26/02/2016

O PEQUENO CHIFRE Antíoco Epifânio

OS TEMPOS DOS GENTIOS (3)

Comparando os sonhos e visões dos vários capítulos de Daniel (2, 7, 8 e 10-12), podemos acompanhar a sucessão e a história dos reinos gentios, no que diz respeito a Israel, desde Nabucodonosor da Babilónia até ao tempo em que Jesus inaugurou o reino de Deus e se assentou no trono do seu reino.
Os dois primeiros reinos, Babilónia e Pérsia, não levantam problemas de interpretação, pois o próprio texto bíblico os esclarece na revelação que Daniel recebeu.
A cabeça de ouro da estátua do sonho de Nabucodonosor representa o primeiro reino, a Babilónia. Em Daniel 7, o mesmo é descrito como um leão com asas de águia.
Belsazar foi o último descendente de Nabucodonosor no trono da Babilónia. No terceiro ano do seu reino, Daniel viu em sonho um carneiro com dois chifres: estes dois chifres são os reis da Média e da Pérsia (Dn 8:20). A Daniel foi revelado que estava para breve o fim do domínio babilónico e a vinda dos medos e dos persas, que já eram conhecidos de Daniel. Eram nações que estavam a fortalecer o seu poder na região. No princípio, os medos eram mais poderosos, mas os persas acabaram por dominar, daí o chifre que cresceu mais do que o outro. Estes conquistaram a Babilónia na pessoa de Ciro.
A Pérsia é o segundo reino.
Na mesma visão do carneiro com dois chifres (Dn 8), Daniel viu chegar, do Ocidente, um bode com um chifre entre os olhos que derrotou o carneiro representativo da Pérsia. Este chifre engrandeceu-se rapidamente mas no auge da sua força foi deitado abaixo. O bode peludo é o rei da Grécia; o chifre grande entre os olhos é o primeiro rei (Dn 8:21). A Grécia já era uma potência colonizadora forte no Mediterrâneo no tempo de Daniel. Por isso, a profecia pôde designá-la pelo nome. Mas o chifre foi quebrado, levantando-se quatro em lugar dele, significa que quatro reinos se levantarão deste povo (Dn 8:21-22). Estes já não são mencionados pelo nome, mas podemos confirmar na história a sua identidade. O terceiro reino é o império de Alexandre o Grande, e a subsequente divisão do seu imenso reino, após a sua morte prematura [em 323 a.C.], entre os seus quatro generais, passando a haver quatro reinos (8:22). Pode dizer-se que o terceiro reino é o da dominação helenística.
A narrativa bíblica (Dn 11:5-20) refere apenas dois dos quatro reinos helenísticos, o do Norte e o do Sul, porque a sua história diz diretamente respeito ao povo judeu. Durante 125 anos, a região da Judeia, que se situava entre a Síria no norte (governada pela dinastia Selêucida) e o Egipto no sul (dinastia dos Ptolomeus), foi objeto de contínuas lutas e frequente campo de batalha. Em [198 a.C.] Antíoco III o Grande, o rei do Norte, derrotou os egípcios e anexou a Judeia à Síria.
Perto do fim deste reino helenístico (“no fim do seu reinado”), saiu de um dos quatro chifres um chifre pequeno que se fez forte (Dn 8:9-14), que é o “rei de feroz catadura e entendido de intrigas” (8:23). Pela descrição que é feita dele, é o mesmo que o homem vil (Dn 11:21-32), personagem que a grande maioria dos estudiosos da Bíblia identifica como Antíoco IV, conhecido como Epifânio, que subiu ao trono da Síria em 176 a.C. mediante intrigas (8:23). Esta personagem recebe um grande destaque na narrativa (Dn 8:9-14, 23-26; 11:21-32).
Se olharmos para o quadro cronológico comparativo de Daniel no post anterior (o tempo dos gentios-2), compreende-se que se trata da mesma personagem que aparece para o fim do terceiro reino, e que pertence portanto ainda ao reino da Grécia.
O rei de feroz catadura levantou-se quando os prevaricadores acabaram (Dn 8:23). Esta frase enigmática na versão portuguesa tem uma tradução mais esclarecedora noutras versões[1], e em versões mais recentes - quando os transgressores tiverem chegado ao cúmulo - significando que o rei feroz se levantou por causa das transgressões que chegaram ao cúmulo. Quando Israel fazia compromissos com o inimigo e se afastava dos caminhos do Senhor, deixava o caminho livre para o inimigo atacar e dominar, como se vê repetidamente na história bíblica. É o que iria novamente acontecer aos judeus, desta vez sob Antíoco IV Epifânio.
Qual é a história? Os acontecimentos foram despoletados pela nomeação do sumo-sacerdote por Antíoco. O sumo-sacerdote, por vezes chamado o “príncipe da aliança” (Dn 11:22-23; Ez 44:3; 45:7), era a autoridade judaica máxima. Ele controlava o dinheiro do templo e detinha o poder financeiro, daí que o templo e o posto de sumo-sacerdote se tornassem cada vez mais um campo de rivalidades e intrigas entre judeus, como também de interesse para o poder governante. À morte do sumo-sacerdote Onias, Antíoco deu o posto a Jason, irmão de Onias. Mais tarde, zangou-se com ele e deu o sumo-sacerdócio a Menelaus, que não era sequer de linhagem sacerdotal. Menelaus apoiava a política de Antíoco de impor a lei e cultura helenística aos judeus, incluindo o culto dos deuses gregos. Muitos judeus aderiram ao helenismo.
Mas, mais tarde, quando Antíoco regressou, derrotado, de uma campanha contra o Egipto, voltou-se contra Jerusalém.
No tempo determinado tornará a vir em direção do sul [Egipto]; mas não será na última vez como foi na primeira (Nota: numa primeira campanha, ele fora bem sucedido). Porque virão contra ele navios de Quitim, que lhe causarão tristeza; e voltará, e se indignará contra a santa aliança, e fará o que lhe aprouver; voltará e atenderá aos que tiverem abandonado a santa aliança. E braços serão colocados sobre ele, que profanarão o santuário e a fortaleza, e tirarão o sacrifício contínuo, estabelecendo abominação desoladora. (Dn 11:29-31)
Antíoco saqueou e incendiou a cidade. Desta vez foi pela força que obrigou o povo a abandonar os seus costumes, a circuncisão, os holocaustos e as libações, o Sábado. Proibiu o sacrifício diário e profanou o templo, onde erigiu um altar a Zeus e sacrificou uma porca. Os que se recusavam a obedecer ao rei, eram perseguidos e executados. A história é contada nos livros apócrifos dos Macabeus.
E [o chifre pequeno] se engrandeceu até contra o exército do céu; e a alguns do exército, e das estrelas, lançou por terra, e os pisou. E se engrandeceu até contra o príncipe do exército; e por ele foi tirado o sacrifício contínuo, e o lugar do seu santuário foi lançado por terra. E um exército foi dado contra o sacrifício contínuo, por causa da transgressão; e lançou a verdade por terra, e o fez, e prosperou. (Dn 8:10-12)
E se fortalecerá o seu poder, mas não pela sua própria força; e destruirá maravilhosamente, e prosperará, e fará o que lhe aprouver; e destruirá os poderosos e o povo santo. E pelo seu entendimento também fará prosperar o engano na sua mão; e no seu coração se engrandecerá, e destruirá a muitos que vivem em segurança; e se levantará contra o Príncipe dos príncipes, mas sem mão será quebrado (Dn 8:24-25).
Mas havia entre o povo judeu quem resistisse. O povo que conhece ao seu Deus se tornará forte e ativo. Os entendidos entre o povo ensinarão a muitos; todavia cairão pela espada e pelo fogo, pelo cativeiro e pelo roubo, por algum tempo (Dn 11:32-33). Um sacerdote temente a Deus, chamado Matatias, matou o oficial que tentou oferecer o sacrifício a Zeus e depois fugiu para as montanhas com os seus cinco filhos. Muitos juntaram-se a eles. Quando Matatias morreu, o seu filho Judas cognominado Macabeu (de maqqabi = martelo), continuou a luta.
Depois de duras batalhas, o culto foi restaurado e o templo purificado. A dedicação do altar do templo deu origem à festa judaica de Hannukah, celebrada no dia 25 de dezembro. A desolação tinha durado 2300 dias (Dn 8:9-14, 23-26).
Depois ouvi um santo que falava; e disse outro santo àquele que falava: Até quando durará a visão do sacrifício contínuo, e da transgressão assoladora, para que sejam entregues o santuário e o exército, a fim de serem pisados? E ele me disse: Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado (Dn 8:13-14).
Não satisfeitos com a purificação do templo apenas, os Macabeus conseguiram reconquistar a independência da Judeia. A dinastia dos Macabeus (também chamados Asmoneus) de sacerdotes-governantes, estabelecida por Simão Macabeu, governou a Judeia durante cerca de 80 anos, de 140 a 37 a.C. até que divisões internas e uma guerra de sucessão ameaçaram a unidade do reino. Na luta pelo trono entre os dois filhos de Alexandre Janeu, Roma interveio e subjugou a Judeia, que foi colocada debaixo da supervisão de um governador: Antipater da Idumeia, pai de Herodes. Começou o quarto reino, o Império Romano.



[1] Nomeadamente, na NIV when rebels have become completely wicked; na versão neerlandesa da NBG, als de boosdoeners de maat hebben volgemaakt (literalmente: quando os iníquos encheram a medida).

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