20/02/2015

ROBOÃO e SISAQUE

Com o período da monarquia dividida balizada e a sua duração definida em 390 anos (ver as duas mensagens anteriores), podemos começar a fazer o exercício de estabelecer a cronologia relativa dos reis, isto é os reis de Judá relativamente aos reis de Israel, como é dada ao longo dos livros de Reis e Crónicas.

Aconselhamos ao leitor que faça este exercício por si, porque assim se torna mais claro onde se encontram as (aparentes) anomalias e outros pontos difíceis.

É preciso ter em atenção que o calendário hebraico é diferente do nosso. O ano começa no mês de Abib, o 1º mês (Ex 12:2), correspondendo a março-abril. Cada novo mês começava com a lua nova, por isso variava de ano a ano.


O tempo de Roboão (Judá) e Jeroboão (Israel) não oferece muitas dificuldades, internamente. Mas surge mais uma questão a resolver em relação à cronologia consensual.

3029 AH
Roboão começa a reinar com a idade de 41 anos. Sabendo isto, deduzimos que Roboão nasceu antes de Salomão ser proclamado rei, visto que ele reinou 40 anos.
Roboão reinou 17 anos. (1Rs 11:43;2Cr 9:31). Jeroboão reinou 22 anos (1Rs 12:1-2; 1Rs 14:20).

3033 AH
No 5º ano de Roboão, Sisaque, rei do Egipto, sobe contra Jerusalém, porque tinham transgredido contra o Senhor (1Rs 14:25-26; 2Cr 12:1-9). Sisaque tomou as cidades fortificadas que pertenciam a Judá; veio contra Jerusalém e tomou os tesouros do templo e da casa do rei. A partir desse momento, Judá passa a ser vassalo do Egipto: “Serão seus servos, para que conheçam a diferença entre a minha servidão e a servidão dos reinos da terra” (2Cr 12:8), ao mesmo tempo que Roboão “continuou reinando” (2Cr 12:13)

Quem era Sisaque?

A primeira vez que encontramos Sisaque é no tempo de Salomão. Jeroboão se rebelara contra Salomão, que por isso procurou matar a Jeroboão. Este fugiu para o Egipto, ter com Sisaque, onde permaneceu até à morte de Salomão (1Rs 11:26-40). A Septuaginta (versão grega do Velho Testamento feita no século III d.C. no Egipto) menciona que o rei Sisaque deu para mulher a Jeroboão, a irmã mais velha da sua própria mulher, chamada Ano. A história é, talvez, demasiado semelhante com a de Hadade e Tafnes (1Rs 11:19-20), mas não improvável, sendo o casamento uma maneira habitual de fazer aliados e de ganhar poder. Velikovsky traz como prova um vaso canópico (recipiente utilizado no Antigo Egipto para colocar órgãos retirados do morto) preservado no Metropolitan Museum of Art, com o nome de Ano. O vaso data do tempo de Tutmés III, da 18ª dinastia. Tutmés III era o sucessor de Hatshepsute. Lembramos que Velikovksy identificou Hatshepsute como a rainha de Sabá.
Jeroboão tinha certamente o apoio de Sisaque quando voltou para Israel e causou a divisão do reino depois da morte de Salomão. Quando Roboão tentou militarmente restituir o reino num ataque a Israel, foi desaconselhado pelo profeta Semaías, que assim provavelmente o salvou de comprar uma guerra com o Egipto de que não sairia ileso (1Rs 12:16-24).

Prevendo possivelmente um ataque vindo do Egipto, Roboão fortificou várias cidades e criou uma linha defensiva (2Cr11:5-12).

De acordo com o esquema cronológico defendido por Velikovsky, Sisaque era Tutmés III, o sucessor de Hatshepsute no trono do Egipto. Velikovsky apresenta várias provas desta identificação.

Sabe-se que Tutmés III empreendeu várias campanhas militares em Israel e na Síria, onde submeteu numerosas cidades, e de onde trouxe um valiosíssimo despojo. Tudo isto está gravado nas paredes do templo de Karnak no Egipto.

Segundo a cronologia consensual, as campanhas de Tutmés III eram dirigidas contra os povos que habitavam em Canaã muito tempo antes da chegada de Josué e das tribos de Israel, apesar de haver nesta interpretação várias questões não resolvidas.

Na sua primeira campanha em Israel, em Megido, Tutmés III enfrentou o rei de Kadesh, mas este escapou. Quem era este rei de Kadesh? Kadesh aparece em primeiro lugar numa lista de 119 cidades conquistadas por Tutmés, entre as quais se encontram os nomes das cidades que Roboão fortificou quando começou a reinar (2Cr 11:5-10). Não aparece o nome de Jebus ou Salem, como Jerusalém era chamada no tempo cananeu. Os historiadores identificam esta Kadesh com uma cidade situada no rio Orontes, na Síria, embora Tutmés não tivesse ido até ao norte da Síria na sua primeira campanha. Além disso, o nome vem em primeiro lugar na lista referente a Israel, não da Síria. A segunda cidade mencionada na lista é Megido, bem conhecida da Bíblia, esta já no tempo de Josué e dos reis de Canaã.  

A linha defensiva criada por Roboão e destinada a impedir tráfico indesejado desde o sul e oeste, ironicamente não dava proteção a Jerusalém se o inimigo viesse do norte (Beitzel, p.171). Segundo os anais de Tutmés III, que foram preservados, este conquistou primeiro as cidades de Judá, atacou Megido, e de Megido foi para Jerusalém, que se encontra a sul de Megido.

2Cr 12:2-5 relata que, no 5º ano de Roboão, Sisaque tomou primeiro as cidades fortificadas de Judá e, depois, veio a Jerusalém, onde se tinham ajuntado os príncipes por causa de Sisaque. A conquista das cidades muradas é a fase da guerra registada no início dos anais de Tutmés III. A segunda fase foi a subida a Kadesh. O nome Jerusalém não está na lista de Tutmés. Será Jerusalém Kadesh? É muito provável. Kadesh significa ‘santo’. Em inúmeros lugares nas Escrituras, Jerusalém é designada como a cidade ‘kadesh’, a cidade santa, no monte santo ... (2Cr 8:11; Sl 2:6; Joel 2.1; 3:17; Is 66:18; Dn 9:16,24,…).

Aconselhados pelo profeta Semaías, os príncipes de Judá não ofereceram resistência mas humilharam-se perante Sisaque, para não acontecer pior. Está escrito que Sisaque tomou os tesouros da casa do Senhor e da casa do rei, um despojo riquíssimo, que tinha sido reunido desde o tempo de Saul, David e Salomão.

O que Tutmés III levou para o Egipto encontra-se desenhado e descrito de maneira muito detalhada nos baixos-relevos do templo de Karnak, Deir el Bahari e em vários outros monumentos. Uma grande parte do despojo consistia em objetos religiosos tomados de um templo. Os relevos mostram objetos de ouro, prata e bronze, que são de uma riqueza e requinte, e quantidade, correspondendo em tudo às descrições que temos na Bíblia dos objetos feitos para o templo do Senhor pelos artesãos no tempo de Salomão (Velikovsky, pp.165-178).

Em anos e campanhas subsequentes, Tutmés III voltou a Israel para receber o tributo da terra de Punt (a mesma designação que foi usada por Hatshepsute) e Retenu (outra designação usada para Israel nas inscrições egípcias). Naquelas ocasiões ele trouxe mais riquezas, cavalos, carros, animais, ouro e prata, mirra, incenso, madeira e vinho, como também toda a coleção botânica e zoológica que Salomão tinha reunida de várias partes do mundo e estudada (1Rs 4:33).

Retenu, ou Rezenu, é frequentemente usada em inscrições egípcias do Império Médio para designar Israel. Rezenu é aparentemente a transcrição de um nome usado pela população residente para designar a sua terra. Pode ter origem no hebraico. “Eretz” significa terra, país, “Eretz Israel”. “Aretzenu” é a forma possessiva: nossa terra. O que os egiptólogos leem “Retenu” ou “Rezenu” é, provavelmente, o “Aretzenu” da Bíblia (por exemplo: Jos 9:11) (Velikovsky, p.185).

No templo de Karnak, além dos relevos descrevendo as campanhas militares de Tutmés III, há um relevo de uma campanha de Shoshenk, faraó fundador da 22ª dinastia (Tutmés III é 18ª dinastia), contra Israel. Este Shoshenk é identificado, na cronologia e história consensual, como sendo Sisaque. Contra isto está que a lista de cidades conquistadas por Tutmés contem nomes conhecidas da Bíblia, enquanto a lista de Shoshenk só contém nomes desconhecidos. Além disso, não há qualquer referência aos tributos e ao famoso despojo que teria trazido do templo de Jerusalém, contrariamente ao que mostram os relevos de Tutmés. O que é estranho, visto que os faraós egípcios gostavam muito de mostrar o seu poder e magnificência.

Isto leva-nos a outro aspeto que muitos estranham. O tipo de objetos, a riqueza da obra artística, a quantidade de ouro, prata e bronze que Tutmés III trouxe das suas campanhas a Israel, seriam prova de um avançado nível civilizacional das tribos canaanitas muito antes de Josué ter chegado à Canaã. Artesãos foram levados para o Egipto. O seu estilo influenciou o estilo do Egipto. É surpreendente que os povos de Canaã daquele tempo fossem artesãos de tão alto gabarito, a um nível bem mais alto até do próprio Egipto.

Mas se colocarmos Tutmés III no tempo de Salomão e Roboão, muito é explicado. A conquista de Israel nos anais de Tutmés III coincidem com os relatos em Reis e Crónicas. O país foi invadido, as cidades fortificadas tomadas. Jerusalém (Kadesh) não foi tomada de assalto, mas rendeu-se. O templo e o palácio do rei foram saqueados, os objetos levados para o Egipto. A sua descrição encontra-se nas paredes do templo de Karnak.

Tudo indica que Sisaque não era Shoshenk, mas sim Tutmés III. A campanha de Shoshenk terá tido lugar numa altura posterior na história de Judá e Israel. Poderá ser que encontremos alguma referência mais tarde.

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