O primeiro ano do regresso
No primeiro
ano de Ciro (o 70º ano desde o 3º ano de Jeoaquim), ano 3467 AH, Ciro emitiu o
decreto que permitiu aos judeus regressarem a Jerusalém e edificar uma casa ao
Senhor (2Cr 36:22; Ed1:1-4). No ano seguinte empreenderam o regresso.
Zorobabel
Levantaram-se todos aqueles cujo espírito Deus despertou para subirem a
Jerusalém (Ed 1:5). Ciro entregou os utensílios da casa do Senhor, que
Nabucodonosor tinha trazido para Babilónia, a Sesbazar, príncipe de Judá (Ed 1:8). Alguns reconhecem neste nome
uma semelhança com Senazar (1Cr 3:18), um dos filhos de Sealtiel, filho de Jeconias,
e personagem diferente de Zorobabel e anterior a este (FINEGAN 1998, p.267).
Geralmente, no entanto, considera-se que Sesbazar é Zorobabel. Várias
passagens confirmam-no. Ed 5:13 diz a mesma coisa que Ed 1:7-8, acrescentando
que Sesbazar era aquele que fora nomeado governador. Ed 5:16 diz que foi
Sesbazar que lançou os fundamentos da casa de Deus, a qual está em Jerusalém. E
sabemos que Zorobabel era governador no segundo ano de Dario (Ag 1.1) e foi ele
que colocou os fundamentos da casa (Zc 4:9).
Zorobabel era da linhagem de Jeconias, o rei que foi para o exílio e
considerado o último rei legítimo no trono de Judá. A escolha de Ciro em nomear
Sesbazar/Zorobabel como governador permitiu o regresso e a restauração da nação
sob o governo de um príncipe da linhagem davídica (Mt 1:11.12).
Nos livros de Esdras, Neemias, Ageu e Mateus, Zorobabel é sempre apresentado
como filho de Sealtiel. Mas, curiosamente, 1Cr 3:19 diz que Zorobabel é filho
de Pedaías, que é irmão de Sealtiel. É possível que Sealtiel, mencionado
primeiro e provavelmente o primogénito, não tenha tido filhos e que o filho primogénito
de Pedaías foi adotado como herdeiro de Sealtiel, em cumprimento da provisão da
lei em Dt 25:5-6. Antes da lei, isto já era um costume, como se pode ver em Gn
38.
3468 AH – os eventos do primeiro ano
É provável que a viagem tenha iniciado no início do ano, na primavera e que
durou vários meses, chegando o povo a tempo para celebrar as festas do 7º mês.
Podemos usar como termo de comparação a viagem de Esdras e comitiva relatada em
Esdras 7 e 8, que foi iniciada no 1º mês (Ed 8:31) e que chegou a Jerusalém no
5º mês (Ed 7:8).
O povo veio a Jerusalém e Judá, e cada um habitou na sua cidade (Ed 2:1,
70).
Em chegando o sétimo mês, estando os filhos de Israel já nas
cidades ajuntou-se o povo, como um só homem, em Jerusalém (Ed 3:1). O 7º mês,
Tishri (setembro/outubro) é o mês da Festa das Trombetas, do Dia da Expiação e
da Festa dos Tabernáculos (Lv 23:23-44).
Várias coisas aconteceram neste mesmo mês:
a) No primeiro dia, dia das trombetas, Esdras leu a lei perante o
povo (Neemias 8)
b) Sob a liderança de Zorobabel e Jesua, edificaram o altar para
oferecer holocaustos (Ed 3:1-2). Firmaram o altar sobre as suas bases; e, ainda
que estavam sob o terror dos povos de outras terras, ofereceram sobre ele
holocaustos ao Senhor, de manhã à tarde (Ed 3:3). Desde o 1º dia do 7º mês começaram
a oferecer holocaustos ao Senhor; porém ainda não tinham posto os fundamentos
do templo. (Ed 1:1-7).
c) Celebraram a festa dos tabernáculos (Ed 3:4-5; Ne 8:13-18),
aos 15 dias do mês, durante 7 dias (Lv 23:34-36).
d) No dia 24, fizeram confissão e selaram uma aliança (Ne 9, 10).
A interpretação mais generalizada é a leitura da lei por Esdras, a
celebração da festa dos tabernáculos e o selar da aliança, descritos em Neemias
8, 9 e 10, tiveram lugar muitos anos mais tarde, no ano em que Neemias foi para
Jerusalém para reconstruir os muros, no 20º ano do rei Artaxerxes.
Mas a solução que aqui apresento baseia-se na solução preconizada por
Sir Isaac Newton, em 1728, e que resolve muitas dificuldades.
Temos algumas questões a resolver em relação a Esdras e Neemias.
Esdras
Na lista dos que subiram primeiro com Zorobabel e Jesua, há uma figura
chamada Seraías em Esdras 2:2. Em Neemias 7:7, tem o nome de Azarias. Trata-se da
mesma pessoa dado que a lista em Neemias 7 é a repetição da lista em Esdras 2.
Este Azarias é também mencionado em 1Cr 9:11, entre os sacerdotes que foram “os
primeiros habitadores, que de novo vieram orar nas suas próprias possessões e
nas suas cidades” (1Cr 9:2) depois que regressaram da Babilónia. Este Azarias é
“filho de Hilquias, filho de Mesulão, filho de Zadoque, filho de Aitube,
príncipe da casa de Deus”. Também é mencionado em Ne 11:11-12). Hilquias era o
sumo-sacerdote no tempo de Josias (2Rs 23:24), o último rei bom em Judá, e uma
referência positiva.
Esdras por sua vez é “filho de Seraías, filho de Azarias, filho de Hilquias, filho de Salum, filho
de Zadoque, filho de Aitube, ….”. Apresenta, portanto, a mesma linhagem que
Azarias/Seraías. Ou Azarias/Seraías é descendente de Hilquias, mas via outro
filho que Esdras. Ou, possivelmente, trata-se da mesma pessoa em todos os
casos. Pode ser que a confusão de nomes em Ed 2:2 e Ne 7:7 seja resultado do
facto de Esdras ser filho de Seraías, filho de Azarias (Ed 7:1). Mas é possível
que se trate de duas pessoas diferentes. Em Ne 12:1, um sacerdote chamado
Seraías é mencionado ao lado de Esdras, e aparece também em Ne 10:2 como
assinante da aliança.
Mas independentemente disto, Ne 12:1 não deixa dúvidas quanto ao facto
de Esdras se encontrar entre os sacerdotes que subiram com Zorobabel.
Não há, portanto, qualquer impedimento a que a leitura da lei por Esdras
se tenha realizado no 7º mês do primeiro ano do regresso.
Neemias
Verificámos
que, logo a seguir a Zorobabel e Jesua, também vem o nome de Neemias.
Defendo que Neemias 8 acontece no 7º mês do primeiro ano, e que é uma
descrição ampliada da narração em Ed 3:1-6. Esdras era sacerdote e escriba, e
Neemias era governador (Ne 8:9). Mas como conciliar isto, se Zorobabel era o
governador nomeado por Ciro?
No final da lista, em Esdras 3, dos que “subiram primeiro”, é referido o
cuidado que houve com o estabelecimento da linhagem dos sacerdotes e servidores
do templo (Ed 3:58-63). Alguns procuraram o seu registo nos livros
genealógicos, mas não o conseguiram encontrar pelo que foram tidos por imundos
para o sacerdócio. “O governador lhes disse que não
comessem das coisas sagradas, até que se levantasse um sacerdote com Urim e
Tumim” (Ed 2:63; Ne 7:63). Quem é este “governador”?
A resposta parece óbvia:
Zorobabel. Mas não é correto.
Há, nos livros de Esdras e Neemias, duas palavras diferentes no original
hebraico, embora sejam ambas traduzidas em português como “governador”. Uma é
TIRSHATA, outra é PECHAH. É esta distinção que nos compele a fazer uma leitura
cronológica diferente.
A palavra traduzida “governador”, nestes versículos (Ed 2:63; Ne 7:65 e
70), é TIRSHATA. Porém não é dito quem
era o TIRSHATA. Como se trata de algo que ocorreu no primeiro ano do regresso,
deduz-se habitualmente que o governador era Zorobabel.
Há 5 ocorrências de TIRSHATA: além das já mencionadas (Ed 2:63, Ne 7:65,70),
os outros dois versículos (Ne 8:9 e 10:1) identificam o TIRSHATA com Neemias. Deduzimos
disto que Neemias é o TIRSHATA em todos os casos!
Zorobabel/Sesbazar era o PECHAH, o governador de Judá (Ed 5:14; 6:6; Ag
1:1,14; 2:2, 21). A palavra PECHAH, segundo Gesenius, refere-se a um governador
de uma província. Será um cargo político. PECHAH também é aplicado a Tatenai,
governador daquém do Eufrates (Ed 5:3,6; 6:6, 13) e a um certo governador dalém
do Eufrates (Ne 3:7). A palavra TIRSHATA é utlizada apenas em relação a aspetos
da lei, do tesouro, das coisas sagradas.
Portanto, ao mesmo tempo que Zorobabel era governador de Judá (PECHAH),
Neemias era TIRSHATA, tratando-se de dois cargos diferentes.
Neemias também foi PECHAH (Ne 5:14,18; 12:26), mais tarde, do 20º ao 32º
ano de Artaxerxes. O facto de as traduções não fazerem esta distinção levou à
interpretação generalizada de que os episódios da leitura da lei por Esdras, a
celebração da festa dos tabernáculos, a confissão e o selar da aliança
descritos em Neemias 8 e 9 tivessem ocorrido numa época posterior, quando
Neemias era governador de Judá. Em Neemias 8 e 9, Neemias é o TIRSHATA, não o
PECHAH.
Além disso, todo o relato começando em Neemias 7:5 até ao 12:9 é uma
narrativa cronológica sem interrupções: a repetição da lista dos que primeiro vieram
do cativeiro (Ne 7), a reunião em Jerusalém no 7º mês e a leitura da lei por
Esdras (Ne 8), a festa dos tabernáculos no dia 24 desse mesmo mês com a
confissão dos levitas (Ne 9), seguido do selar da aliança por Neemias na
qualidade de TIRSHATA (Ne 10), e a descrição dos que habitavam em Jerusalém e
nas outras cidades.
Os capítulos 7 a 11 de Neemias formam um parêntese histórico, relembrado
por Neemias entre o término da construção do muro com o assentamento das portas
(Ne 7:1), e a dedicação dos muros (Ne 12:27-43). Depois de reedificado os
muros, Deus pôs no coração de Neemias que ajuntasse os nobres os magistrados e
o povo, para registar as genealogias. Por esta ocasião, achou o livro da
genealogia dos que subiram do cativeiro e que vieram com Zorobabel e Jesua (Ne
7.5-7) … e a história prossegue ininterrupta até ao final do capítulo 11, relatando
todos os eventos do 7º mês.