30/12/2013

DE JOSÉ AO ÊXODO

Chegámos sem dificuldades de maior até ao ano da morte de Jacó aos 147 anos (AH 2315) e de José aos 110 anos (AH 2369). (Ver mensagem DE ABRÃO A JOSÉ)

Mas a partir de agora deixámos de poder contar o tempo com a ajuda da idade de algum dos filhos de Jacó relativamente ao ano em que nasceu o seu filho herdeiro, como era o caso em Génesis 7 e 11, e ainda até ao nascimento de Jacó.
Como vamos conhecer a intervalo de tempo entre a morte de José e o êxodo do Egipto?

Que elementos a Bíblia nos dá?
Em Gn 15:13-16, foi dito em sonho/visão a Abraão que a sua posteridade seria peregrina em terra alheia, reduzida à escravidão, afligida 400 anos. Depois seria julgada a gente a que tiveram de se sujeitar e eles sairiam com grandes riquezas. Na quarta geração tornariam para a terra da Canaã.

Em Atos 7:6, Estêvão faz referência a este acontecimento e menciona o mesmo lapso de tempo: «E falou Deus assim, que a sua descendência seria peregrina em terra estrangeira, onde seriam escravizados e maltratados por 400 anos».
Ex 12:40-41 introduz outro número: – Ora o tempo que os filhos de Israel habitaram no Egipto foi de 430 anos. Aconteceu que, ao cabo dos 430 anos, nesse mesmo dia, todas as hostes do Senhor saíram da terra do Egipto. –

400? 430? Não é provável que seja um erro. Portanto, tratar-se-á de dois assuntos diferentes.
Uma coisa é certa: O fim dos 400, bem como dos 430 anos é a saída dos filhos de Israel do Egipto.

Mas quando começam?
Há duas grandes teorias. A mais frequente atribui uma duração longa (400 ou 430 anos) à estadia de Israel no Egipto. A segunda defende uma duração curta de 215 anos no Egipto.

Em Gálatas 3:17, Paulo afirma que a lei veio 430 anos depois da promessa dada por Deus a Abraão. Isto significa que o princípio do período de 430 anos é quando Deus fez a promessa a Abrão. Quando foi isto? Quando Ele disse, a primeira vez, a Abrão «vai para a terra que te mostrarei … de ti farei uma grande nação … em ti serão benditas todas as famílias da terra» (Gn 12:1-3). Tinha Abrão então 75 anos (Gn 12:4); era o ano 2083.
A lei foi dada no terceiro mês depois da saída do Egipto (Ex 19). Portanto, o êxodo teve lugar em 2083 + 430= 2513. Biblicamente, é inequívoco.

O tempo passado no Egipto não foi de 400 ou 430 anos, mas de apenas 215 anos (2513 menos 2298, o ano da chegada de Jacó ao Egipto).
Isto pode ser confirmado. Gn 15:16 declara que “na quarta geração tornarão para aqui”. Abrão estava em Canaã quando teve esta visão. Entre o sair de Canaã – o que aconteceu quando Jacó e a sua família foram para o Egipto – e o tornar «para aqui», ou seja voltar para Canaã, haveria 4 gerações.

Estas quatro gerações encontramo-las, por exemplo, em Êxodo 6:16-20, onde ficamos a saber alguns pormenores acerca dos filhos de Levi. Levi entrou no Egipto, juntamente com os seus 3 filhos, Gérson, Coate e Merari (Gn 46:11). O filho de Coate, Anrão, casou com Joquebede e teve Miriã, Arão e Moisés. Arão saiu do Egipto com seus filhos Nadabe, Abiú, Eleazar e Itamar (Ex 28:1).
Levi (geração mais velha a entrar no Egipto) – Coate – Anrão – Arão (geração mais velha a sair do Egipto) : são 4 gerações, ou

Coate (geração mais nova a entrar no Egipto) – Anrão – Arão – Eleazar/Itamar (geração mais nova a sair do Egipto) : também 4 gerações.
Estas 4 gerações provam que a duração da estadia de Israel no Egipto não pode ter sido 400 ou 430 anos, por ser impossível transporem 400 anos.

Levi tinha aproximadamente 50 anos quando entrou no Egipto no ano 2298 (nasceu aprox. 2248) e já tinha 3 filhos. Admitimos que Coate era bebé quando entrou no Egipto. Coate viveu 133 anos. Não sabemos a idade de Coate quando gerou Anrão, mas admitindo que o gerasse aos 133 anos, embora improvável, e que também Anrão, que viveu 137 anos gerasse Moisés aos 137 anos, mesmo assim não seria suficiente para cobrir 400 anos. 133 + 137 + 80 (idade de Moisés no êxodo, Ex 7:7) = 350.
Esta genealogia de Levi é totalmente inconsistente com uma duração longa de 400 ou 430 anos no Egipto.

Quanto a Ex 12:40, que parece dar a entender que o tempo (total) que os filhos de Israel habitaram no Egipto foi de 430 anos, a tradução dada pela King James Bible (e várias outras traduções) diz assim:
«Now the sojourning of the children of Israel, who dwelt in Egypt, was four hundred and thirty years», ou seja: a peregrinação dos filhos de Israel, que habitaram no Egipto, era de 430 anos. Atenção às vírgulas: a peregrinação total era de 430 anos, não a duração da estadia no Egipto.

A peregrinação começou com Abraão quando ele foi para Canaã. Abraão peregrinou, habitou em tendas, bem como Isaque e Jacó peregrinaram em Canaã antes descerem para o Egipto (Hb 11:9).
Analisando Gn 15:13, o versículo é conhecido como uma introversão (Anstey, p.128; Jones, p.59):

(A) A tua posteridade será peregrina em terra alheia
        (B) E será reduzida à escravidão
         (B) E será afligida
(A) Quatrocentos anos

(A)e (A) correspondem ao mesmo evento. Definem todo o período em que a posteridade de Abrão (portanto, a partir de Isaque) seria peregrina em terra alheia, 400 anos. (B) e (B) são parentéticos e referem-se a outros eventos inseridos na totalidade dos 400 anos, mas relacionados apenas com o tempo de escravidão e a aflição. O tempo de escravidão e de aflição no Egipto foi apenas uma parte do tempo, no máximo 128 anos. José morreu depois de ter vivido 71 anos no Egipto e Israel viveu em paz no Egipto durante aquele tempo. Ex 1:6 dá a entender que a aflição só começou depois de José e todos os seus irmãos terem falecidos. Ex 1:8 diz que se levantou um novo rei sobre o Egipto, que não conhecera a José, mas não diz quando isto foi. Pelo episódio do nascimento de Moisés (Ex 2) entendemos que os tempos já estavam muito difíceis pelo menos 80 anos antes do Êxodo.

2298 – entrada de Jacó no Egipto
                (período de 71 anos)
2369 – morte de José
2385 – morte de Levi
               (período de 48 anos)
2433 – nascimento de Moisés
                (período de 80 anos)
2513 – saída do Egipto

Também podemos dizer que os tempos de aflição não se limitaram ao tempo da escravidão. Abrão receou várias vezes pela sua vida. Isaque passou por tempos de aflição, épocas de fome (Gn 26:1), de problemas com os reis dos filisteus (Gn 26:6-11), problemas por causa de poços e contendas por água (Gn 26:15-22). Jacó com medo de Esaú fugiu para Padam-Aram; foi afligido por Labão durante 20 anos (Gn 31:38-42); ao voltar a Canaã a sua filha foi violada; …

Entretanto, ficou resolvido o período de 430 anos entre a promessa de Deus a Abrão no início da sua peregrinação em Canaã e o ano da saída do Egipto. Mas ainda ficamos com um ponto de interrogação. A que se referem então os 400 anos de que o Senhor falou a Abrão (Gn 15:13 e Atos 7:6)? Foi-lhe dito que a sua posteridade seria afligida por 400 anos. Se os 430 anos incluíam o tempo de peregrinação de Abrão, este período já não o faz.

Do êxodo (AH 2513) menos 400 anos leva-nos ao ano de 2113. Nesse ano, Isaque tem 5 anos. Ussher, Anstey e Jones estão de acordo em dizer que foi então que Abrão deu um grande banquete, no dia em que Isaque foi desmamado (Gn 21:8). Sara viu que Ismael, o filho de Hagar, a egípcia, troçava de Isaque. Ismael, que era o filho mais velho de Abraão, reclamava o direito de herança. Mas Sara diz a Abrão para rejeitar a escrava e seu filho, porque em Isaque era chamada a sua descendência (Gn 21:9-12). A partir desse dia Isaque é oficialmente a posteridade de Abraão e o seu herdeiro, e nesse momento inicia-se o período de 400 anos.
Resumindo datas:

2083      Saída de Abrão para Canaã. Idade: 75 anos. Recebe a promessa quando chega a Canaã (Gn   12: At 7:5). Ponto de partida dos 430 anos até à dádiva da Lei (Gal 4:17)
2113      Isaque é desmamado. Abraão dá um grande banquete. Isaque é oficialmente herdeiro de                de Abraão (Gn21:8). Início dos 400 anos até à saída de Israel do Egipto
2298      Jacó e a sua família vão para o Egipto. Início do período de 215 anos no Egipto
2369      José morre aos 110 anos
2433      Nascimento de Moisés
2513      Israel sai do Egipto. No terceiro mês da sua saída, Deus dá-lhes a Lei (Ex 19).
               Fim dos períodos de 400 e 430 anos. Fim de 215 anos no Egipto.

08/12/2013

A FAMÍLIA DE JACÓ (2)

Uma outra questão na vida de Jacó onde existem interpretações diferentes e que necessita de algum esclarecimento é a do seu casamento com Lia e Raquel. Este aconteceu logo no princípio do primeiro período de 7 anos ou apenas depois de Jacó servir a Labão durante 7 anos? Anstey e muitos comentadores (Matthew Henry; Jamiesson, Fausset & Brown) são da opinião que Jacó casou com Lia e uma semana depois com Raquel depois de servir Labão por 7 anos. Ussher e Jones defendem que Jacó casou com as duas irmãs no início do primeiro período de 7 anos.

O que podemos encontrar nas Escrituras para esclarecer-nos sobre este assunto?
Depois de um mês com Labão (Gn 29:14), este pergunta a Jacó que salário lhe havia de pagar. Entende-se que Jacó já estava a trabalhar para Labão nesse mês. Jacó propõe servi-lo 7 anos pela sua filha Raquel (Gn 29:18).

A certa altura, Jacó diz a Labão “Dá-me minha mulher porque os dias foram cumpridos “ (Gn 29:21). Ele não diz os anos, mas os dias. Segundo Jones (p.64), isto implica um certo número de dias desde que o contrato foi acordado até ele efetivamente poder tomar Raquel como sua mulher. Os 7 anos de serviço constituíam o dote total, não o período costumeiro de espera.
Jacó terá casado com Lia logo no início dos 7 anos. E logo, uma semana depois, com Raquel.

Depois do casamento com Lia, Jacó tendo sido enganado, Labão diz: Decorrida a semana desta, dar-te-emos também a outra, pelo trabalho de mais sete anos que ainda me servirás (Gn 29:27). Isto dá a entender que Jacó casou com Raquel, passado uma semana depois de ter casado com Lia. Ussher alude a Juízes 14:12, 17, onde a duração das bodas é de sete dias.
Também Gn 29:31 fala a favor disto – Vendo o Senhor que Lia era desprezada, fê-la fecunda; ao passo que Raquel era estéril. Esta frase não faz sentido se o casamento com Raquel se tivesse dado 7 anos depois do casamento com Lia.

Mas se isto poderá não convencer alguns, há outros argumentos que falam a favor do casamento no princípio dos primeiros 7 anos.
O casamento com Lia ao fim de 7 anos de trabalho não dá tempo para os 11 filhos e 1 filha de Jacó nascerem no período de 7 anos, mesmo que se trate de 4 mulheres diferentes. Já vimos que José nasceu no 14º ano, quando Jacó acabou de pagar a totalidade do dote pelas duas filhas de Labão e que pediu para se ir embora.

Vejamos:
O ano da chegada de Jacó a Harã é 2245.

Jacó trabalha 7 anos para Labão: é o ano de 2252.
Lia dá à luz Ruben (seria o ano de 2253). Concebe outra vez e nasce Simeão (2254), depois Levi (2255) e Judá (2256). Depois cessou de dar à luz.

Raquel, vendo que não dava filhos a Jacó, dá a sua serva Bila, que dá 2 filhos a Jacó: Dã e Naftali. É possível que estes dois tivessem nascido durante o mesmo período acima. Não pode por isso ser tomado em conta.
Mas, Lia, vendo que ela mesmo cessara de dar à luz, deu a sua serva Zilpa a Jacó, o que acontece no mínimo algum tempo (meses?) depois de Lia ter cessado de conceber e ter começado a ficar preocupada. Zilpa gere dois filhos, Gade e Aser. Apontamos para Gade (2257, no mínimo) e Aser (2258).

Depois de nascerem os dois filhos de Zilpa, Lia volta a conceber e dá à luz o quinto filho, Issacar (2259), isto é o ano do fim dos 14 anos de trabalho e ano de nascimento de José. Lia ainda tem um sexto filho, Zebulon (2260), e depois disto deu à luz uma filha, Diná (2261).
Isto mostra que é bastante improvável, senão impossível, que Lia tivesse dado à luz 7 filhos em 7 anos, contando ainda com um período estéril de uns dois anos depois do nascimento de Judá. Além de que todos os filhos de Lia nasceram antes do nascimento de José, que é designado como “filho da sua velhice” (Gn 37:3). José nasce em 2259, 14 anos depois da chegada de Jacó a Harã. Jacó tem então 91 anos.

Assim, Jacó casando com Lia e Raquel logo de início, as datas são as seguintes:
2246: nascimento de Ruben
2247: Simeão
2248: Levi
2249: Judá
2250/51: Gade
2251/52: Aser
2252/53: Issacar
2253/54: Zebulon
2254/55: Diná
2259: nascimento de José e fim dos 14 anos

Há outro argumento a favor do casamento no início dos 14 anos.
Judá não pode ter nascido no segundo período de 7 anos porque os eventos da sua vida relatados em Génesis 38 requerem mais tempo (Jones, 2009: p.64-65).

Lembramos que Jacó deixou Labão aos 97 anos de idade (ano 2265). Ele tinha 130 anos quando ele e a sua família entraram no Egipto (Gn 47:9) (ano 2298). Por conseguinte, a família de Jacó viveu apenas 33 anos em Canaã.
Neste espaço de tempo, Judá casou uma mulher cananeia, filha de Sua. Teve 3 filhos. O mais velho, Er, casou com Tamar. Er foi morto e o seu irmão mais novo, Onã, casou com Tamar. Não querendo dar descendência a seu irmão, o Senhor também o fez morrer. Tamar havia de ficar à espera que o terceiro filho de Judá tivesse idade suficiente para lhe dar descendência. Mas isto não aconteceu para que também não morresse. Entretanto, morreu a mulher de Judá. Tamar disfarça-se como prostituta e seduz o seu sogro. Ela dá à luz gémeos: Perez e Zera. Ao entrar a família de José no Egipto, Perez, neto de Judá com Tamar, já tem 2 filhos (ver mensagem anterior).

Se Judá tivesse nascido em 2256, ele teria apenas 42 anos quando entrou no Egipto. Este cenário reflete a dificuldade de comprimir 4 gerações (Judá, Er, Perez filho de Tamar, e Hezrom e Hamul filhos de Perez) neste curto espaço de tempo.
Se colocarmos o nascimento de Judá em 2249 (nos primeiros 7 anos), Judá tem 49 anos quando entra no Egipto. Ele teria cerca de 16 quando foi a Canaã com o seu pai, casando pouco tempo depois. O que permitiria que Er, Onã e Perez tivessem cerca de 14-15 anos quando casaram. No cenário mais curto, teriam que ter apenas cerca de 11-12 anos.

06/12/2013

A FAMÍLIA DE JACÓ (1)

Uma questão que não é imediatamente cronológica, mas que aparece por vezes como um exemplo da existência de incongruências na Biblia, ou como uma alegada prova de que a Septuaginta seria correta, diz respeito aos números diferentes que aparecem em Genesis 46:26-27 e Atos 7:14 quanto às pessoas da família de Jacó que entraram no Egipto.

Afinal, quantas pessoas foram? 66, 70 ou 75?
Gn 46:26 – Todos os que vieram com Jacó para o Egipto, que eram seus descendentes fora as mulheres dos filhos de Jacó, todos eram 66 pessoas. ---- Este grupo não inclui José e seus filhos, que já estavam no Egipto e o próprio Jacó, porque estão incluídos ‘os que vieram com Jacó’.

Gn 46:27 – e os filhos de José, que lhe nasceram no Egipto, eram dois, Todas as pessoas da casa de Jacó, que vieram para o Egito, foram 70. --- Todas as pessoas da casa de Jacó que vieram para o Egipto incluem Jacó, bem como José e seus filhos.
At 7:14 – Então José mandou chamar a sue pai, Jacó, e toda a sua parentela, isto é, 75 pessoas.

Há aqui um erro? Se a Bíblia tem razão, tem de haver uma maneira de explicar estas diferenças.

Gn 46:26
Gn 46:27
Jacó
1
Jacó tinha 12 filhos e 1 filha.
12
(José já está no Egipto)
13
Os filhos e netos dos filhos de Jacó:
Ruben
4
4
Simeaõ
6
6
Levi
3
3
Judá tinha no total 5 filhos, mas Er e Onã morreram em Canaã. Contam também 2 netos, filhos de Perez
3
2
3
2
Issacar
4
4
Zebulon
3
3
Diná, única filha de Jacó
1
1
Gade
7
7
Aser. 4 filhos e 1 filha e 2 netos
7
7
José. 2 filhos que nasceram no Egipto
já estão no Egipto
2
Benjamin
10
10
1
1
Naftali
4
4
Total
66
70

Mais difícil é explicar o número 75 dado por Estêvão. Mas também isto tem uma solução, que encontramos, novamente, em Jones, e também em muitos outros cronologistas.

At 7:14 – Então José mandou chamar a seu pai, Jacó, e toda a sua parentela, isto é, 75 pessoas.
O número 75 refere-se a toda a parentela de Jacó, não incluindo Jacó. Se José ‘mandou chamar’, não inclui também nem o próprio José e seus filhos. Toda a descendência de Jacó, filho se netos, são 66. Quem são os outros 9 de modo a perfazer 75?

Não inclui Raquel, que morreu no parto com o nascimento de José; nem Lia, que também já tinha sido sepultada por Jacó em Canaã (Gn49:31).
Gn 46:26 fazia referência às mulheres dos filhos de Jacó, que o grupo de 66 não incluía. Os 66 incluem apenas a descendência de Jacó.

Há então 9 mulheres dos filhos de Jacó. Mas há 12 filhos. Temos de deduzir 3. Quem? Primeiro, a mulher de José, que estava no Egipto. Segundo, Judá era viúvo (Gn 38:12) e não voltou a casar depois do caso com Tamar. O terceiro caso deverá referir-se a Simeão. Deduzimos isto porque há uma chamada de atenção específica relativamente ao seu último filho Saul, que era filho de uma mulher cananeia (Gn 46:10).
Está assim explicado o número 75 em Atos 7:14 (Jones, 2009: p.69).

Existe uma outra interpretação que se fundamenta na Septuaginta, e que podemos, por exemplo, encontrar em Anstey (p.122), que aparentemente a defende, dizendo que a versão da Septuaginta era a versão utilizada por Estêvão e por vezes por Paulo.
Para justificar o número de 75, costuma dizer-se que Estêvão, sendo judeu helenista, usava normalmente a versão grega, a Septuaginta.

Em Gn 46:20, a Septuaginta acrescenta um filho a Manassés, Maquir, e o filho deste, Gileade, bem como dois filhos de Efraim, Taã e Sutela, e o filho de Sutela, Erã.
Vários versículos parecem ter estado na origem desta adição. Gn 50:23, que fala de Maquir e dos filhos deste que José tomou sobre os seus joelhos. Num 26:29,35-36 – Os filhos de Manassés foram: de Maquir, a famíia dos maquiritas, e Maquir gerou a Gileade … os filhos de Efraim … Sutela … Bequer … Taã … e Erã, filho de Sutela. E 1 Cro 7:20 –Era filho de Efraim: Sutela, de quem foi filho Berede, de quem foi filho Taate, de quem foi filho Eleade…

A interpretação segundo a Septuaginta indica Maquir, filho de Manassés, e Gileade, filho de Maquir, e Taã e Sutela, filhos de Efraim, e Erã, neto de Efraim como os 5 nomes que faltam (para além dos 70, e não dos 66). Contudo, prova-se facilmente que isto é impossível.
Efraim e Manassés nasceram a José durante os 7 anos de fartura. Jacó e toda a sua família entraram no Egipto no segundo ano dos 7 anos de fome, isto é, apenas 9 anos depois de José ter ascendido ao poder no Egipto. Isto significa que Efraim e Manassés não podem ter tido mais que 8 anos na altura, sendo portanto totalmente impossível de terem já gerado netos a José.

Disto conclui-se que o autor da Septuaginta tentou forçar Gn 46:20 para ficar em conformidade com Atos 7:14. Além de mostrar que a Septuaginta contem claros erros, mostra que a Septuaginta utilizada hoje não foi escrita antes de Cristo (Jones, 2009: p.69). E que Estêvão não a podia ter utilizada, já que ainda não tinha sido escrita.

05/12/2013

De Abraão a José

A cronologia de Génesis 5 e 11 é a mais precisa que podemos encontrar em toda a Bíblia. Nas épocas subsequentes, a cronologia torna-se cada vez menos óbvia, menos fácil de encontrar. É necessário fazer alguns cálculos, ter atenção a muitos pormenores revelados em lugares diferentes, nomes nas genealogias, referências a lugares, etc. Mas a informação está lá.

Para definir a cronologia do período de Abrão a José encontraremos algumas dificuldades, principalmente para situar com exatidão as ocorrências nas vidas de Jacó e José. Várias datas têm de ser calculadas a partir de outros dados a obter previamente, por isso vamos avançar passo a passo.
Comecemos no ano 2008 AH, ano de nascimento de Abrão.
Com a idade de 75 anos, Abrão sai de Harã à morte de seu pai (Gn 12:4; Atos 7:4): 2008 + 75 = 2083.

Abrão desce ao Egipto com a fome em Canaã (Gn 12). Regressa. Separa-se de Ló (Gn 13). Abrão liberta Ló e encontra-se com Melquisedeque (Gn 14).
Veio a Abrão a palavra do Senhor, dizendo que o seu herdeiro será gerado dele. Recebe também a seguinte profecia: a tua posteridade será peregrina em terra alheia, e será reduzida à escravidão e será afligida por 400 anos. Na quarta geração tornarão para aqui (Gn 15:13-16).

Sarai dá a sua serva Hagar por mulher a Abrão, depois de ele ter habitado 10 anos na terra de Canaã (Gn 16:3), portanto no ano de 2083 + 10 = 2093.
Nasce Ismael no ano seguinte. Era Abrão de 86 anos (Gn 16:16). 2008 + 86 = 2094.

Aos 99 anos aparece-lhe outra vez o Senhor (Gn 17:1) que muda o seu nome em Abraão, e promete um filho a Sarai. Abraão diz consigo: A um homem de 100 anos há de nascer um filho? Dará à luz Sara com seus 90 anos?

Deus estabelece a aliança da circuncisão. Abraão é circuncidado aos 99 anos. Ismael tinha 13 (Gn 17:24-25). É o ano de 2107 (Abraão 2008 + 99; Ismael 2094 +13).
Destruição de Sodoma e Gomorra (Gn18-19). Abraão parte para Gerar (Gn 20).

Isaque nasce quando Abraão tem 100 anos (Gn 21:5), no ano 2108.
Isaque cresceu e foi desmamado. Nesse dia em que o menino foi desmamado deu Abraão um grande banquete (Gn 21:8). Idade de Isaque?

Sacrifício de Isaque e confirmação da aliança (Gn 22).
Sara viveu 127 anos e morre (Gn 23:1). Se Sara tinha menos 10 anos que Abraão, ela nasceu em 2018, + 127 = 2145, ano da sua morte. Isaque tem então 37 anos, Abraão 137.

Bem avançado em anos (Gn 24:1), Abraão envia um servo procurar uma noiva para o seu filho, entre a sua parentela. Isaque casa com Rebeca, filha de Betuel, filho de Naor, irmão de Abraão, e de Milca. Era Isaque de 40 anos (Gn 25:20), no ano de 2148.
Nascem Jacó e Esaú quando Isaque tinha 60 anos (Gn 25:26), no ano 2168.

Abraão morre com 175 anos (Gn 25:7), no ano 2183.
Cresceram os meninos (Gn 25:27). Esaú vende a sua primogenitura a Jacó. Não nos é dito a idade deles. Deduz-se que ainda eram bastante jovens.

Com 40 anos de idade, Esaú tomou duas esposas (Gn 26:34). Estamos no ano 2208.
Tendo-se envelhecido Isaque e já não podendo ver, porque os olhos se lhe enfraqueciam (Gn 27:1), Jacó engana Isaque e recebe a bênção. Provavelmente logo a seguir, Jacó foge de Esaú e parte para Padam-Aram, à casa de seu tio Betuel, pai de Rebeca (Gn 28).

Não nos é dito a idade de Jacó e Esaú neste momento, mas teremos de calcular esta data e a dos eventos seguintes. Isto só poderemos fazer mais à frente quando tivermos obtido mais informação. Por isso, vamos recolher todos os dados possíveis:
Jacó casa com Lia, e depois com Raquel, filhas de Labão, irmão de Rebeca. Sabemos que Jacó esteve em todo 20 anos com Labão: 14 anos o serviu pelas suas duas filhas e depois ainda trabalhou para ele 6 anos (Gn 31:38, 41). Nestes 20 anos nasceram-lhe 6 filhos com Lia (Ruben, Simeão, Levi, Judá e Issacar, Zebulon), e uma filha (Diná), 2 filhos com Bila serva de Raquel (Dã, Naftali), 2 filhos com Zilpa serva de Lia (Gade, Aser), e 1 filho com Raquel (José): 11 sem contar Diná.

Tendo Raquel dado à luz a José, Jacó pede a Labão para voltar à sua terra. Percebe-se que chegaram ao fim os 14 anos que ele devia servir a Labão pelo dote das suas duas filhas (Gn 30:25-26). Continuou mais 6 anos.
Depois de 20 anos em Padam-Aram (Gn 31:38,41), Jacó volta para Canaã. Luta com o anjo no vau de Jaboque. Encontra-se com Esaú.


Depois Jacó parte para Sucote, que fica um pouco mais a jusante de Peniel onde lutou com o anjo (nota) (Beitzel, 2009: p.105, map 32).
Voltando de Padam-Aram, chegou Jacó são e salvo à cidade de Siquem, onde armou a sua tenda (Gn 33:18).

Gn 34 que narra o episódio com Diná e Siquém, em consequência do que Simeão e Levi matam e saqueiam a cidade, parece não inserir-se cronologicamente neste ponto. Isto porque Diná não podia ter mais de 10-12 anos, sendo ainda uma criança, logo após o regresso à terra de Canaã e antes do nascimento de Benjamim.
Jacó sobe a Betel, no lugar onde Deus lhe aparecera quando ia para Harã. Faz um altar (Gn 35) e Deus lhe aparece (Gn 35:9).

Partindo de Betel, a pouca distância de Efrata, que é Belém, Raquel dá à luz Benjamim e morre no parto (Gn 35:16-19).
Provavelmente, Benjamim nasceu pouco depois (menos de 9 meses) de regressarem de Padam-Aram. Gn 35:23-26 lista todos os filhos de Jacó, incluindo Benjamim, como os “que lhe nasceram em Padam-Aram. Não tendo efetivamente nascido lá – a Bíblia é clara –, pode ter sido concebido.

Jacó e Esaú sepultam Isaque, que morre com 180 anos. Isaque morre no ano 2288.
José tem 17 anos quando é vendido pelos irmãos (Gn 37:2). Foi levado ao Egipto, à casa de Potifar. É preso. Interpreta os sonhos do copeiro-mor e do padeiro-mor. Estes só se lembraram dele depois de 2 anos completos (Gn 41:1). José tinha 30 anos quando se apresentou a Faraó (Gn 41:46).

Passaram 7 anos de fartura (Gn 41:47). Nestes anos, antes de chegar a fome, nasceram Manassés e Efraim, filhos de José (Gn 41:50-52).
Passados os 7 anos de fartura, vieram 7 anos de fome (Gn 41:53-54).

Nos anos de fome, Jacó manda os seus filhos ao Egipto comprar mantimento (Gn 42).
Quando José se dá a conhecer a seus irmãos, já tinham passado 2 anos de fome e ainda restavam 5 (Gn 45:6).

Jacó e toda a sua família vão para o Egipto. Jacó tem então 130 anos (Gn 47:9). Finalmente um ponto de ancoragem. Jacó nasceu em 2168 +130 anos = 2298.
Jacó viveu na terra do Egipto 17 anos (Gn 47:28). Viveu ao todo 147 anos, morrendo no ano 2315.

Agora temos informação suficiente para calcularmos as datas que faltam:
2315: ano da morte de Jacó

2298: ano da ida de Jacó e sua família para o Egipto < Jacó esteve 17 anos no Egipto (2315 – 17 = 2298)
2296: ano do início da fome. Quando Jacó veio ao Egipto, já tinham passado 2 anos de fome.

2289: início dos 7 anos de fartura, quando José saiu da prisão e se apresentou a Faraó aos 30 anos de idade (2296 – 7 = 2289)
2259: ano do nascimento de José (2289 – 30)

No ano em que José nasceu, Jacó estava há 14 anos em Padam-Aram com Labão.
Jacó foi para Padam-Aram no ano de 2245 (2259 – 14). Jacó tinha então 77 anos! (Jacó nasceu em 2168 – 2245 = 77).

Ficamos surpreendidos, não imaginávamos Jacó com 77 anos quando foi para Padam-Aram e casou com Lia e Raquel. Mas, é biblicamente e matematicamente irrefutável.
Como Jones diz, isto demonstra o papel importante que a cronologia desempenha na compreensão de eventos e pessoas numa narrativa bíblica. O conflito entre Esaú e Jacó parece diferente quando nos damos conta de que não se trata de uma rivalidade entre irmãos nos seus trintas ou quarenta anos de idade. Não, depois de tanto tempo ainda não resolveram a sua contenda (Jones, 2009: pp.47-48).

E isto é só um exemplo de como uma cronologia correta pode colocar algumas situações numa nova luz.

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(nota) As referências geográficas são retiradas de Beitzel, Barry J, (2009). The New Moody Atlas of the Bible. Chicago: Moody Publishers.
 

01/12/2013

O NASCIMENTO DE ABRAÃO


Gn 11:26 – Viveu Terá 70 anos, e gerou a Abrão, a Naor e a Harã.
Segundo o nosso quadro cronológico, é o ano 1948 AH.

Visto que Abrão é mencionado em primeiro lugar, vários comentários e autores assumem que ele é o primogénito. Trata-se contudo de outro ponto de contenda.
Vejamos:

Harã morreu na terra do seu nascimento, em Ur dos caldeus, estando o seu pai (Terá) ainda vivo (Gn 11:28).
Abrão e Naor tomaram para si mulheres.

A mulher de Naor chamava-se Milca e era filha de Harã (Gn11:29). Deduzimos que Harã era mais velho do que Naor, visto que este casou com a filha daquele.
Alguns acham que Sarai é idêntica a Iscá, também filha de Harã (Gn 11:29). Mas Abrão disse dela que era filha de seu pai, mas não de sua mãe (Gn 20:12). De qualquer maneira, sabemos que Sara era mais nova que Abrão 9 anos (Gn 17:1 e 17).

Tomou Terá a Abrão e sua mulher Sarai, e a Ló – filho de Harã – e saíram de Ur para ir à terra de Canaã. Foram até Harã, onde ficaram (Gn 11:31).
Terá viveu 205 anos ao todo e morreu em Harã.

Seguindo a narrativa de Génesis, Abrão partiu de Harã para Canaã depois da morte de Terá. Diz o texto que Abrão tinha 75 anos quando saiu de Harã (Gn 12:4).
Se Abrão é o primogénito, tendo saído de Harã com 75 anos, Terá ainda estaria vivo com 145 anos quando Abrão partiu de Harã.

Isto é contrariado, não apenas pela lógica natural da narrativa de Génesis (a estrutura do texto de Gn 11:27 a Gn 12:1 dá a entender uma sequência de eventos), mas também por Atos 7:1-4, onde Estêvão afirma que Deus trouxe Abrão a Canaã com a morte de seu pai.
Terá nasceu no ano 1878 + 205 anos de vida = 2083, que é por conseguinte o ano em que Abrão saiu de Harã.

Se Abrão fosse o primogénito nascido em 1948, ele não poderia ter 75 anos à morte do pai e no ano da sua partida para Canaã. Tendo Abrão alegadamente nascido em 1948 + 75 = 2023, faltariam 60 anos para a morte de Terá.
Abrão nasce portanto em 2008 AH (data calculada, assumindo que Abrão saiu de Harã depois da morte de Terá, tendo Abrão 75 anos: ano da morte de Terá 2083 menos 75 anos= 2008).

Terá tinha 130 anos quando Abrão nasceu.
O primeiro filho de Terá nasceu quando ele tinha 70 anos. Há uma diferença de 60 anos entre o primogénito e Abrão. Deduz-se que Harã era o primogénito, visto que Terá levou Ló, filho de Harã, com ele. E visto que Naor casou com Milca, filha de Harã. Mais tarde, Rebecca, filha de Naor e Milca, casaria com Isaque, filho de Abraão.

Atentando à narrativa de Génesis e Atos 7:4, a dificuldade se resolve facilmente.
Há, contudo, autores que rejeitam o rigor da afirmação de Estêvão no livro de Atos, porque “contradiz o sentido natural de Génesis” (por exemplo: Barr, 1985: p.587) (ver nota). Eles mantêm que, se um nome é citado em primeiro lugar, isto significa naturalmente que é o primogénito, e portanto que Abrão saiu de Harã quando Terá ainda estava vivo. Mas como pode isto ser se Atos 7:4 afirma que Abrão só saiu de Harã com a morte de seu pai? Esta interpretação obriga a concluir que o texto bíblico se contradiz.

Mas o texto bíblico não se contradiz. Já vimos um precedente no caso de Sem. Abraão é mencionado em primeiro lugar, antes de Naor e Harã, porque é ele que está na linhagem de Jesus, embora não seja o primogénito de Terá. Do mesmo modo que Sem não era o primogénito de Noé como já vimos.


30/11/2013

A DISPERSÃO PELA TERRA


Em Génesis 10 são registadas as gerações dos filhos de Noé, que formam as 70 nações disseminadas depois do dilúvio.
Geralmente é presumido que a confusão de linguagem gerada em Babel foi o motivo da dispersão dos descendentes de Noé por toda a superfície da terra. Antes disto, em toda a terra havia apenas uma linguagem e uma maneira de falar (Gn 11:1). E que esta dispersão se deu nos dias de Pelegue (Gn 10:25).

Contudo, temos várias razões para crer que a dispersão das nações pelas terras e ilhas é anterior a (ou pelo menos começou mais cedo), e não consequência, da confusão de Babel. E que a história da torre de Babel tem outro significado.
Tentemos uma reconstrução cronológica dos factos:

Depois do dilúvio, Deus ordenou a Noé e seus filhos: Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra (Gn9:1). É improvável que todos os filhos e descendentes de Noé tenham desobedecido ao mandamento do Senhor, ficando por mais de 100 anos em um só lugar (do dilúvio ao nascimento de Pelegue são 101 anos), na terra de Sinear, de onde só saíram quando Deus confundiu a sua linguagem.
Gn 10:4-5 - Os [filhos] de Javã [que é filho de Jafé] são: Elisá, Társis, Quitim e Dodanim. Estes repartiram entre si as ilhas nas nações (lit. as ilhas dos goyim = gentios) nas suas terras, cada qual segundo a sua língua, segundo as suas famílias, em suas nações.

Os filhos de Javã são contemporâneos de Nimrode. A repartição das ilhas das nações entre os filhos de Javã (Gn 10:4-5) parece ocorrer pelo menos uma geração antes da confusão de Babel. É natural que, com o crescimento da população, as famílias começassem a espalhar-se e as línguas a diversificarem-se pela distância e afastamento.

Gn 10:8-12 – Cuxe, filho de Cão, gerou Nimrode… O princípio do seu reino foi Babel, Ereque, Acade e Calné, na terra de Sinear. Daquela terra saiu ele para a Assíria e edificou Nínive, Reobote-Ir e Calá…
Babel é o início do reino de Nimrode. Todas as famílias descendentes de Noé não ficaram no mesmo lugar, senão seriam todos súbditos de Nimrode. Foram todos os descendentes de Sem, Jafé e Cão súbditos de Nimrode? Improvável.

Mas então quem são “eles” que partiram do oriente e deram com uma planície na terra de Sinear e habitaram ali (Gn 11:2)?
Gn 10:25 – A Héber nasceram dois filhos: um teve por nome Pelegue, porquanto em seus dias se repartiu a terra; e o nome do seu irmão foi Joctã.

Gn 10:26-30 – … Os filhos de Joctã habitaram desde Messa, indo para Sefar, montanha do Oriente.
Gn 11:1-2 – Ora em toda a terra havia apenas uma linguagem e uma só maneira de falar. Sucedeu que, partindo eles do oriente, deram com uma planície na terra de Sinear; e habitaram ali.

“Eles” terão sido os filhos de Joctã, que habitaram desde Messa, indo para Sefar, montanha do oriente (Gn 10:30)? E que depois partiram do oriente para irem habitar em Sinear? E que se juntaram aos descendentes de Nimrode em Babel na rebeldia contra Deus? Para que não fossem espalhados por toda a terra (Gn 11:4) em vez de encherem toda a terra?
Héber tinha dois filhos, Pelegue e Joctã. A linha de Joctã aliou-se a Nimrode, e apostatou, enquanto a linha de Pelegue conduziu a Abrão.

O mundo foi dividido nos dias de Pelegue e Joctã. É neste contexto que deve ser lido o incidente de Babel. Porém, o incidente de Babel tem um significado diferente do contexto de Gn 10:5, 20 e 31, baseado no uso de palavras hebraicas diferentes para língua, linguagem, que se encontram traduzidas em português com a mesma palavra ‘língua’ ou ‘linguagem’.
Referimos aqui muito resumidamente a interpretação de James Jordan (2007).The handwriting on the wall. A commentary on the book of Daniel. Powder Springs, GA: American Vision, pp. 88-101)

Em Gn 10:5, 20 e 31, a palavra traduzida ‘língua’ ou ‘linguagem’ é LASHON, significando língua (o órgão do corpo) e língua, idioma.
Em Gn 11:1 – em toda a terra havia apenas uma linguagem e uma só maneira de falar – aqui ‘linguagem’ é tradução de SAPHAH (lábio) e ‘maneira de falar’ usa a palavra DABAR (palavra).

A palavra SAPHAH, literalmente 'lábio' (1 Sam 1:13), refere-se ao conteúdo do que se fala (por ex. Ex 6:12, 30), não à forma ou idioma. ‘Uma maneira de falar’ refere-se ao vocabulário, mas “um lábio” refere-se à religião.
LASHON é empregado por exemplo em Dt 28:49, Ne 13:24, Ester 1:22,3:12, Is 28:11 onde se refere às línguas faladas pelos diferentes povos.

‘Lábio’ (SAPHAH) está associado à confissão religiosa. Darei lábios puros aos povos (Sof 3:9); o que proferiram os teus lábios, isto guardarás (Dt 23:23); nunca os meus lábios falarão injustiça (Jó 27:4); as minhas razões provam a sinceridade do meu coração, e os meus lábios proferem o puro saber (Jó 33:3); proclamei as boas novas de justiça na grande congregação, jamais cerrei os lábios (Sl 40:9); sou homem de lábios impuros (Is 6:5); …
O que aconteceu em Babel não foi em primeiro lugar e apenas uma divisão de línguas mas uma divisão em termos de religião.

Os Semitas foram estabelecidos como representantes sacerdotais em Gn 9:26-27. O pecado de um ramo do povo sacerdotal afetou toda a humanidade – toda a terra (Gn 11;1 e 11:9) – em termos de língua e religião, embora toda a humanidade não estivesse presente em Babel.

04/11/2013

SEM, CÃO, JAFÉ e CANAÃ

O primeiro período da história da humanidade, de Adão até ao dilúvio, não traz qualquer dificuldade no cálculo da cronologia.

Entre Noé, Sem e Arfaxade (que se seguem na linhagem de Jesus), há uma aparente descontinuidade.
Gn 5:32 diz que Noé era da idade de 500 anos quando gerou Sem, Cão e Jafé.

Trata-se de trigémeos? Ou consta apenas o ano de nascimento do primogénito?
Gn 7:6 diz que Noé tinha 600 anos (isto é, no ano 600 da vida de Noé) quando as águas do dilúvio inundaram a terra.

Gn 8:13 - No ano 601 da vida de Noé, no primeiro dia do primeiro mês secaram as águas e Noé removeu a cobertura.
Gn 11:10 – Sem era da idade de 100 anos quando gerou a Arfaxade, 2 anos depois do dilúvio.

Portanto, se o dilúvio teve lugar no ano 1656, Arfaxade nasceu 2 anos depois, portanto em 1658.
Como Gn 5:32 menciona Sem em primeiro lugar, estaríamos inclinados a dizer que Sem é o primogénito. Mas se isto fosse o caso Sem devia ter 100 anos quando o dilúvio começou e não 2 anos depois do dilúvio. Sabemos, porém, que Sem está incluído na linhagem da semente redentora que levará até Jesus, por isso ele é mencionado primeiro. Mas não é o primogénito.

Isto leva-nos ao tema do primogénito.
A história de Caim, Abel e Sete já nos revelou que ser o primogénito não significa necessariamente ser um elo na linhagem que garante a continuação da promessa de Gn 3:15, ou seja na linhagem genealógica de Jesus.

Caim era o primogénito. Mas Abel seria o herdeiro, se não tivesse sido morto, pelo que Eva disse quando deu à luz Sete: Deus me concedeu outro descendente em lugar de Abel (Gn 4:25).
Sem também não era o primogénito, mas era o herdeiro. Quem era o primogénito? Cão ou Jafé?

A maioria defende que Jafé era o mais velho e Cão o mais novo, baseado em Gn 9:24 que diz que Noé soube o que lhe fizera o filho mais moço, que por sua vez remete ao v.22 que diz que Cão, tendo entrado na tenda do pai, viu a sua nudez. Além disso, baseiam-se em Gn 10:21 (King James Bible) onde diz que Jafé é o irmão mais velho de Sem.
Aparentemente, não há que se enganar.
No entanto, relativamente a este último versículo, várias traduções (entre outras a que usamos de João Ferreira de Almeida) dizem que Sem é irmão mais velho de Jafé. Neste caso, Jafé será o mais novo e Cão o mais velho. Mas então o que fazer de Gn 9:24 que parece indicar que Cão era o mais novo?

Há prós e contras para as duas interpretações.

Proponho a seguinte hipótese:
- Cão é o mais velho, e perdeu o direito de primogenitura a favor de Sem, o segundo filho, o irmão do meio. Do modo como, provavelmente, Caim perdeu a primogenitura para Abel.

- Jafé é o mais novo. Nada é dito dele que lhe tivesse feito perder o seu direito de primogénito se ele fosse o mais velho.

- Canaã, filho mais velho e herdeiro de Cão, é o mais novo a que se refere Gn 9:24. Possivelmente foi adotado por Noé, tal como Jacó adotou como seus os filhos de José, Efraim e Manassés. Canaã é amaldiçoado porque Cão perdeu o seu direito de primogénito e, por conseguinte, foi excluído da linhagem da semente da mulher.

Penso que a solução pode ser encontrada no significado da terra de Canaã, a terra prometida, a terra da herança. De quem é a posse? A terra que pertence ao filho mais novo (considerando Cão o mais novo) passaria a ser a terra que Deus prometeu a Abraão? Logicamente, não deveria ser a terra do filho primogénito que passasse a ser a terra prometida, a terra que mana leite e mel, duplamente abençoada? E esta terra passaria a ser herança daquele que substitui o primogénito?
Olhemos para dois exemplos onde se trata de primogenitura: 1) Jacó e Esaú, e 2) a situação de Ruben, Judá e José.

Esaú vendeu o seu direito de primogenitura a Jacó (Gn 25:27-34). Mais tarde, Jacó engana Isaque e recebe a bênção do primogénito (Gn 27:35), que teria sido de Esaú se este não tivesse vendido o direito. Esaú ficou sem bênção alguma (Gn 27:36-37; Hb 12:16-17).
Ruben, primogénito de Jacó, perdeu o direito e a bênção porque se deitou com a concubina de seu pai (Gn 35:22; 49:3-4). Em 1 Crónicas 5:1-2 lemos que Ruben não foi contado como primogénito e que a sua primogenitura foi dada aos filhos de José. De Judá veio o príncipe, porém o direito da primogenitura foi de José.

Depreendemos destes dois exemplos que o direito de primogenitura não era inalienável. O primogénito de facto podia perder este direito, por pecado, até mesmo vendê-lo.
Em que consistia esse direito de primogenitura e a bênção associada?

- Deus te dê do orvalho do céu e da exuberância da terra, e fartura de trigo e de mosto (Gn27:28) = prosperidade vinda da terra, porção dobrada (Dt 21:17)
- Sirvam-te povos, e nações te reverenciem: sê senhor de teus irmãos e os filhos de tua mãe se encurvem a ti (Gn 27:29) = autoridade, domínio, precedência (2 Cro 21:3)

- Maldito seja o que te amaldiçoar, e abençoado o que te abençoar. (Gn27:29)
Esaú viveria longe dos lugares férteis da terra, sem orvalho que cai do alto. Viveria da espada e serviria a seu irmão (Gn 27:40).

Ruben perdeu o direito. Simeaõ e Levi também não entraram em linha de conta pela violência que fizeram (Gn 49:5-7). A autoridade, o domínio, o cetro passou a pertencer a Judá, quarto filho de Lia (Gn 49:8-12). A bênção do primogénito - a porção dobrada - foi para José, filho mais velho de Raquel (os filhos das concubinas de Jacó não entraram em linha de conta), através de Efraim e Manassés, filhos de José.
Depois de Jacó, o direito de primogenitura é repartido por dois. José recebeu o direito de primogenitura – a bênção da porção dobrada –, mas quem está na linhagem de Jesus é Judá, não José. Judá é o príncipe, que terá o domínio, de onde virá a dinastia de David, o rei.

Esta transmissão da primogenitura de Jacó para um filho de Lia e um filho de Raquel está em concordância com Deuteronómio 21:15-17: Se um homem tiver duas mulheres, uma a quem ama e outra a quem aborrece, e uma e outra lhe derem filhos, e o primogénito for da aborrecida, no dia em que fizer herdar a seus filhos aquilo que possuir não poderá dar a primogenitura ao filho da amada, preferindo-o ao filho da aborrecida, que é o primogénito. Mas ao filho da aborrecida reconhecerá por primogénito, dando-lhe dobrada porção de tudo quanto possuir; porquanto é o primogénito do seu vigor: o direito da primogenitura é dele.
Isto também dá a entender que o direito de primogenitura não pode ser alienada pelo pai por capricho. Embora José fosse o filho mais amado de Jacó (Gn 37:3), Jacó não o podia privilegiar sobre os filhos de Lia (Ruben, Simeão, Levi e Judá).

O que me leva a concluir que Jafé, nada tendo feito para desmerecer o direito de primogénito, não terá sido por Noé (por Deus) preterido a favor de Sem. Cão, sendo o mais velho, sim, perdeu o direito de primogenitura pelo seu comportamento.

Quem considera Jafé o mais velho (é o caso de Jordan), não tem explicação para a preferência de Sem sobre Jafé. Diz apenas que em todo o livro de Génesis, o filho primogénito é posto de lado a favor de um filho mais novo, indicando assim a necessidade de um segundo Adão (JORDAN, J. The sin of Ham and the curse of Canaan. An Exposition of Genesis 9:20-27. Part 1 & 2. Biblical Horizons Newsletter, nº 96, 97, 98. 1997).
Mas tiraria o Senhor a primogenitura a alguém sem uma razão válida, para simbolicamente ilustrar a necessidade de um segundo Adão, filho mais novo?