Os eventos descritos e a informação cronológica fornecida nos livros de
Esdras, Neemias, Ester, Ageu e Zacarias permitem uma verificação bíblica interna da cronologia dos
acontecimentos.
A principal
questão em causa é a identidade do rei Artaxerxes de Esdras e Neemias, e do rei
Assuero no livro de Ester.
Defendo que o
Artaxerxes de Esdras e Neemias não é Artaxerxes I Longimano, como é assumido por muitos. Há muitas
evidências que nos permitem deduzir que o Artaxerxes de Esdras e Neemias é, de
facto, Dario Histaspes, o mesmo Dario que autorizou o recomeço das obras no
segundo ano do seu reinado (Esdras 5-6) e em cujo sexto ano o templo foi
terminado.
Um fator que nos
ajuda é o facto de os livros de Esdras e Neemias, bem como as profecias de Ageu
e Daniel, indicarem as datas dos acontecimentos até ao ínfimo pormenor, com
anos, meses e mesmo dias, possibilitando assim a apuramento rigoroso da
cronologia.
A questão dos nomes dos reis persas
Os nomes
comummente utilizados de Dario, Xerxes, Assuero ou Artaxerxes não são os nomes próprios
dos reis persas, mas são nomes de trono, títulos. Não há consenso sobre o que
significam exatamente estes nomes de trono, pelo que não aprofundaremos esta
matéria. Para a nossa defesa, basta-nos saber que os reis usavam vários
títulos, por vezes ao mesmo tempo, e num mesmo documento. Documentos
arqueológicos da época confirmam isto. Visto que os judeus viviam então na
proximidade da cultura persa dominante, era natural que usassem estes nomes de
trono da maneira como os persas faziam.
Além disso, estes
nomes que são hoje usados universalmente são os nomes que os historiadores
gregos, como Heródoto, deram aos vários monarcas persas e que não são mais do
que corrupções gregas de palavras persas.
Assim sendo, os
nomes Dario, Xerxes, Assuero e Artaxerxes podem referir-se a qualquer um deles.
Torna-se então necessário descobrir quem é quem no contexto do texto bíblico.
Só para lembrar: a
lista dos reis persas que interessam ao nosso estudo:
Ciro reinou 9 anos
Cambises reinou 8 anos
Gaumata reinou menos de
um ano
Dario I Histaspes reinou
36 anos
Xerxes reinou 21
anos
Artaxerxes I Longimano reinou
41 anos
Comecemos com o
que é mais fácil e óbvio. O Artaxerxes de Esdras é indiscutivelmente o mesmo
que o de Neemias. Esdras e Neemias são contemporâneos, ambos aparecem na mesma
época em Jerusalém e estão presentes na dedicação dos muros (Ne 12:31, 36).
A idade de Esdras
não permite identificar o rei Artaxerxes como Artaxerxes I Longimano.
Esdras era filho
de Seraías (Ed 7:1). Seraías era o sumo-sacerdote quando Nabucodonosor tomou
Jerusalém, e foi morto logo a seguir, juntamente com outros líderes religiosos,
militares e civis (Jr 52:24-27; 2Rs 25:18-21). Portanto, naquele tempo, Esdras
devia já ter nascido ou, no mínimo, ter sido gerado. Entre a tomada de
Jerusalém (ano 3418) e o decreto de Ciro (ano 3468) decorreram cerca de 50
anos. A dedicação dos muros parece ter ocorrido no 20º ano de Artaxerxes. Em
Nisan (1º mês) daquele ano Neemias falou com o rei (Ne 2:1). Foi para
Jerusalém. Iniciou-se a construção do muro, que acabou em 52 dias, no dia 25 de
Elul, que é o sexto mês (Ne 6:15). Depois que o muro foi edificado, Neemias
levantou as portas (Ne 7:1), e provavelmente pouco tempo depois fizeram a
dedicação dos muros (Ne 12:27-14), onde Esdras esteve presente.
Se se tratasse do
20º ano de Artaxerxes Longimano, e segundo as datas consensualmente atribuídas
aos reis persas, da destruição de Jerusalém (586 a.C.) ao 20º ano de Artaxerxes
Longimano (aprox. 444 a.C.) são 142 anos. Esta não é uma longevidade
consentânea com aquela época da história. O último que encontramos com uma
idade acima dos 100 anos foi Josué.
O mesmo acontece
no caso de Neemias. Na lista dos que subiram primeiro, logo a seguir ao decreto
de Ciro (536 a.C.), com Zorobabel e Jeshua, Neemias é mencionado em terceiro
lugar (Ed 2:1-2; Ne 7:5-7). Trata-se do mesmo Neemias, filho de Hacalias, que
reconstruiu os muros. (Em Ne 3:16, é mencionado outro Neemias mas, para evitar
confusão com Neemias o governador, ele é identificado pela sua parentela, filho
de Azbuc.)
Se o Artaxerxes de
Neemias fosse Artaxerxes Longimano, no ano que foi para Jerusalém (20º ano do
rei), Neemias seria cerca de 92 anos mais velho do que quando foi com Zorobabel
para Jerusalém! Assumindo que tivesse pelo menos 20 anos quando foi a primeira
vez a Jerusalém, é pouco provável que com uma idade de mais de 112 anos
participasse ativamente nas obras de reconstrução, e de armas na mão.
O Artaxerxes de
Neemias não pode, portanto, ser o Longimano. Também não pode ser Xerxes, porque
este reinou apenas 21 anos, e Neemias foi governador do ano 20 ao ano 32 do mesmo
rei (Ne 5:14; 13:6). O Artaxerxes de Neemias, e por
conseguinte também de Esdras, não pode ser outro que ser Dario Histaspes.
Isto tem lógica e
pode ser observado na lógica interna da narrativa. No 2º ano de Dario,
Zorobabel e povo metem mãos à obra e colocam-se os fundamentos do templo (Ag
2:10, 18) e no 6º ano de Dario terminou a construção do templo (Ed 6:15). “Passadas
estas coisas”, no 7º ano de Artaxerxes/Dario (Ed 7:7), ou seja no ano seguinte,
Esdras foi para Jerusalém com prata e ouro para adornar o templo e ensinar o
povo. Estranho seria um salto de 58 anos do capítulo 6 para o capítulo 7 de
Esdras, do 6º ano de Dario para alegadamente o 7º ano de Artaxerxes I
Longimano, isto é, entre o acabar do templo e o adornar do templo (Ed 7:27).
Alguns anos mais
tarde, Neemias, confrontado com o facto de que os muros de Jerusalém
permaneciam derrubados e as portas queimadas a fogo, foi para Jerusalém no 20º
de Dario (Ne 2) e regressou no 32º ano (Ne 2:1; 13:6).
Isto é posto em
causa por alguns, pelas seguintes alegações:
- Na genealogia
de Esdras (Ed 7:1-5), faltariam nomes, e Esdras não seria filho direto de
Seraías, mas algum descendente. Mas era preciso provar esta alegação.
Perguntamos nós então: por que razão haveria de faltar um nome nesta
genealogia? Em 1 Crónicas 6:1-15 encontra-se a linhagem sacerdotal de Eleazar,
de onde descende Esdras. Lemos que Hilquias (sumo-sacerdote no tempo do rei
Josias) gerou Azarias, este gerou Seraías (que foi morto), e este gerou Jozadac
(que foi levado para o cativeiro), que é o pai de Jesua (Esdras 3:2). Esdras é
um irmão mais novo de Jozadac.
- Diz Esdras
6:14 que a casa de Deus foi edificada e aperfeiçoada, “conforme o mandado
de Ciro e de Dario, e de Artaxerxes, rei da Pérsia”. Com base na conjunção “e”,
alegam que se trata aqui de três reis; e que Artaxerxes não é Dario. Mas então
porque é que o versículo seguinte diz que “e acabou-se esta casa no dia
terceiro do mês de Adar, que era o sexto ano do reinado do rei Dario”? Se
Artaxerxes fosse outro que Dario, não deveria dizer que a casa acabou no ano X
do rei Artaxerxes?
Como resolvemos
esta frase: “conforme o mandado de Ciro e
de Dario, e de Artaxerxes, rei da
Pérsia”? Já acima falámos do uso de vários nomes de trono pela mesma pessoa. O
VAV conjuntivo, aqui traduzido “e” nem sempre é traduzido “e”. Podemos observar
que muitos versículos iniciam com “e” (VAV), mas este mesmo VAV é por vezes é
traduzido “pois”, “então”, “mas”, etc.
Neste caso, é uma
situação de hendíade. Hendíade ou hendíadis é a figura que consiste em
exprimir por dois substantivos, ligados por conjunção copulativa, uma ideia que
usualmente se designa por um substantivo e um adjetivo ou complemento nominal. Por
extensão, é o uso de duas palavras para expressar um só conceito. Uma situação
destas encontramos em 1Sam 28:3 – em Ramá VAV (e) sua cidade. A conjunção VAV não
é traduzido “e”, mas - em Ramá que era a sua cidade -, porque Ramá era a
cidade de Samuel, não outra.
Aqui no nosso
caso, devemos ler: Dario, que é
Artaxerxes. Em português poderíamos dizer: Dario, ou seja, Artaxerxes.
Ainda há a questão
de quem é o Assuero de Ester. Este
Assuero é comummente identificado com Xerxes, mas muito provavelmente é, também,
Dario.
Ester foi feita
rainha no sétimo ano de Assuero/Dario. Mardoqueu, que educou Ester como filha,
fora transportado para Jerusalém com os exilados deportados por Nabucodonosor
com Jeconias (Joaquim), rei de Judá (Ester 2:5-6), em 596 a.C.
O nome de
Mardoqueu também se encontra na lista dos que regressaram a Jerusalém com
Zorobabel e Jesua (Ed 2:2).
Mardoqueu era
filho de Jair, filho de Simei, filho de Quis, homem benjamita (Ester 2:5).
Há quem alegue não
ter sido Mardoqueu que foi transportado, mas o primeiro da lista: Quis. Mas
quando olhamos bem para as listas genealógicas em 1Cr 8:33 e 9:39, nomeadamente
a descendência benjamita, lemos que
Quis era pai de Saul. E Simei, uma figura que aparece nos dias finais de David
(2Sam 16:5), que é da casa de Saul. Esta referência genealógica que situa
Mardoqueu em sua família é de um tipo diferente da de Esdras. Aqui faltam efetivamente
muitos nomes. Mas penso que a menção específica de Simei é porque existe alguma
relação (vejam a história de Simei em 2Sam 16:1-4; 19:11-23 e 1Reis 2:36-46). Mardoqueu
é aquele que “limpou” o nome desta família que foi manchada pela atitude de
Simei.
Voltando à
cronologia, se Mardoqueu foi levado para o cativeiro com Jeconias, em 597 a.C.,
no princípio do reinado de Dario (520 a.C.), ele já teria pelo menos 77 anos,
assumindo que fora exilado como recém-nascido. Se Assuero fosse Xerxes,
Mordecai teria no mínimo 120 anos quando se deu o episódio de Haman (no ano 12º
deste rei) e a tentativa de perseguição aos judeus. Aqui podemos novamente dizer
que esta longevidade não é consentânea com a época.
Dois livros
apócrifos do Velho Testamento trazem também luz sobre este assunto. 1Esdras
3:1-2 é cópia do versículo de Ester 1:3, mas em vez de usar o nome Assuero, usa
Dario. E no Apêndice ao livro de Ester, o rei de Ester é chamado Artaxerxes em
todos os capítulos, como o Artaxerxes de Esdras e Neemias.
Um pormenor
interessante é o seguinte: quando Neemias foi falar com o rei sobre a sua
preocupação com Jerusalém, a rainha estava sentada ao lado dele (Ne 2:6). Este
pormenor realmente só faz sentido aqui se a rainha era Ester, judia.
Conclusão:
O livro de Esdras
a partir do capítulo 5 e todo o livro de Neemias, bem como o livro de Ester,
passam-se no tempo de Dario, conhecido na história como Dario filhos de
Histaspes.