se acabou (verbo SHALAM forma Qal imperfeito) toda a obra que fez o rei Salomão para a casa do Senhor: então trouxe Salomão as coisas santas do seu pai, David; a prata, e o ouro, e os vasos, pôs entre os tesouros da casa do Senhor (1Rs 7:51).

Então congregou Salomão os anciãos de Israel, e todos os cabeças das tribos, os príncipes dos pais, de entre os filhos de Israel, diante de si, em Jerusalém, para fazerem subir a arca do concerto do Senhor, da cidade de David, que é Sião. E todos os homens se juntaram na festa, ao rei Salomão, no mês de Etanim, que é o 7º mês (1Rs 8:1-2).

Parece-me que a obra terminou (mas sem o templo estar completo) antes do 7º mês, talvez no 5º ou 6º, e o templo foi dedicado no 7º mês. Como a arca e os vasos sagrados foram colocados no templo no 7º mês, só no 8º mês, depois da dedicação e da colocação da arca, se pode dizer que o templo estava completo, e que se acabou (verbo KALAH, forma Qal perfeito) esta casa, com todas as suas dependências, e com tudo o que lhe convinha.

22/12/2020

Ester na história


Muito poucos acreditam na historicidade do livro de Ester. O livro é geralmente considerado uma história de ficção, uma fábula oriental, não um documento histórico. Além de alegadamente não ser histórico, também é criticado por sua aparente ausência de valor religioso.

Defendo a historicidade do livro de Ester. E quanto à ausência do nome de Deus no livro, isto não significa que Deus esteja ausente da história. Basta olhar para Ester 6.1. Foi coincidência se o rei não conseguia dormir naquela noite (a noite anterior ao dia em que Haman planeou enforcar Mardoqueu) e leu que Mardoqueu tinha evitado uma conspiração contra ele? Apesar de Deus não ser mencionado, o seu controlo sobre todas as coisas é visível. Ainda, o livro de Ester tem o seu lugar entre os outros livros. O projeto de Haman de matar todos os judeus (3:6) constituía uma ameaça à preservação da linhagem do Salvador prometido em Génesis.

Quando defendemos a historicidade de Ester, levanta-se uma questão fundamental, que é uma questão cronológica: onde se encaixa Ester, ou seja: qual é a identidade do rei chamado Assuero no livro de Ester?

A grande maioria dos comentadores e historiadores identifica Assuero com Xerxes. Outros, como Josefo, com Artaxerxes Longimano (Ant. 11.cap 6) [1]

Alguns identificam o Assuero de Ester com Dario, como já era o caso de Ussher. Esta é também a minha posição, já apresentada em várias mensagens deste blog. Com isso defendo que o Artaxerxes de Esdras e Neemias também é Dario, o que resulta numa cronologia internamente lógica, inteligível e justificável dos livros de Esdras-Neemias-Ester [2]

Para melhor compreensão, uma lista dos reis persas que nos interessam:

Ciro        (559-530)

Cambyses  (530-522)

Bardya (outros nomes: o Mago, Gaumata, Pseudo-Smérdis)

Dario     (521-486)

Xerxes  (486-465)

Artaxerxes                                                                              

 Resumimos também a cronologia dos factos dos livros de Esdras-Neemias-Ester, que se passam todos no tempo de Dario:

No 2º ano de Dario, os profetas Ageu e Zacarias incitam os judeus a retomarem a construção do templo (que estava parada há vários anos devido à oposição). Uma ordem do rei Dario autorizou a construção com base no decreto de Ciro. O templo é terminado no 6º ano de Dario. No 7º ano, Esdras regressa a Jerusalém, com a incumbência de ornar o templo com prata e ouro que trouxe da Babilónia. Por este tempo, Ester chega à fortaleza de Susan e no 7º ano de Assuero/Dario, Ester é levada ao rei. Recebe a coroa real e feita rainha em lugar de Vasti. No ano 12º de Assuero/Dario, Haman começa a por em ação a sua vingança contra Mardoqueu e os judeus. No 14º ano dá-se o pogrom e a vitória dos judeus que deu origem à festa do Purim. No 20º ano de Artaxerxes/Dario, Neemias vai para Jerusalém para restaurar o muro. No ano seguinte, quando este é terminado e as portas assentes, celebra-se e dedicação dos muros. Neemias regressa à Susan junto do rei no 32º ano de Artaxerxes/Dario.

 

Quem era Ester na história?

Poderá ela ser Artístone (transliteração grega do nome Artastana ou Irtasduna em elamita) identificada pelo historiador grego Heródoto como a rainha preferida de Dario I e filha de Ciro, irmã ou meia-irmã de Atossa? Artístone seria alegadamente a Irtasduna dos arquivos de Persépolis

Tentei coligir alguma informação sobre esta personagem. Nomeadamente, o que escreve o historiador Heródoto em Histórias; o que encontramos em fontes persas primárias, nomeadamente os arquivos de Persépolis; e o que dizem alguns estudos recentes sobre esta personagem.

 

Heródoto

A história do império persa aqueménida é principalmente conhecida através de autores gregos, como Ésquilo, Xénofon, Ctesias e, especialmente, Heródoto na sua obra ”Histórias”, produzida entre 440 e 430 a.C.. Eles tinham a sua informação geralmente de fontes secundárias (note-se que Dario reinou de 521 a 486 a.C.).

O que nos diz Heródoto sobre Artístone é o seguinte:

Quando foi proclamado rei, Dario casou com duas princesas, Atossa e Artístone, que eram filhas de Ciro. Atossa já tinha sido a mulher de Cambyses e também de Gaumata. Artístone era virgem. Casando com elas, Dario cimentou o seu direito legítimo ao trono do Império Persa, pois na realidade a sua ascensão ao trono resultou de uma tomada violenta do poder com o assassinato do usurpador Gaumata, o falso Bardiya (Hdt 3.78, 88).

Heródoto menciona o comandante de tropas Arsames, que era filho de Dario e sua mãe era a filha de Ciro, Artístone, a mulher favorita de Dario, que mandou fazer uma estátua dela em ouro (Hdt 7.69).

O casal tinha três filhos: Arsames, Gobryas e Artozostre (filha).


Arquivo de Persépolis

No Arquivo de Persépolis (Persepolis Fortification Tablets), uma fonte primária, aparece uma mulher chamada Irtasduna, que terá sido mulher de Dario e que parece ter sido uma das mulheres mais influentes na corte aqueménida.

O Arquivo de Persépolis é constituído por milhares de tabuletas administrativas. Há dois grupos de arquivos, segundo o local onde foram encontradas, são designadas como Fortification Tablets (PF), que datam de 509-494 a.C. (aprox. do 14º ao 28º ano de Dario) e Treasury Tables (PT) de 492-458 a.C. (do 30º ano de Dario ao princípio do reinado de Artaxerxes). Estes arquivos registam a alocação e distribuição de bens alimentares dos armazéns reais a administradores, trabalhadores agrícolas, artistas, pessoas da corte, sacerdotes e membros da família real. O arquivo é escrito em elamita cuneiforme.

Um reduzido grupo específico (J Texts) dos Fortification Tablets representa um tipo especial por causa do elevado estatuto dos indivíduos envolvidos e as elevadas quantidades de bens transacionados ou consumidos. Distinguem-se pelo uso de uma expressão cujo sentido é “dispensado perante o rei” e “dispensado por conta/em nome do rei”.

Neste grupo, aparecem duas mulheres: Irdabama e Irtasduna. Elas têm um estatuto especial no arquivo, que parece dar-lhes autoridade de usar os mantimentos da casa real. De facto, são as únicas que tomam o lugar do rei nos J Texts. As transações são ratificadas com o seu selo pessoal, o que parece indicar que as porções foram emitidas com base na sua autoridade pessoal.

Irtasduna é referida em 27 documentos. Em duas ocasiões, o seu nome é acompanhada do título durkšiš – princesa.

O Arquivo mostra que ela detinha pelo menos três propriedades, com uma fábrica de tapeçaria e também um palácio. As suas propriedades eram geridas por mordomos e tinha mão-de-obra própria. Existem ordens de Irtasduna aos gestores das suas propriedades.

Os documentos mostram a rainha a requisitar grandes quantidades de trigo, farinha, figos e vinho, e também ovelhas. Ela não aparece apenas como recetora de um grande número de ovelhas, trigo e vinho, mas também como alguém em nome de quem se consumiam grandes quantidades de alimentos, provavelmente pessoas que estavam dependentes dela.

Irtasduna tinha o seu próprio selo. Selos eram usados no antigo Médio Oriente para ratificar transações e documentos e comprar propriedades. Selos e as impressões dos selos são elementos arqueológicos importantes.

Irtasduna viajava pelo núcleo central do império, por vezes com Irdabama e por vezes na companhia do seu filho, o príncipe Arsama.

No ano de 498 a.C. (24º ano de Dario) ela fez um banquete para Dario, às custas dele, como mostra o selo.

 

 


Figura. - Selo de Irtasduna

Imagem retirada de Garrison, M. (1991). Seals and the Elite at Persepolis: Some Observations on Early Achaemenid Persian Art. Ars Orientalis, 21, 1-29. Retrieved December 8, 2020, from http://www.jstor.org/stable/4629411

O selo mostra uma variante do encontro heróico. Um herói, com barba quadrada, uma veste do tipo assíro e uma adaga, agarra dois touros rampantes que têm cabeça humana e cornos. Na parte inferior do selo há traços do que parece ser um incensário. Do lado esquerdo, uma planta estilizada que consiste em dois (ou três) vasos ou cestos um por cima do outro dos quais emergem folhas. Por cima disto há um torso e cabeça que formam uma figura masculina contida num duplo círculo do qual irradiam raios que terminam em estrelas. A figura olha e estende ambas as mãos para sua esquerda. Na mão parece ter uma espécie de pluma ou folha de palma. Estilisticamente, o selo tem tradições assiro-babilónicas, mesopotâmicas mas também siro-palestinianas.


 Atossa

Outra personagem histórica por vezes associada com Ester é Atossa. Ussher menciona a semelhança sonora de Atossa com Hadassah.

Atossa era filha de Ciro, de acordo com Heródoto, e irmã mais velha de Arístone, segundo Heródoto. Atossa fora consorte de Cambises II e, depois da morte deste, passou para o harém de Gaumata (o Pseudo-Smerdis). Quando Dario matou este, ele também tomou posse do harém, casou com Atossa e fê-la sua consorte principal. Atossa tinha quatro filhos com Dario, sendo Xerxes o mais velho. Mas Xerxes não era seu primogénito (Dario tinha três filhos com a sua primeira mulher) e a escolha de Dario de nomear Xerxes como co-regente (em 496 a.C.) seria devida à grande influência e poder de Atossa. Durante o reino de seu filho ela manteve o importante estatuto de rainha-mãe.

Porém, a sua fama de rainha influente no reino persa como relatada por Heródoto em «Histórias» poderá ter tido origem na peça “Os Persas” do dramaturgo grego Ésquilo, encenada pela primeira vez em 472 a.C.. A peça fala da derrota de Xerxes contra a frota grega na batalha de Salamis, mas a verdadeira protagonista é a figura imponente de Atossa, a mãe de Xerxes (embora o nome dela não seja mencionado na tragédia), que está no coração da ação, em contraste com o fraco Xerxes. A imagem da poderosa Atossa é uma imagem literária e não um facto histórico comprovado.

Relativamente à questão da sucessão existe uma fonte primária. Numa inscrição em três línguas (antigo persa, acadiano e elamita), Xerxes diz que havia outros filhos de Dario, mas que era a vontade de Ahura Mazda, a divindade persa, que Dario o fez rei. O facto de mencionar outros filhos implica que a sua nomeação como sucessor não era evidente, concordando assim com Heródoto. Mas Xerxes não faz qualquer menção do papel que a sua mãe possa ter tido. A genealogia registada na inscrição nomeia apenas a linha paterna. Atossa e seu pai, Ciro, de quem Atossa teria a sua importância, não são mencionados. Contrariamente a outros registos de reis elamitas onde as rainhas eram mencionadas com nome. Também temos o exemplo de Nabonido que, em várias inscrições, honra a sua mãe Adad-guppi. Se Atossa tivesse tanto poder, porque é que Xerxes não se referiu a ela? E terá sido realmente filha de Ciro ou invenção de Heródoto?

Ainda, apesar do seu aparente papel importante na corte persa, Atossa não é mencionada no arquivo de Persépolis (nota) e a sua existência tem sido questionada.

 

Ester

O nome hebraico de Ester era Hadassah (Ester 2:7). Vem de HADAS, que significa murta.

A palavra HADAS aparece apenas 6 vezes em todo o Velho Testamento.

Em Neemias 8:15, diz que ramos de murtas estavam entre os ramos de árvores com que tinham que fazer as cabanas da festa dos tabernáculos.

Em Isaías 41:19 e 55:13, a murta está relacionada com bênção e renovação.

Is 41:18-19 – Abrirei rios em lugares altos, e fontes no meio dos vales; tornarei o deserto em tanques de águas, e a terra seca em mananciais. Plantarei no deserto ocedro, a árvore de sita, e a murta, e a oliveira … para que todos vejam, e saibam, e considerem, e juntamente entendam que a mão do Senhor fez isto.

Is 55:13 – Em lugar do espinheiro, crescerá a faia; e em lugar da sarça, crescerá a murta.

 Em Zacarias, a palavra aparece três vezes, na profecia no 2º ano de Dario (Zac 1:7-17), do homem montado num cavalo que está entre as murtas (Zac 1:8, 10, 11). A mensagem desta profecia é de esperança – Nós andámos pela terra, e eis que toda a terra está tranquila e em descanso (1:11). E o Senhor diz assim: Voltei-me para Jerusalém com misericórdia; a minha casa nela será edificada (1:16).  

A presença das murtas parece particularmente oportuna (ou será apenas coincidência?) neste preciso tempo em que será a presença de Hadassah (murta) na corte do rei da Pérsia a garantir que os judeus fiquem salvos e o futuro de Jerusalém assegurado.

Ester seria o nome persa de Hadassah. Observamos na Bíblia que é comum os judeus adotarem, ou serem dado outro nome na cultura onde passam a estar inseridos. É o caso de Daniel, chamado Belteshazar e dos seus amigos Hananias, Misael e Azarias respetivamente Sadrach, Mesach e Abed-nego.

A interpretação mais antiga e corrente é que Ester significaria estrela, do persa ‘stara’, usado para designar o planeta Venus. Ou teria origem em Ishtar, uma divindade assiro-babilónica, associada ao amor e à guerra.

Ou ainda, ao dizer “Hadassah, que é Ester” implicaria simplesmente que Ester é o equivalente na língua persa (ou na língua meda, ASTRA) do hebraico Hadassah, significando igualmente murta [3].

Outra interpretação interessante é que se pode reconhecer em Ester a raiz hebraica de três letras S-T-R (סתר‎) que significa esconder-se, ocultar-se, estar escondido, ser protegido [4]. Isto aplica-se porque Ester ficou de certo modo escondida, não revelando a sua origem, o seu povo, a pedido de Mardoqueu.

Se Ester e Hadassah significam ambos ‘murta’, o caminho fica aberto para Hadassah/Ester ter recebido outro nome. E explicaria porque o nome de Ester não aparece em nenhum outro documento que a Bíblia.

Quanto ao nome Artístone: será a transliteração grega de um nome persa feminino, Irtasduna. A forma grega é conhecido apenas em Heródoto. O elamita Ir-taš-du-na ou Ir-da-iš-du-na reflete o antigo persa Rtastuna, pilar de Rta, significando algo como pilar da verdade [5].

Mas o que me intriga é que todos estes nomes – Ester, Artístone, Irtasduna – têm as três letras (consoantes) principais em comum, embora não na mesma ordem: S-T-R / R-T-S / R-T-S. Não poderiam ser todas formas do mesmo nome nas línguas diferentes?

 

Ester é Irtasduna dos arquivos de Persépolis?

Encontramos na história de Ester na Bíblia elementos que se coadunam com a sua identificação com Irtasduna/Artístone.

Heródoto escreveu que Artístone era a mulher favorita de Dario. Ester 2:17 diz que o rei amou a Ester mais do que a todas as mulheres, e ela alcançou perante ele graça e benevolência.

Irtasduna, na sua qualidade de rainha, recebia convidados e organizava banquetes, tendo acesso a recursos significativos. Estes banquetes traziam o rei à corte da rainha, como se vê nos arquivos de Persépolis. Na bíblia, vemos Ester fazer pelo menos dois banquetes para o rei, convidando além do rei também Haman (5:8; 7:2).

As propriedades de Irtasduna e a fábrica de tapeçaria proporcionavam-lhe um rendimento próprio que lhe permitia ser economicamente independente do rei. O palácio em Kuganaka fortalece o seu poder real, aliada ao rei mas não necessariamente subserviente.

Ester recebeu de Dario a casa de Haman (Ester 8:1). Com “casa” entende-se, certamente, não apenas uma casa de habitação, mas toda o seu património, seus bens. Ester pôs Mardoqueu sobre a casa de Haman. Ester passou a ter propriedades próprias, como Irtasduna.

Irtasduna emitiu cartas e dispensava bens “em nome do rei”. Assuero autorizou Ester a escrever cartas em nome do rei, e de selá-las com o anel do rei (8:8).

Numa monografia recente sobre Mulheres na Antiga Pérsia (1996), M. BROSIUS analisou todas as fontes gregas sobre a influência das mulheres persas. Sua conclusão é clara: se as mulheres exerciam sua influência, era sempre no interesse dos familiares, não por sede de sangue ou interesse pessoal. Nas palavras de Brosius: “A principal motivação para a ação era o bem-estar de sua família, para salvar a vida de um membro da família ou para garantir a continuidade de sua família. As mulheres podiam agir dentro de limites bem definidos, mas não podiam fazer justiça com as próprias mãos. Elas precisavam de consultar o rei e obter o seu consentimento; se elas ignorassem sua autoridade e simplesmente agissem por si mesmas, também ficariam sujeitas à punição do rei ” [6].

Esta conclusão numa investigação histórica moderna condiz exatamente com aquilo que Ester fez e o modo como ela teve de o fazer. Ela exerceu a sua influência para defender o seu povo. Mas precisou para isto de obter o consentimento do rei, não podendo agir por si própria.

Por outro lado, Heródoto escreve que Artístone era filha de Ciro, e virgem. Ester 2.2 corrobora a última afirmação. Mas será um facto histórico que Irtasduna era filha de Ciro? Não há uma fonte primária inequívoca e Heródoto não era uma testemunha contemporânea.

 

Conclusão:

Sem podermos provar que Ester era efetivamente a Irtasduna dos arquivos de Persépolis, é certamente uma boa candidata.



[1] Josefo é incoerente com a informação que fornece sobre Dario, Xerxes e Artaxerxes. Ester 1.1 diz que Assuero reinou desde Índia a Etiópia, sobre 127 províncias. Josefo diz o mesmo de Dario (Ant 11.33) e de Artaxerxes (Ant.11.186). Ele situa Esdras e Neemias no tempo de Xerxes, mas refere ocorrências relativas a Neemias no ano 25 e no ano 28 de Xerxes (Ant 11.168, 179), o que não é possível porque Xerxes só reinou 20 anos.

 [2] Ussher situa a ação de Esdras e Neemias no tempo de Artaxerxes, sucessor de Xerxes.

 [3] Yahuda, A. (1946). The Meaning of the Name Esther. Journal of the Royal Asiatic Society of Great Britain and Ireland, (2), 174-178. Retrieved December 7, 2020, from http://www.jstor.org/stable/25222106 justifica esta interpretação do ponto de vista linguístico.

 [4] Brown, Francis (2012). The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English Lexicon. Boston MA: Houghton, Mifflin and Company

[5] https://iranicaonline.org/articles/artystone-persian-female

[6] Maria Brosius, Women in Ancient Persia, 559-331 B.C., Oxford: Claredon, 1998, citada por Ronayne, Jack (2018). The Influence of Irtashduna’s Power on the Royal Court of Achaemenid Persia


Bibliografia

GARRISON, M.B. Seals and the Elite at Persepolis: Some Observations on Early Achaemenid Persian Art. Ars Orientalis, Vol. 21 (1991), pp. 1-29

HENKELMAN, Wouter. "Gebiederesse van dit land ... " Vrouwen in Achaimenidisch Perzie, UNlVERSITEIT UTRECHT (Academia.edu)

RONAYNE, Jack (2018). The Influence of Irtashduna’s Power on the Royal Court of Achaemenid Persia