Embora não tenha conseguido apresentar um argumento bíblico sólido
e incontornável contra a cronologia consensual longa, estou convencida de que a profecia
de Daniel é correta em termos do tempo e que a cronologia consensual deve
ser revista no período persa (ver anteriores mensagens da série De Ciro a Jesus). Não seria Deus
mentiroso…
Ou poderá ser que a cronologia ptolemaica está, afinal, correta e
alguma coisa ainda nos escapa?
Terá o tempo sido um pouco mais longo do que o anunciado? Mas como
justificar esta delonga?
A divisão das 70 semanas em 3 períodos (7, 62 e 1) deixa aberta a
possibilidade de inserir tempo adicional, sem desfazer o seu significado
simbólico.
O texto hebraico (v.24) fala em setenta shabu´im (plural). Shabua
(singular) significa semana e pode ser uma semana de sete dias ou uma semana de
sete anos). A palavra hebraica “semanas” tem duas formas de plural: masculino e
feminino[1].
A forma masculina é corporativa, enquanto a feminina coletiva. Isto é: semanas
no feminino referem-se a uma acumulação ou coleção de semanas individuais, e
semanas no masculino, à totalidade das semanas, de forma a que as 70 semanas
(masculino) formam um bloco, uma unidade. Este é o caso aqui.
Simbolicamente, formam de facto um bloco, uma unidade. Mas
significará isto que literalmente formam um bloco?
As primeiras sete semanas foram literalmente cumpridas. Também a
70ª semana está bem definida, começando com o baptismo de Jesus, no meio da
semana a crucificação e no fim da semana, possivelmente, a total abertura da
aliança aos gentios. Resta o bloco de 62 semanas, que segundo a cronologia
consensual se nos apresenta como mais longo do que a revelação profética dá a
entender.
Já vimos que há boas razões para crer que no tempo de Jesus os
judeus estavam efetivamente à espera do Messias e que esta expectativa só faz
sentido se tivessem contado os anos.
Por outro lado, continua a existir o obstáculo do excesso de 80
anos e parece não haver outra solução do que inserir um lapso de tempo.
É possível que o bloco de 62 semanas não conte literalmente 434
anos? Que foi prolongado? Mas como justificar isto?
James Jordan sugere[2]
que os judeus sabiam, pela profecia de Daniel, que o Messias viria e efetuaria
juízo sobre a sua cidade. De acordo com o tempo dado na profecia esperavam que
isto acontecesse por volta do ano 50 a.C. Quando não aconteceu, o injusto
continuou fazendo injustiça, e o imundo sendo injusto, enquanto o justo
continuou na prática da justiça e o santo a santificar-se (Ap 22:11). Assim, os
fiéis continuavam fielmente a esperar, o que explicaria a elevada idade de Simeão
e Ana. Ana tinha 84 anos quando viu o recém-nascido Jesus no templo. E Simeão,
a quem o Espírito Santo tinha revelado que não passaria pela morte antes de ver
o Cristo do Senhor, também era avançado em idade. Estes foram servos fiéis, que
ficaram vigilantes mesmo quando o Senhor tardou em vir.
A Demora do Senhor é um tema importante e recorrente em toda a
Bíblia. Quando Ele tarda em vir, a fé dos homens é provada. A Bíblia dá-nos
vários exemplos.
A longa espera de Abraão por um descendente prometido. O Senhor
“tardou” até que todas as possibilidades humanas de gerar um filho se tivessem
completamente esgotadas.
E há o exemplo de Saul e Samuel. Samuel tinha ordenado a Saul para
descer a Gilgal e ali esperar por Samuel sete dias, até que este viesse e lhe
declararia o que havia de fazer (1 Sm 10:9). Chegado a Gilgal, Saul esperou sete dias segundo o prazo
determinado por Samuel. Mas aconteceu que Samuel não veio dentro do tempo
anunciado e Saul tomou decisões erradas. Estava a oferecer os holocaustos,
tarefa que não lhe competia, quando Samuel por fim apareceu. Se tivesse
esperado mais um pouco … Pela sua infidelidade Saul perdeu o seu reino (1 Sm
13:8-14).
Quando o povo e os líderes de Israel não viram o Messias chegar
dentro do prazo previsto, uns ficaram vigilantes à espera, outros desviaram-se
da fé e renderam-se à maldade. A demora de Deus em executar juízo no tempo
anunciado alarga a oportunidade para o arrependimento, mas por outro lado
alarga o prazo para o endurecimento do coração e a acumulação de pecados até
encher a medida. Pela sua infidelidade, fariseus, saduceus e sacerdotes de
Israel encheram a medida dos seus pais (Mt 23:32) e perderam o reino, como
Jesus avisou (Mt 21:43).
A Demora do Senhor em vir foi ilustrada por Jesus nas suas
parábolas, alertando para a necessidade de nunca esmorecer e permanecer
vigilante.
Não fará Deus justiça aos seus
escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-los? Digo-vos que depressa lhes fará
justiça.
Contudo, quando vier o Filho do
homem, achará porventura fé na terra? (Lc 18:7-8)
Os servos eram avisados para serem fiéis e prudentes, porque não
sabiam em que dia viria o Senhor (Lc 13:35-40; Mt 24:45-51; 25:1-13 e
25:14-30). As dez virgens saíram para se encontrar com o noivo. Mas o noivo
tardou (Mt 25:5, 19), e algumas não estavam preparadas quando ele finalmente
chegou.
A demora do Ungido em manifestar-se, neste caso da profecia das
Setenta Semanas, é uma possível explicação para colmatar o fosso formado pelos
80 anos de diferença entre a cronologia de Daniel e a cronologia secular.
A validade desta teoria é bem ilustrada pelo exemplo de Habacuque.
Deus anunciara a Habacuque que o povo caldeu (Babilónia) estava para vir
executar juízo sobre Jerusalém. Mas como podia um povo idólatra e soberbo,
confiante no seu próprio poder, permanecer? era a pergunta do profeta. O Senhor
respondeu-lhe:
Escreve a visão, grava-a sobre
tábuas, para que a possa ler até quem passa correndo. Porque a visão ainda está
para cumprir-se no tempo determinado, mas se apressa para o fim, e não falhará;
se tardar, espera-o, porque certamente virá,
não tardará.
Eis o soberbo! Sua alma não é
recta nele; mas o justo viverá pela sua fé (Hc 2:2-4)
Os caldeus também seriam
despojados, do mesmo modo que despojaram outros. Demoraria, no entanto,
bastante tempo. Setenta anos. Mas a libertação do Senhor certamente viria. E a
atitude de Habacuque face à espera e possível demora foi esta:
Em silêncio
devo esperar o dia da angústia que virá contra o povo que nos acomete. Ainda
que a figueira não floresce, nem há fruto na vide; o produto da oliveira mente,
e os campos não produzem mantimento; as ovelhas foram arrebatadas do aprisco e
nos currais não há gado, todavia eu me alegro no Senhor, exulto no Deus da
minha salvação (Hb 3:16b-18).
Conclusão.
Cronologicamente, parece que ainda
não saímos do impasse.
Mas, em termos proféticos, a
profecia de Daniel 9 foi inteiramente cumprida.
Essencialmente, esta profecia é
uma promessa de cumprimento da aliança de Deus com o povo de Israel. Setenta
semanas estavam determinadas sobre aquele povo e a cidade onde habitava o nome
de Deus para cumprir as promessas de Deus contidas nas alianças. Historicamente
falando, as promessas foram cumpridas na septuagésima semana, na pessoa de
Jesus, o Ungido. Também o povo e a cidade foram agentes no cumprimento dos
propósitos de Deus, porque foi através deles que Jesus – semente de Abraão –
nasceu e cumpriu tudo o que estava para ser cumprido.
Na última das setenta semanas, a
missão de Israel como povo da aliança terminou. O pecado foi expiado, a justiça
eterna trazida, toda a visão e profecia confirmada e, por fim, um novo templo
ungido. Com este novo templo, um templo espiritual – Cristo e sua igreja – uma
nova era começou. O reino de Deus tinha chegado.
Por causa da nova realidade
espiritual da Nova Aliança, não havia razão para as “velhas coisas” continuarem
em pé. Os rudimentos da Velha Aliança tinham-se tornado antiquados e obsoletos
e convinha mesmo que desaparecessem (Hb 8:13). Já não havia qualquer razão para
continuar a existir um templo de pedra, porque a habitação de Deus passou a ser
no interior do homem. Nem havia mais necessidade de um altar para oferecer
sacrifícios: Jesus fez o derradeiro e perfeito sacrifício na cruz. E também já
não havia necessidade de uma cidade terrena onde estivesse o nome e o trono do
Senhor, porque Deus se adora em espírito e em verdade, e porque a igreja é a
luz do mundo, a cidade edificada sobre o monte.
Com a destruição dos símbolos
materiais, entretanto tornado inúteis, da Velha Aliança pereceram também
aqueles que, embora tendo sido testemunhas da visitação de Deus em Cristo, não
creram nele e não o receberam. Sobre eles se cumpriu a parte negativa da
aliança: as maldições da lei. Jesus avisou: Não
penseis que vim revogar a lei ou os profetas: não vim para revogar, vim para
cumprir … nem um jota ou um til jamais passará da lei até que tudo se cumpra
(Mt 5:17-18). Realizadas todas as bênçãos prometidas, e cumprida toda a lei,
Jesus inaugurou uma Nova Aliança no seu sangue, com um novo povo, um novo
Israel, constituído por aqueles que o recebem.
A profecia das Setenta Semanas
destinava-se especificamente ao povo de Israel no âmbito da Velha Aliança, e
foi inteiramente cumprida. O fim da lei é
Cristo, para justiça de todo aquele que crê (Rm 10:4). Desde então, não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo
é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam. Porque: Todo aquele
que invocar o nome do Senhor, será salvo (Rm 10:12-13).