Este blogue pretende ser um espaço de estudo e reflexão, e
de partilha, sobre temas e problemáticas de cronologia bíblica.
É uma área vastíssima, onde distinguimos vários campos de
reflexão:
A cronologia da criação, com o debate entre evolucionistas e
criacionistas. A influência das teorias evolucionistas, da geologia, da ciência
moderna, no pensamento cristão. As interpretações de Génesis 1 no desejo de
conciliar as Escrituras e os achados da ciência. O debate na ordem do dia, no
meio cristão, entre os defensores da designada teoria “quadro” (framework hypothesis) e os seus opositores…
A cronologia do Velho Testamento, com o questionamento da
historicidade do texto bíblico e da validade das referências cronológicas que
contem. A força da cronologia secular e académica, da crítica textual. A
rejeição da cronologia bíblica tradicional. Porém, um apelo, embora ainda
fraco, à revisão da cronologia secular…
As tentativas de vários autores de estabelecer uma
cronologia padrão (standard chronology) do
Velho Testamento, com todas as dificuldades inerentes. As variantes textuais e
as traduções. O Texto Massorético ou a Septuaginta. Aparentes contradições ou
alegados erros de escriba no próprio texto bíblico…
Assuntos e questões não faltam.
Como aparece este blogue?
Em 2008, escrevi um artigo cujo objetivo era fazer uma
análise aprofundada da profecia das 70 Semanas de Daniel. O estudo conduziu à
necessidade de abordar o problema cronológico inseparável desta profecia, por
ser este o principal causador da divergência de interpretações.
O período das “setenta semanas” da profecia de Daniel,
a sua duração, o seu ponto de início e o seu término, estão entre os pontos mais difíceis de toda a cronologia bíblica. Nenhuma
interpretação decisiva e convincente tem sido apresentada até hoje.
Na parte II desse artigo, explico a cronologia do referido
período - que inclui a cronologia de Esdras e Neemias - como o entendi, com a
ajuda de vários autores, referidos na bibliografia. Apresento uma conclusão,
que se constitui, na realidade, como uma hipótese de trabalho… Quando lá
chegarmos … cronologicamente.
O trabalho de muitos meses sobre a profecia de Daniel pôs-me
em contacto direto com a disciplina da cronologia bíblica, principalmente
através da Biblical Chronology Newsletter
de James Jordan (1989-1998) e da obra de Martin Anstey, Romance of Biblical Chronology (1913), ambos disponíveis online.
Há cerca de um ano, resolvi retomar o estudo da cronologia
bíblica de um modo mais sistemático, seguindo passo a passo as indicações
cronológicas fornecidas no Velho Testamento, com o intuito de ver se era
possível construir uma cronologia desde Adão até Jesus (ou seja, quantos anos decorreram
desde a criação de Adão até Jesus e situar os eventos e personagens bíblicas nessa cronologia) com base, apenas, na informação fornecida no texto bíblico. E
evitando, por enquanto, as questões e os debates ligados à semana da criação.
Verifiquei que existem muitos pontos difíceis, bem como muitos
obstáculos e armadilhas a uma resposta simples e direta.
Cronologia bíblica é um objeto de estudo pouco conhecido do
cristão em geral. Mas é importante, mais importante e mais sério do que nos
damos conta.
Cronologia é uma disciplina da história, frequentemente
designada como a espinha dorsal da história. É a ciência de situar eventos
históricos na sua ordem de ocorrência no tempo e em relação uns com os outros.
“Sem ela seria impossível compreender a sequência de eventos
históricos, quer bíblicos quer não bíblicos. Visto que a cronologia é o
fundamento em que a história assenta e o esqueleto que lhe dá estrutura e
forma, os eventos da história só conseguem ser significativos e corretamente
compreendidos enquanto forem mantidos dentro da sequência temporal correta.
Quando a sequência temporal é alterada, a interpretação dos eventos é
distorcida, deixando de ser fiável”. (Jones, Floyd Nolen. The
chronology of the Old Testament. USA: Master Books Edition, 2009/1993, p.1)
A Bíblia é, também, um livro de história. Se a sua cronologia
não é fiável, se não é verdadeira, a própria historicidade da Bíblia cai por
terra, e pode, com isso, minar os fundamentos da nossa fé.
A cronologia bíblica tem sofrido muitos ataques, como ainda
veremos. Penso, portanto, que esta matéria merece a nossa maior atenção.
Uma palavra de Edward J. Young a este respeito:
«Someone has aptly compared the Bible to an anvil
against which the hammer blows of unbelief are constantly beating. But although the
hammers crack and break frequently, and must be replaced, the anvil stands. It
cannot be shattered.
Through the centuries many attacks have been levelled
against the Word of God. Sometimes it would almost seem as if these attacks
would destroy the Scriptures. Yet in His good providence, God has seen to it
that His Word abides; while the attacks which are made upon it soon die away
and are almost forgotten, except by theologians and church
historians—repositories of the broken hammers.»
«Alguém tem comparado a Bíblia a uma bigorna
contra a qual batem constantemente as marteladas da descrença. Mas embora os martelos
estalem e partam muitas vezes, devendo ser substituídos, a bigorna permanece.
Não pode ser destruída.
Ao longo dos séculos, a Palavra de Deus tem sido alvo de muitos
ataques. Por vezes até parece que estes ataques conseguem destruir as Escrituras.
Mas Deus tem providenciado para que a Sua Palavra prevaleça, enquanto os
ataques rapidamente diminuem e quase são esquecidos, exceto por teólogos e
historiadores da igreja – repositórios de martelos partidos».
Como procederemos neste blogue?
Proponho fazer o mesmo caminho que encetei há um ano, mas
agora com mais alguns conhecimentos e uma melhor visão sobre as muitas questões
relativas ao tema. Mas também mais perguntas.
Começando no livro de Génesis, seguiremos as referências
cronológicas, tentaremos construir uma cronologia das pessoas e eventos
bíblicos, recorrendo, naturalmente, a fontes bibliográficas. Analisaremos as
dificuldades e questões que se levantam, e abordaremos outros assuntos de algum
modo relacionados com a nossa matéria de estudo, à medida que progredirmos na história.
Além de diversas fontes e bibliografia que irei mencionar
quando for oportuno, a bibliografia principal utilizada na nossa viagem
cronológica incluirá os seguintes autores:
ANSTEY,
Martin (1913). The Romance of Bible Chronology.
An Exposition of the meaning, and a Demonstration of the Truth, of every
Chronological statement contained in the Hebrew Text of the Old Testament.
London, Edinburgh and New York: Marshall Brothers, Ltd. Disponível em http://www.amen.org.uk/anstey/
JONES,
Floyd Nolen (2009-1993).The Chronology of
the Old Testament. USA: Masterbooks.
Estes três autores (Anstey, Jordan e Jones) pertencem à
escola tradicional de cronologia bíblica. Esta escola considera as Escrituras
como a fonte factual contra a qual todo outro material deve ser avaliado. O
objetivo dos membros desta escola é de construir uma cronologia “padrão” da
Bíblia, de Adão a Jesus, a partir dos dados cronológicos contidos no Texto
Massorético Hebraico do Velho Testamento, independentemente de outras fontes.
Do lado oposto, está a escola moderna ou também designada “assíria”,
que tenta estabelecer a sua cronologia procurando pontos de contacto, eventos
sincrónicos, entre o registo bíblico e os registos assírios, babilónicos e
egípcios. No entanto, este procedimento baseia-se no pressuposto de que os vários
registos não bíblicos são fontes cronológicas absolutamente fidedignas e
corretas, preferidas sobre o texto bíblico. Há autores cristãos que se incluem
nesta categoria.