OS TEMPOS DOS GENTIOS (3)
Comparando os sonhos e visões dos
vários capítulos de Daniel (2, 7, 8 e 10-12), podemos acompanhar a sucessão e a
história dos reinos gentios, no que diz respeito a Israel, desde Nabucodonosor
da Babilónia até ao tempo em que Jesus inaugurou o reino de Deus e se assentou
no trono do seu reino.
Os dois primeiros reinos, Babilónia e
Pérsia, não levantam problemas de interpretação, pois o próprio texto bíblico
os esclarece na revelação que Daniel recebeu.
A
cabeça de ouro da estátua do sonho de Nabucodonosor representa o primeiro
reino, a Babilónia. Em Daniel 7, o mesmo é descrito como um leão com asas de
águia.
Belsazar
foi o último descendente de Nabucodonosor no trono da Babilónia. No terceiro
ano do seu reino, Daniel viu em sonho um carneiro com dois chifres: estes dois chifres são os reis da Média e da
Pérsia (Dn 8:20). A Daniel foi revelado que estava para breve o fim do
domínio babilónico e a vinda dos medos e dos persas, que já eram conhecidos de
Daniel. Eram nações que estavam a fortalecer o seu poder na região. No
princípio, os medos eram mais poderosos, mas os persas acabaram por dominar,
daí o chifre que cresceu mais do que o outro. Estes conquistaram a Babilónia na
pessoa de Ciro.
A
Pérsia é o segundo reino.
Na
mesma visão do carneiro com dois chifres (Dn 8), Daniel viu chegar, do
Ocidente, um bode com um chifre entre os olhos que derrotou o carneiro
representativo da Pérsia. Este chifre engrandeceu-se rapidamente mas no auge da
sua força foi deitado abaixo. O bode
peludo é o rei da Grécia; o chifre grande entre os olhos é o primeiro rei
(Dn 8:21). A Grécia já era uma potência colonizadora forte no Mediterrâneo no
tempo de Daniel. Por isso, a profecia pôde designá-la pelo nome. Mas o chifre
foi quebrado, levantando-se quatro em
lugar dele, significa que quatro reinos se levantarão deste povo (Dn
8:21-22). Estes já não são mencionados pelo nome, mas podemos confirmar na
história a sua identidade. O terceiro reino é o império de Alexandre o Grande,
e a subsequente divisão do seu imenso reino, após a sua morte prematura [em 323
a.C.], entre os seus quatro generais, passando a haver quatro reinos (8:22).
Pode dizer-se que o terceiro reino é o da dominação helenística.
A
narrativa bíblica (Dn 11:5-20) refere apenas dois dos quatro reinos
helenísticos, o do Norte e o do Sul, porque a sua história diz diretamente
respeito ao povo judeu. Durante 125 anos, a região da Judeia, que se situava
entre a Síria no norte (governada pela dinastia Selêucida) e o Egipto no sul
(dinastia dos Ptolomeus), foi objeto de contínuas lutas e frequente campo de
batalha. Em [198 a .C.]
Antíoco III o Grande, o rei do Norte, derrotou os egípcios e anexou a Judeia à
Síria.
Perto
do fim deste reino helenístico (“no fim do seu reinado”), saiu de um dos quatro
chifres um chifre pequeno que se fez
forte (Dn 8:9-14), que é o “rei de feroz catadura e entendido de intrigas”
(8:23). Pela descrição que é feita dele, é o mesmo que o homem vil (Dn 11:21-32), personagem que a grande maioria dos
estudiosos da Bíblia identifica como Antíoco IV, conhecido como Epifânio, que
subiu ao trono da Síria em 176
a .C. mediante intrigas (8:23). Esta personagem recebe um
grande destaque na narrativa (Dn 8:9-14, 23-26; 11:21-32).
Se
olharmos para o quadro cronológico comparativo de Daniel no post anterior (o tempo dos gentios-2),
compreende-se que se trata da mesma personagem que aparece para o fim do
terceiro reino, e que pertence portanto ainda ao reino da Grécia.
O rei de feroz catadura levantou-se quando os prevaricadores acabaram (Dn
8:23). Esta frase enigmática na versão portuguesa tem uma tradução mais
esclarecedora noutras versões[1],
e em versões mais recentes - quando os
transgressores tiverem chegado ao cúmulo - significando
que o rei feroz se levantou por causa das
transgressões que chegaram ao cúmulo. Quando Israel fazia compromissos com
o inimigo e se afastava dos caminhos do Senhor, deixava o caminho livre para o
inimigo atacar e dominar, como se vê repetidamente na história bíblica. É o que
iria novamente acontecer aos judeus, desta vez sob Antíoco IV Epifânio.
Qual é
a história? Os acontecimentos foram despoletados pela
nomeação do sumo-sacerdote por Antíoco. O sumo-sacerdote, por vezes
chamado o “príncipe da aliança” (Dn 11:22-23; Ez 44:3; 45:7), era a autoridade
judaica máxima. Ele controlava o dinheiro do templo e detinha o poder
financeiro, daí que o templo e o posto de sumo-sacerdote se tornassem cada vez
mais um campo de rivalidades e intrigas entre judeus, como também de interesse
para o poder governante. À morte do sumo-sacerdote Onias, Antíoco deu o posto a
Jason, irmão de Onias. Mais tarde, zangou-se com ele e deu o sumo-sacerdócio a
Menelaus, que não era sequer de linhagem sacerdotal. Menelaus apoiava a
política de Antíoco de impor a lei e cultura helenística aos judeus, incluindo
o culto dos deuses gregos. Muitos judeus aderiram ao helenismo.
Mas, mais
tarde, quando Antíoco regressou, derrotado, de uma campanha contra o Egipto,
voltou-se contra Jerusalém.
No tempo determinado tornará a vir em direção do sul [Egipto]; mas não
será na última vez como foi na primeira (Nota:
numa primeira campanha, ele fora bem sucedido). Porque virão contra ele
navios de Quitim, que lhe causarão tristeza; e voltará, e se indignará contra a
santa aliança, e fará o que lhe aprouver; voltará e atenderá aos que tiverem
abandonado a santa aliança. E braços serão colocados sobre ele, que profanarão
o santuário e a fortaleza, e tirarão o sacrifício contínuo, estabelecendo
abominação desoladora. (Dn 11:29-31)
Antíoco
saqueou e incendiou a cidade. Desta vez foi pela força que obrigou o povo a
abandonar os seus costumes, a circuncisão, os holocaustos e as libações, o
Sábado. Proibiu o sacrifício diário e profanou o templo, onde erigiu um altar a
Zeus e sacrificou uma porca. Os que se recusavam a obedecer ao rei, eram
perseguidos e executados. A história é contada nos livros apócrifos dos Macabeus.
E [o
chifre pequeno] se engrandeceu até contra o exército do céu; e a alguns do
exército, e das estrelas, lançou por terra, e os pisou. E se engrandeceu até
contra o príncipe do exército; e por ele foi tirado o sacrifício contínuo, e o
lugar do seu santuário foi lançado por terra. E um exército foi dado contra o
sacrifício contínuo, por causa da transgressão; e lançou a verdade por terra, e
o fez, e prosperou. (Dn 8:10-12)
E se
fortalecerá o seu poder, mas não pela sua própria força; e destruirá
maravilhosamente, e prosperará, e fará o que lhe aprouver; e destruirá os
poderosos e o povo santo. E pelo seu entendimento também fará prosperar o
engano na sua mão; e no seu coração se engrandecerá, e destruirá a muitos que
vivem em segurança; e se levantará contra o Príncipe dos príncipes, mas sem mão
será quebrado (Dn 8:24-25).
Mas
havia entre o povo judeu quem resistisse.
O povo que conhece ao seu Deus se tornará forte e ativo. Os entendidos entre o
povo ensinarão a muitos; todavia cairão pela espada e pelo fogo, pelo cativeiro
e pelo roubo, por algum tempo (Dn 11:32-33). Um sacerdote temente a Deus,
chamado Matatias, matou o oficial que tentou oferecer o sacrifício a Zeus e
depois fugiu para as montanhas com os seus cinco filhos. Muitos juntaram-se a
eles. Quando Matatias morreu, o seu filho Judas cognominado Macabeu (de maqqabi = martelo), continuou a luta.
Depois
de duras batalhas, o culto foi restaurado e o templo purificado. A dedicação do
altar do templo deu origem à festa judaica de Hannukah, celebrada no dia 25 de
dezembro. A desolação tinha durado 2300 dias (Dn 8:9-14, 23-26).
Depois
ouvi um santo que falava; e disse outro santo àquele que falava: Até quando
durará a visão do sacrifício contínuo, e da transgressão assoladora, para que
sejam entregues o santuário e o exército, a fim de serem pisados? E ele me
disse: Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado
(Dn 8:13-14).
Não
satisfeitos com a purificação do templo apenas, os Macabeus conseguiram
reconquistar a independência da Judeia. A dinastia dos Macabeus (também
chamados Asmoneus) de sacerdotes-governantes, estabelecida por Simão Macabeu,
governou a Judeia durante cerca de 80 anos, de 140 a 37 a .C. até que divisões
internas e uma guerra de sucessão ameaçaram a unidade do reino. Na luta pelo
trono entre os dois filhos de Alexandre Janeu, Roma interveio e subjugou a
Judeia, que foi colocada debaixo da supervisão de um governador: Antipater da
Idumeia, pai de Herodes. Começou o quarto reino, o Império Romano.
[1] Nomeadamente, na NIV when rebels have become completely wicked; na
versão neerlandesa da NBG, als de
boosdoeners de maat hebben volgemaakt (literalmente: quando os iníquos
encheram a medida).
O chifre pequeno não é Antioco Epifânio. Errou feio.
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