17/10/2013

De Adão ao dilúvio


As diferenças entre o texto hebraico (massorético) e o texto grego (Septuaginta). As alterações no texto grego apresentam-se intencionais. Como se explica esta intencionalidade.

Fizemos um pequeno exercício de cronologia de Adão até ao dilúvio (ver quadro), adicionando o número de anos fornecidos em Genesis 5, usando a nossa tradução João Ferreira de Almeida. Na segunda coluna, colocámos as datas da Septuaginta (LXX).

Ano
TM
Genesis 5
Ano LXX
O dia (= ponto 0) em que Deus criou o homem (Adão)
Idade quando gerou:
130
Adão viveu 130 anos e gerou Sete
230
230
235
Sete viveu 105 anos e gerou a Enos
435
205
325
Enos viveu 90 anos e gerou Cainã
625
190
395
Cainã viveu 70 anos e gerou a Maalaleel
795
170
460
Maalaleel viveu 65 anos e gerou a Jerede
960
165
622
Jerede viveu 162 anos e gerou a Enoque
1122
162
687
Enoque viveu 65 anos e gerou Metusalém
1287
165
874
Metusalém viveu 187 anos e gerou a Lameque
1454
167 (outras versões 187)
930
Morte de Adão. Viveu 930 anos
987
Morte de Enoque. Viveu 365 anos
1042
Morte de Sete. Viveu 912 anos
1056
Lameque viveu 182 anos e gerou Noé
1642
188
1140
Morte de Enos. Viveu 905 anos
1235
Morte de Cainã. Viveu 910 anos
1290
Morte de Maalaleel. Viveu 895 anos.
1422
Morte de Jered, Viveu 962 anos.
1556
Era Noé da idade de 500 anos e gerou a Sem, Cão e Jafé
2142
500
1651
Morte de Lameque. Viveu 777 anos.
1656
Morte de Metusalém. Viveu 969 anos.
1656
No ano 600 da vida de Noé, aos 17 dias do 2º mês, as águas do dilúvio inundaram a terra (Gn 7:6, 11)
2242
dilúvio
Genesis 11
2256
morte de Metusalém??
1658
Sem era da idade de 100 anos quando gerou a Arfaxade 2 anos depois do dilúvio
2342
100
1693
Viveu Arfaxade 35 anos e gerou Salá
2477
135
2607
Cainã, 130 anos
1723
Viveu Salá 30 anos e gerou a Héber
2737
130 anos
1757
Viveu Héber 34 anos e gerou Pélegue
2871
134 anos
1787
Viveu Pélegue 30 anos e gerou Reú
3001
130
1819
Viveu Reú 32 anos e gerou a Serugue
3133
132
1849
Viveu Serugue 30 anos e gerou Naor
3263
130
1878
Viveu Naor 29 anos e gerou a Terá
3342
79
1948
Viveu Terá 70 anos e gerou a Abrão, Naor e Harã.
3412
70 anos

Olhando bem, parece bastante óbvio que as variações não são acidentais ou devidas a erros de escriba, mas são intencionais, o que é visível da maneira sistemática em que foram introduzidas. 100 anos foram adicionados à idade de cada patriarca quando gerou o seu filho. No Texto Massorético (TM) Adão tinha 130 anos quando gerou Sete, na LXX, 230 anos. O mesmo acontece com Sete, Enos, Cainã, Maalaleel e Enoque.
Jerede e Matusalém fazem exceção a esta regra. Jerede, no TM, tinha 162 anos quando gerou Enoque. A sua idade mantém-se igual na LXX por apresentar um valor consentâneo com os outros.

A maior parte das versões da LXX atribui 167 anos a Matusalém quando gerou Lameque (no TM é 187), o que faz com que Matusalém teria sobrevivido 14 anos ao dilúvio. O que é absurdo e não concordante com o que a Bíblia diz em Genesis 7-11 e 2Pedro 3:20. Apenas 8 pessoas, isto é Noé, a sua mulher, os seus três filhos e respetivas noras entraram na arca e sobreviveram ao dilúvio. Para remediar a isto, possivelmente, outras versões da LXX restauraram o número 187.

O caso de Lameque é diferente. Seis anos foram acrescentadas à sua idade quando gerou o seu filho, e 30 anos foram deduzidos do restante, de modo que o número total de anos de vida é menos 24 do que na versão hebraica.

Estas alterações fizeram com que, na LXX, o dilúvio ocorre no ano de 2242 (ou 2262, dando 187 anos a Matusalém quando gerou Lameque), enquanto na versão hebraica, no ano de 1656. Uma diferença de 586 (ou 606) anos.

A irregularidade dos números hebraicos, mais consentânea com a incerteza da duração da vida do que a sucessão de números mais regular da LXX é, para Anstey, mais uma razão para aceitar o TM como genuíno original. Os números da LXX parecem fabricados a partir da versão hebraica. É mais difícil invocar o contrário.

O mesmo esquema de adicionar 100 anos é aplicado na lista de Genesis 11, nos patriarcas após o dilúvio. Onde o TM diz que Héber tinha 34 anos quando Pelegue nasceu, a LXX diz 134, e assim por diante.

Além disso, a LXX acrescentou uma personagem entre Arfaxade e Salá: Cainã. Este segundo Cainã (o primeiro aparece entre Enos e Maalaleel) é outro grande problema colocado aos cronologistas da Bíblia.

Se as alterações introduzidas na LXX são propositadas e não acidentais, a questão é: qual a razão por que os tradutores o fizeram?

Primeiro, verificamos que, destas alterações, resultou uma maior antiguidade do mundo, da humanidade. Ao avançar de 100 anos a data de nascimento do herdeiro, a cronologia é alongada, a origem do homem mais antiga.

Está há muito reconhecido que sempre houve entre os homens um desejo de exagerar a antiguidade da sua origem. Provas disto podem ser encontradas nas lendas e escritos mais antigos (Crowe, 2001).

Refere-se frequentemente a Lista de Reis Sumérios, que diz que “quando o dom da realeza desceu dos céus”, o primeiro rei, em Eridu, reinou 28.800 anos e o seguinte 36.000. Segue-se uma série de oito reis, num total de 241.000 anos, quando veio o dilúvio sobre a terra. A série continua depois do dilúvio, quando a duração de vida diminui abruptamente para valores de cerca de 1000 anos ou menos.

No século V a.C. o historiador grego Heródoto escreveu que lhe foi contado que a história do Egipto remontava a 382 gerações, cerca de 11.000 anos antes do seu tempo. No nosso calendário atual isto seria cerca de 13.500 a.C., mas os egiptólogos atualmente têm dificuldade em encontrar nos escritos algo que permita datas anteriores a 3000 a.C. (Crowe, 2001).

No século III a.C., o Velho Testamento chegou à Alexandria, no Egipto, na época dos Ptolemeus e foi traduzido em grego, a Septuaginta. Em Alexandria, provavelmente pela primeira vez, os eruditos da Grécia, Egipto e Mesopotâmia foram confrontados com provas detalhadas da antiguidade do povo judeu. Outras nações conquistadas pelos Macedónios (Alexandre o Grande) sentiram-se também compelidas a competir na luta pela antiguidade. Maneto, um sacerdote e escriba de Heliópolis, e Berosus, sacerdote caldeu, ambos do tempo de Ptolomeu Filadelfos (285-247), compuseram relatos em grego da história das suas respetivas nações. Nos escritos dos vencidos aos conquistadores, ambos procuraram demonstrar que os vencidos eram descendentes de civilizações muito antigas (Crowe, 2001).

Berosus escreveu a história da Babilónia desde a criação até ao seu tempo, alegadamente usando arquivos astronómicos. A sua história da criação do mundo, das dez gerações antes do dilúvio e das dez gerações depois, tem alguma correspondência com a narrativa mosaica no livro de Genesis. Os dez reis antes do dilúvio ocupam um período de 1200 anos, de 360 dias cada, ou seja um total de 432.000 dias, valor que os caldeus magnificaram para 432.000 anos a fim de reforçar a sua antiguidade (Anstey, p.17).

Maneto revindica uma história egípcia de 30 dinastias, com 113 gerações, totalizando 36.525 anos, um pedigree que fez os Gregos parecer crianças insignificantes pelo contrasto. W.G. Waddell, na sua tradução das obras de Maneto, diz que as obras de Berosus e Maneto devem ser vistas principalmente como expressões de rivalidade entre Ptolomeu e Antíoco, cada um procurando proclamar a sua civilização como a mais antiga (Crowe, 2001).

Eratóstenes (ca.275-194 a.C.), bibliotecário da biblioteca de Alexandria várias décadas depois de Maneto, juntou-se no jogo da antiguidade por parte da Grécia (Crowe, 2001).

O mesmo desejo de alongar a cronologia pode explicar os valores da LXX. Os tradutores da LXX viviam no Egipto, cerca de 250 a 180 anos antes de Cristo. Estavam familiarizados com as afirmações extravagantes dos sacerdotes egípcios, que reivindicavam ser os primeiros da humanidade (Barr, 1987: p.4). Alexandria era de longe o maior centro de população judaica no mundo de fala grega. Desejavam modernizar a visão bíblica da antiguidade da origem e raça humana e transformá-la mais em conformidade com a noção prevalente dos eruditos na Alexandria (Anstey, p.15), acrescentando várias centenas de anos à cronologia hebraica antes do dilúvio bem como ao período do dilúvio a Abraão. Para Anstey, o método e motivo das alterações é perfeitamente claro.

A este respeito, é interessante fazer referência ao ensaio histórico de Flávio Josefo (séc. I d.C.), historiador judeu no Império Romano, intitulado «Contra Apion», que é uma defesa da antiguidade e historicidade do povo judeu contra Apion, que afirmava que os Judeus eram recém-chegados na cena da história mundial, e por isso sem status ao nível cultural e civilizacional, contrariamente aos Gregos.

4 comentários:

  1. Então podemos concluir que os 5779,que é o ano atual do calendário judaico teve seu inicio pós diluvio,

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  2. Sim, de acordo com Matheus 1, sao 42 gerações de Abraão ate Jesus, de Noe ate Abraao sao 10 geracoes,, entao de Noe ate Jesus 52x70 anos de cada geraçao= 3640 anos e de Jesus ate dias atuais 2022,(3640+2022=5662 Anos de Noé ate dias atuais.

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    1. Está equivocada essa sua conta. As 10 primeiras geraçoes nao são de forma alguma de 70 anos...mas digo que estamos num total de 5993 anos...restanto apenas esses ultimos 7 anos ( a ultima semana de Daniel ) para o fim e começar o novo milenio do reinado do Messias.

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  3. Uma geração naquela época tinha 20 anos. 52x20=1040 anos. O ser humano casava cedo e morria cedo. Quando Deus criou Adão e Eva os egípcios e sumérios já eram povos antigos.

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