Setenta semanas estão
determinadas sobre o teu povo e sobre a tua santa
cidade para … (Dn 9:24)
A palavra “semana” (shabua) em
hebraico pode representar uma semana de dias ou uma semana de anos. Génesis
29:27-28 é um exemplo onde o termo é usado para indicar sete anos. De modo
semelhante, frequentemente, dias simbolizam anos (por exemplo: Nm 14:34, Ez
4:6).
Setenta
semanas de dias são 490 dias, enquanto setenta semanas de anos totalizam 490
(70 x 7 anos = 490) anos. Em atenção ao contexto e aos acontecimentos
profetizados, concluímos tratar-se de semanas de anos, se considerados
literalmente.
A estrutura
70 x 7 já estava presente no tempo de duração das assolações de Jerusalém. 70
anos de descanso da terra, um ano por cada sábado (ciclo de 7 anos) da terra
não guardado (Lv 26:34; 43; 2 Cr 36:21), equivalem a 70 ciclos sabáticos de 7
anos = 490 anos. O mesmo padrão sabático aparece agora na resposta trazida pelo
anjo Gabriel. Tendo o exílio chegado ao fim, ainda havia 70 semanas (70 x 7=
490 anos) para cumprir os desígnios de Deus como se encontram resumidos no v.24.
Certamente que Daniel percebeu muito bem o
significado destes símbolos e números, que eram tão fundamentais nos termos da
aliança entre Deus e Israel. O
sábado fora por Deus instituído como sinal da aliança (Ex 31:13-17; Ez 20:12,
20) por Ele ter libertado o povo que estava escravizado no Egipto e se ter
tornado seu Deus. E, à imagem do dia de descanso do Criador a seguir aos 6 dias
da obra de criação, o sábado funciona também como símbolo profético de uma obra
consumada e, portanto, como sinal da era messiânica de libertação redentora,
restituição e descanso.
Para Daniel,
a profecia era claramente messiânica. Ela dizia respeito à aliança de Deus com
Israel e, especialmente, à consumação da aliança. Nós sabemos que Jesus iniciou
o que podíamos chamar de era messiânica. Eumpriu a obra que tinha para fazer e
disse: Está consumado (Jo19:28-30). Como
é que Daniel entendeu o número 70 da profecia?
Jubileu
Numa
mensagem anterior, já vimos que um período de seis anos de trabalho da terra era
coroado com um sétimo ano sabático. Um período de sete vezes sete anos, ou seja
7 semanas ou 49 anos, era coroado com um ano de jubileu, o quinquagésimo ano.
Este quinquagésimo ano era, por sua vez, o primeiro ano de um novo ciclo de 49
anos.
Também contarás sete semanas[1]
de anos, sete vezes sete anos, de maneira que os dias das sete semanas de anos
te serão quarenta e nove anos […] E santificareis o ano quinquagésimo e
apregoareis liberdade na terra a todos os seus moradores; ano de Jubileu vos
será, e tornareis, cada um à sua possessão, e tornareis, cada um à sua família.
O ano quinquagésimo vos será jubileu, não semeareis, nem segareis o que nele
nascer de si mesmo, nem nele vindimareis as uvas das vidas não tratadas. Porque
jubileu é, santo será para vós, a novidade do campo comereis. Neste ano de
jubileu, tornareis cada um à sua possessão (Lv 25:8-13).
Quais são as
características de um jubileu? Além de constituir um adicional ano de descanso
para a terra, a seguir ao ano sabático normal, está associado a duas coisas: a restituição
da terra e a libertação pessoal.
Depois da
conquista de Canaã, a terra fora dividida por Josué entre as doze tribos de
Israel. A terra podia ser vendida, mas não em perpetuidade. Se alguém vendesse
a sua parte da terra, esta dever-lhe-ia ser restituída, ou senão devia ser
resgatada, no ano do jubileu, para que a terra não ficasse alienada para sempre
do seu proprietário. No ano do jubileu, a terra era restituída ao seu
proprietário original.
A terra de
Canaã, prometida a Israel, é uma figura terrena do Reino de Deus. Pela obra de
Jesus na cruz, a terra – cujo domínio Adão perdeu – é resgatada e restituída
àquele que tem o direito de possui-la e reinar sobre ela, o Filho do homem,
Jesus, como segundo Adão, e seu corpo, a Igreja.
O conceito do
jubileu aplicava-se de maneira semelhante às pessoas (Lv 26:35-55). No ano do
jubileu era apregoado liberdade aos moradores na terra. Cada um voltaria à sua
possessão, e à sua família. Se alguém empobrecesse e se vendesse, ou se
oferecesse a alguém para trabalhar como servo ou escravo por não ter meios de
subsistência, no ano do jubileu devia ser resgatado e libertado. O
interveniente neste processo de libertação e resgate era o Go’el, ou Redentor (ver a
história de Rute), figura de Cristo.
O aspeto da
libertação pessoal prefigura a salvação e libertação trazida por Jesus Cristo, a
libertação da lei do pecado e da morte (Rm 8:2), a liberdade do Espírito (2 Co
3:17, Gl 2:4), a libertação do império das trevas (Cl 1:13), a liberdade que
vem pelo conhecimento da verdade (Jo 8:32).
No tempo da
Velha Aliança, o cumprimento literal do jubileu, tal como o do sábado, era
importante. Demonstrava a fé que tinham (ou não) em Deus. Um episódio
relatado em Jeremias 34 retrata a importância do jubileu. O cerco de
Nabucodonosor a Jerusalém, e o exílio do rei Joaquim e de muitas pessoas para
Babilónia, assustou grandemente o rei Zedequias e o povo, pelo que fizeram uma
aliança para dar a liberdade (um jubileu) aos seus servos hebreus. Os príncipes
despediram forro os seus servos. Mas quando Nabucodonosor levantou o cerco e se
retirou para ir pelejar contra o Egipto, os ricos sentiram-se aliviados e
voltaram a sujeitar os servos libertados. Desfizeram o jubileu e a aliança a
que se tinham comprometido. Isto fez com que Deus deu ordem para o exército do
rei da Babilónia voltar para Jerusalém e a queimar a fogo (Jr 34:21-22).
70 semanas,
consideradas na sua totalidade, são 10 vezes 7 semanas. São 10 jubileus. O número 10 na Bíblia
indica algo que é completo e perfeito no sentido de plenitude quantitativa. 10
representa a totalidade. 10 jubileus são todos os jubileus necessários até à
perfeita libertação. 10 jubileus apontam para o último e perfeito jubileu, o
jubileu messiânico. Exatamente 10 vezes 49 anos era o tempo que os judeus teriam
de esperar, desde a ordem de saída para edificar Jerusalém, até que viesse o
Messias, que viria proclamar a verdadeira liberdade aos cativos e oprimidos, e
anunciar o “ano aceitável do Senhor” (Is 42:7: 61:1-2). Na sinagoga de
Cafarnaum, no princípio do seu ministério, terminando a leitura em Isaías 61,
Jesus disse: Hoje se cumpriu a escritura
que acabais de ouvir (Lc 4:17-21).
O preço do
resgate, tanto da terra como das pessoas, era calculado segundo o número de
anos desde o último jubileu (Lv 25:15-16; 50-52). Quanto mais anos, maior o
preço a pagar. O preço que Jesus pagou para o nosso resgate foi o mais alto: a
sua própria vida.
Esta
profecia de Daniel é, sem a menor dúvida, uma profecia messiânica. O foco da
profecia é o Messias (= o Ungido). A sua vinda era a razão de ser de toda a
esperança judaica, de todo o plano de Deus para a redenção, não só do povo de
Israel mas de toda a humanidade (todas as
nações, todas as famílias da terra). E o enquadramento temporal revelado a
Daniel demarcava o período em que se havia de cumprir a redenção messiânica.
O anjo Gabriel
O anjo
Gabriel é outra testemunha do significado messiânico da profecia das Setenta
Semanas, por ser ele especificamente o anjo mensageiro do Messias. No Velho
Testamento, só aparece duas vezes, e ambas as vezes a Daniel.
No Novo
Testamento, Gabriel também aparece duas vezes. A primeira vez a Zacarias e a
segunda, a Maria. Ao sacerdote Zacarias (Lc 1:11-22), anuncia que vai ter um
filho e esse filho irá adiante do
Messias, no espírito e poder de Elias … para
habilitar para o Senhor um povo preparado (Lc 1:17). João Baptista foi o
predecessor de Jesus e veio como testemunha, a fim de que ele [Jesus] fosse
manifestado a Israel (Jo 1:31). A mensagem de Gabriel para Zacarias era
messiânica, sem dúvida. E mais, identificando-se com a resposta «Eu sou Gabriel» (Lc 1:19), quando
Zacarias duvidou e perguntou «Como
saberei isto?», o anjo estabeleceu uma associação direta com a profecia
messiânica que ele deu ao profeta Daniel.
A Maria, Gabriel
diz que ela conceberá um filho que deverá chamá-lo pelo nome de Jesus. Jesus
vem da raiz yasha, que significa
salvar. É o anúncio do Salvador que todo o Israel esperava. É lhe também dito
que o filho receberá o trono de David e que reinará para sempre. O anjo veio
anunciar o nascimento do Messias, o Ungido (Lc 1:26-38)!
Zacarias e
Maria perceberam que o tempo determinado pelo anjo Gabriel na profecia de
Daniel estava agora a chegar muito perto do seu término.
[1] A palavra usada aqui no hebraico não é shabua, mas shabbath (que vem da mesma raiz) e que significa descanso.
Excelente estudo, prezada irmã
ResponderEliminarMuito bom, principalmente a junção das 70 semanas de Daniel com o jubileu ...
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