09/02/2014

O ÊXODO (2)

Retomemos a investigação sobre a identidade do faraó em cujo reinado Israel saiu do Egipto...

Para fazer isto, um bom ponto de partida parece-me ser um estudo de Immanuel Velikovsky (1897-1979), «Ages in chaos», publicado pela primeira vez em 1952. Ele propôs uma cronologia revista para o antigo Egipto, Grécia, Israel e outras culturas do antigo Médio Oriente, no sentido de reconciliar a história bíblica e a arqueologia e cronologia egípcia convencional.
Em geral, as teorias de Velikovsky têm sido vigorosamente rejeitadas ou ignoradas pela comunidade académica. No entanto, os seus livros têm lançado o debate sobre a questão e outros autores (como Donovan Courville, Peter James e David Rohl) inspiraram-se em Velikovsky e desenvolveram as suas próprias propostas de revisão cronológica.

Velikovsky não foi o primeiro a apresentar alternativas à cronologia tradicional aceite no meio académico, baseada nas listas dinásticas de Maneto. Depois de Isaac Newton, alguns espíritos independentes se levantaram, nos séculos XIX e XX, para criticar as fraquezas da cronologia recebida para o Egipto e, através desta, a cronologia de todo o Médio Oriente, que se guia pela história do Egipto.
No século XIX: EW. Hengstenberg, Ernest Havet, J.Lieblin, Cecil Torr.

No século XX: A.S. Yahouda, Donovan Courville, John Dayton, Peter James, David Rohl, Roger Henry (ver resumos em BERTHOUD, 2006).
Mais informação sobre a questão da revisão da história, ver também CROWE, John (2007), The revision of ancient history. A perspective (http://www.sis-group.org.uk/ancient.htm).

Velikovsky estabeleceu concordâncias entre a história do antigo Egipto e a histórica bíblica de Israel. Mas as suas conclusões não são resultado de uma aplicação direta da cronologia bíblica à história do Egipto, porque este método não se adaptava ao seu objetivo, visto que os dados cronológicos de um e outro não são concordantes (como já vimos). Velikovsky considerou os documentos bíblicos como documentos históricos (o que não é o caso da maior parte dos historiadores). Ele tentou encontrar na história conhecida do Egipto eventos que correspondessem aos que nos relatam os anais de Israel, porém sem ter em consideração o esquema cronológico convencionalmente utilizado. Encontrou concordâncias, em grande número e bastante espetaculares.
Em «Ages in chaos», Velikovsky fornece os resultados das suas investigações sobre a sincronização entre a história bíblica do povo de Israel e a do antigo Egipto. Lamentavelmente, em 1952, ele não explicou claramente os mecanismos corretivos que permitiram que ele chegasse a uma restruturação da cronologia. Só 20 anos depois, em 1973, com o volume seguinte «Peoples of the sea», ele explicou como tão grandes erros cronológicos puderam introduzir-se na história oficial do antigo Médio-Oriente. Entretanto, Velikovsky foi altamente criticado e desacreditado.

«Ages in chaos» inicia com o livro do Êxodo e a procura de registos egípcios que contêm a mesma informação.
O êxodo do Egipto é uma das memórias fundamentais do povo de Israel. Nas Escrituras é repetidamente feito menção deste acontecimento (por exemplo, nos Salmos 77, 78, 105, 106).

Por outro lado, os anais do Egipto, segundo afirmam, não preservaram qualquer registo da estadia dos israelitas ou da sua partida. Não se sabe quando aconteceu o êxodo, se na verdade aconteceu. Para muitos historiadores, esta história é um mito, tese que parece ser corroborada pela ausência de testemunhos arqueológicos, em monumentos egípcios e em papiros. O êxodo terá sido um evento menor, sem importância, na história do Egipto. A descrição das pragas, da morte dos primogénitos, da passagem pelo mar e morte do exército egípcio seria apenas uma narrativa metafórica.
Mas Velikovsky considerou que, sendo o êxodo um evento tão importante na história de um povo, alguma base de verdade tinha que ter. Das várias passagens bíblicas que falam do êxodo, e de tradições rabínicas, concluiu que o que aconteceu foi na realidade uma catástrofe natural, com atividade sísmica e vulcânica, de grande magnitude. A terra do Egipto ficou destruída. Não haveria nenhum registo nos anais do Egipto?

Velikovsky encontrou um documento, em escrita hierática, conhecido como o Papiro Ipuwer. Em 1828, o documento foi adquirido pelo Museu de Leiden, onde ainda se encontra. Faltam partes do texto. Em 1909, foi traduzido por Alan Gardiner e designado como «The admonitions of an Egyptian Sage». Gardiner defendeu que as evidências internas do documento apontavam para o caráter histórico da situação nele descrito. O Egipto estava em aperto, o seu sistema social desorganizado e a violência enchia o país. A população indefesa caiu nas mãos de invasores cruéis. Os ricos perderam tudo e dormiam ao relento e os pobres apoderaram-se das suas riquezas. Não se tratava de um mero distúrbio local mas de um desastre nacional de grandes proporções. O papiro contém lamentações e uma descrição de ruina e horror. As palavras são de Ipuwer, que se dirige no seu discurso a um rei. Perdeu-se a introdução do texto, pelo que não se sabe o nome do rei a quem Ipuwer se dirigiu.
O papiro Ipuwer contém evidências de um cataclismo natural acompanhado de tremores de terra.

Papiro   2:8 – A terra gira como a roda de um oleiro
             2:11 – As cidades são destruídas. O Alto Egipto tornou-se seco.
             3:13 – Tudo é ruinas.
             4:2 - … anos de ruído. Não há fim ao ruído.
             6:1 – Oh, se a terra pudesse cessar do ruído, e não haver mais tumulto.
             7:4 – A residência caiu num minuto

Explica Velikovsky que, em hebraico, a palavra ‘raash’ significa ruído, comoção, bem como terramoto. Terramotos são geralmente acompanhados de um fenómeno acústico, barulhos subterrâneos. Aparentemente o abalo teve muitas réplicas, e o país ficou em ruinas. O barulho e tumulto eram produzidos pela terra. A residência real foi destruída num minuto, o que só podia acontecer com um grande tremor de terra.
Antes da publicação de Velikovsky em 1952, nunca tinha sido estabelecida uma comparação entre este documento e a Bíblia. Velikovsky aponta paralelos entre o papiro de Ipuwer e as pragas no livro do Êxodo. Vejamos:

Papiro 2:5-6 – A terra está coberta de feridas. Há sangue por todo o lado.
Ex 7:21 – Houve sangue por toda a terra do Egipto.
Papiro 2:10 – O rio está em sangue.
Ex 7:20 – Toda a água do rio se tornou em sangue.

A água estava suja e as pessoas não a podiam beber.
Papiro 2:10 – os homens recusaram provar – os seres humanos, e tinham sede.

Ex 7:24 – Todos os egípcios cavaram junto ao rio para encontrar água que beber; pois das águas do rio não podiam beber.
No rio, os peixes morriam, mas os insetos e répteis multiplicaram-se.

Ex 7:21 – O rio cheiro mal.
Papiro 3:10-13 – eis nossa água! Eis nossa felicidade! O que vamos fazer? Tudo está em ruinas! »

Ambos os textos falam da destruição dos campos:

Ex. 9:25 – A chuva de pedras feriu tudo quanto havia no campo … homens … animais … árvores.
Papiro 4:14 – As árvores estão quebradas.
Papiro 6:1 – Não se encontra nem fruta, nem hortaliças …

Fogo acompanhava a chuva de pedras.
Ex 9:23-24 – Fogo desceu sobre a terra … fogo misturado com a chuva de pedras.
Papiro 2:10 – Na verdade, portas, colunas e muros foram consumidos pelo fogo.

O fogo que consumia a terra não era aceso por mão humana mas caiu do céu e continuou a sua destruição.
Ex 9:31 – O linho e a cevada foram feridos, pois a cevada já estava na espiga, e o linho em flor. Porém o trigo e o centeio não sofreram dano.

Mas foi a praga seguinte que provocou a total aridez dos campos. Segundo o Papiro Ipuwer e o livro do Êxodo (9.31-32 e 10.15), foi impossível fornecer ao rei o tributo de trigo e centeio. Também morreram os peixes (Ex 7:21).
Papiro 10:3-6 – O Baixo Egipto chora. O palácio está sem rendimentos. Trigo, centeio, gansos e peixes a que tem direito.

Os campos estão inteiramente devastados:
Ex 10:15 – Não restou nada verde nas árvores, nem na erva do campo.
Papiro 6:3 – Na verdade, a sementeira pereceu em todo o lado.
Papiro 5:12 – Tudo o que ontem ainda era visível pereceu. A terra está tão desnudada como depois do corte do linho.

Uma devastação tão repentina não podia ter sido resultado de seca, mas de granizo, ou gafanhotos. A erva e o fruto dos campos são devorados pelos gafanhotos (Sl 105:34-35).
Papiro 6:1 – Não se encontra fruta nem erva … fome

Também o gado foi atingido.
Ex 9:3 – Eis que a mão do Senhor será sobre o teu rebanho que está no campo … com pestilência gravíssima …
Papiro 9:3 –Todos os animais, os seus corações choram. O gado geme …

A nona praga cobriu o Egipto de trevas espessas (Ex10:22).
Papiro 9:11 – O país é sem luz.

Velikovsky foi criticado por tirar muitas das palavras do seu contexto e colocá-las ao lado de versículos bíblicos como paralelos contemporâneos. No entanto, uma análise de Henry Zecher, “The Papyrus Ipuwer, Egyptian Version of the Plagues – A New Perspective,” publicado em The Velikovskian (1997), desafiou a opinião de Velikovsky de que o papiro era uma versão egípcia das pragas, mas não invalidou o sincronismo. Zecher propôs que o relato de Ipuwer era a Parte 2 de uma história em duas partes, da qual Moisés escreveu Parte 1. Parte 1 é a fuga dos israelitas e Parte 2 descreve a invasão do Egipto pelos Hicsos logo a seguir ao êxodo e a devastação do país. Velikovsky identificou os Hicsos como os amalequitas da Bíblia (Ex 17:8-16), com quem Israel pelejou em Refidim depois de ter atravessado o mar.
Velikovsky descobriu outros documentos e que apoiam esta concordância cronológica entre o Papiro Ipuwer e a história do êxodo. De que trataremos nas próximas mensagens.

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