OS TEMPOS DOS
GENTIOS (4)
Todas
as visões, exceto a de Daniel 8 que termina com a história de Antíoco Epifânio,
mostram a chegada do Reino do Filho do homem no tempo do quarto reino.
A
primeira profecia registada em Daniel foi o sonho da grande estátua de
Nabucodonosor, que este teve no segundo ano do seu reinado, ainda no princípio
do exílio de Israel:
Uma
pedra foi cortada, sem auxílio de mãos, a qual feriu a estátua nos pés de ferro
e de barro e os esmiuçou. Então, foi juntamente esmiuçado o ferro, o barro, o
cobre, a prata e o ouro, os quais se fizeram como a palha das eiras no estio, e
o vento os levou, e não se achou lugar algum para eles; mas a pedra que feriu a
estátua se fez um grande monte e encheu toda a terra (Dn 2:34-35).
A
pedra que cresceu para se tornar numa grande montanha e encher toda a terra,
explica o v.44, é um reino que não passará a outro povo e subsistirá para
sempre. Sem dúvida que podemos reconhecer nele o Reino de Deus.
O
sonho foi de Nabucodonosor, mas a interpretação Deus a deu a Daniel. Desta
maneira, Deus mostrou, tanto ao gentio Nabucodonosor como ao judeu Daniel, que
a administração humana era apenas temporária até que se estabelecesse o Reino
de Deus, que havia de ser governado pelo rei escolhido e Ungido por Ele (Salmo
2). Eu fiz a terra … e a dou àquele a
quem for justo (Jr 27:5). O único Justo é Jesus, o Messias, a quem
pertence, portanto, o direito de reinar sobre toda a terra.
A
visão narrada em Daniel 7 também associa o quarto reino (dos 10 chifres) com a
inauguração do Reino de Deus. Os vs. 13 e 14 descrevem como o Filho do homem
recebe o domínio, a glória e o reino. A visão é vista de um lugar no céu,
porque Daniel vê “vir” com as nuvens um como Filho do homem que se dirige ao
Ancião de Dias (Deus Pai) para receber o domínio. Isto descreve o momento em
que Jesus se assentou à direita do Pai, o que aconteceu depois de ter expiado o
pecado na cruz e ressuscitado dos mortos. Dn 7:13-14 não é uma representação da Segunda Vinda de Jesus. Jesus subiu com
as nuvens para o céu, como os seus discípulos viram (At 1:9).
Depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da
Majestade nas alturas (Hb 1:3b).
… a
força do seu poder]; o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dos mortos,
e fazendo-o sentar nos lugares celestiais, acima de todo principado, e
potestade e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir não só no
presente século, mas também no vindouro (Ef 1:19-21).
Ao
assentar-se no trono, Jesus recebeu um nome acima de todo o nome (Fp 2:9),
recebeu toda a autoridade e domínio, como Ele próprio afirmou:
Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra (Mt 28:18).
[Jesus
Cristo] o qual, depois de ir para o céu, está a destra de Deus, ficando-lhe
subordinados anjos, e potestades e poderes (1 Pe 3:22).
Esquecemo-nos
muitas vezes que Jesus reina, que o Reino lhe pertence hoje e definitivamente.
Com o
ministério público de Jesus, o Reino tornou-se presente e visível. Jesus disse:
Se eu expulso os demónios pelo espírito
de Deus, é conseguintemente chegado a vós o Reino de Deus (Mt 12:28). A
pregação das boas novas do Reino vinha sempre acompanhada de curas e expulsão
de demónios e espíritos imundos (Mt 4.23; 9:35; 12:28; Lc 9:2; 10:9; 11:20),
provando assim que o reino com as suas bênçãos já chegara. Portanto, o Reino
foi introduzido com a primeira vinda de Jesus.
Do
ponto de vista histórico, a ascensão de Jesus ao seu trono ocorreu na altura em
que Roma dominava na Judeia, e sobre um domínio extremamente grande. Portanto,
podemos com certeza dizer que, primeiro, o reino de Deus já foi inaugurado e,
segundo, que isto aconteceu no tempo do Império Romano.
Também
a última visão (capítulos 10 a
12) comprova isto. Depois da passagem sobre Herodes e a sua dinastia (Dn 11:36-45),
é feito referência a um tempo de angústia.
Nesse
tempo se levantará Miguel, o grande príncipe, o defensor dos filhos do teu
povo, e haverá tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve nação até
àquele tempo; mas naquele tempo será salvo o teu povo, todo aquele que for
achado inscrito no livro (Dn 12.1)
No dia
de Pentecostes, Pedro disse: e acontecerá
que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo (At 2:21; Rom
10:12-13). Isto tornara-se possível, para judeus e gentios, com a cruz de Jesus.
Historicamente, é uma realidade que começou então. Não é uma realidade futura,
nem para gentios nem para judeus. É uma realidade presente, a realidade do
reino de Deus.
Aos
“varões judeus e habitantes de Jerusalém” (At 2:14), aos “israelitas” (At 2:22,
12) seus contemporâneos, Pedro anunciou salvação, para aquele que fora achado
inscrito no livro da vida. Mas haveria também um tempo de grande angústia.
Houve efetivamente um tempo de grande tribulação para os judeus não muitos anos
depois. Na década de 60 d.C. cresceu a rebelião dos judeus contra a ocupação
romana, que culminou numa guerra e terminou na destruição de Jerusalém pelos
exércitos romanos. Esta guerra está descrita em pormenor por uma testemunha
ocular, Flávio Josefo, em Guerra dos Judeus[1].
Simultaneamente, houve uma guerra civil dentro dos muros da cidade de
Jerusalém, esta mais sangrenta ainda que a guerra dos romanos.
Então
estive olhando por causa da voz das grandes palavras que provinham do chifre;
estive olhando até que o animal foi morto, e o seu corpo, desfeito e entregue
para ser queimado pelo fogo. E, quanto aos outros animais, foi-lhes tirado o
domínio; todavia, foi-lhes dada prolongação de vida até certo espaço de tempo
(Dn 7:11.12).
O
pequeno chifre foi morto (ver também 7:24-26 - depois se assentará o tribunal para lhe tirar o domínio, para o
destruir e o consumir até ao fim). Com a subjugação violenta e final de
Jerusalém pelos romanos, a dinastia Herodiana foi eliminada e cessou totalmente
de existir.
Aos
outros animais, foi-lhes dado prolongamento de vida. Os animais representam
reinos e nações de homens, que têm um “certo espaço de tempo” de vida. O
Império Romano não desapareceu imediatamente quando veio o Reino de Deus, mas
acabou por passar às mãos de outros povos. Continuaram, e continuam, a existir
reinos de homens, como vemos na história, por exemplo, o império de Carlos
Magno “onde o sol não se punha”, o império colonial inglês, o império que
Hitler tentou levantar, a União Soviética, os Estados Unidos da América. Uns já
terminaram e outros que existem hoje acabarão por terminar.
Apenas
o Reino de Deus não será jamais destruído como o são os reinos políticos dos
homens, nem passará para outro povo, como quando territórios sob o domínio de
um povo são conquistados e passam a ser dominados pelo novo conquistador.
Pertence para sempre ao povo de Deus. Este
reino não passará a outro povo: esmiuçará e consumirá todos os outros reinos,
mas ele mesmo subsistirá para sempre (Dn 2:44). É um reino eterno (Lc 1:33)
e inabalável (Hb 12:28). Nabucodonosor percebeu que o poder da Babilónia
passaria para a Pérsia (2 Cr 36:23; Es 1:2), como também o da Pérsia chegaria
ao seu fim, derrotado por Alexandre o Grande. Mas o reino de Deus funciona de
acordo com outras leis. O reino de Deus não é deste mundo, como afirmou Jesus a
Pilatos (Jo 18:36). Não é um reino político à maneira dos homens, mas é um
reino que se sobrepõe aos reinos políticos e, no fim, haverá de acabar com
todos.
O
reino de Deus encherá toda a terra; é universal. Os quatro grandes impérios
representados na estátua são figuras do reino de Deus. Quando os reis de Judá
foram achados indignos de se assentar no trono do Senhor (1 Cr 29:23), Deus
entregou o domínio a reis gentios, não só o domínio sobre Israel, mas sobre
todas as nações ao redor. Os quatro grandes impérios, Babilónia, Pérsia, Grécia
e Roma dominavam sobre territórios extensíssimos, do Mediterrâneo até ao
Extremo Oriente, onde habitavam numerosos povos diferentes. O domínio que
tinham era muito maior do que o mundo conhecera até então. Estes reis e
impérios antecipavam e prefiguravam o reino universal de Jesus, que abrange
toda a terra.
O
desenvolvimento do reino de Deus é progressivo. Começa pequeno e cresce, e
acabará por encher toda a terra. A ideia de um reino cujo domínio aumenta e se
fortalece já estava presente em Isaías: Um
menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros …
para que se aumente o seu governo e venha paz sem fim sobre o trono de David,
para o estabelecer e o firmar mediante o juízo e a justiça, desde agora e para
sempre (Is 9:6-7). A terra se encherá
do conhecimento do Senhor como as águas cobrem o mar (Is 11:9). No Novo
Testamento, Jesus retoma este ensino nas suas parábolas, quando compara o reino
dos céus a um grão de mostarda, que é a mais pequenina de todas as sementes,
mas que se faz árvore, de modo que as aves do céu vêm aninhar-se nos seus ramos
(Mt 13:31-32). Também quando Jesus usa a imagem da uma seara para explicar o
funcionamento do reino de Deus, ele fala em crescimento e maturação (Mt
9:37-38; 13:24-30). O reino de Deus, cuja ação é comparada com a do fermento
introduzido na massa que é o mundo, é um agente transformador que faz crescer
até tudo atingir a sua plenitude. Esta promessa é para nós.
Como o
é a promessa contida em Isaías 11:9, que a terra
se encherá do conhecimento do Senhor como as águas cobrem o mar.
[1] Foi editado em 2007,
pelas Edições Sílabo, a primeira tradução completa em Português de A guerra dos Judeus.
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