22/08/2015

A PROFECIA DAS 70 SEMANAS DE DANIEL (3) – os propósitos a cumprir


Setenta semanas estão determinadas … para fazer cessar a transgressão, para dar fim aos pecados, para expiar a iniquidade, para trazer a justiça eterna, para selar a visão e a profecia, e para ungir o Santo dos Santos (Dn 9:24).


No entendimento de Daniel, os seis propósitos que se deviam cumprir no período de tempo de 10 jubileus – o perfeito e completo jubileu messiânico – não podiam senão dizer respeito à obra que seria realizada pelo Messias quando viesse.

Se a profecia das Setenta Semanas tem tido uma conotação algo negativa, é porque muitos estudos e comentários põem em evidência “a cidade e o povo” e as consequências desastrosas da rejeição do Messias, pelo povo judeu, para “a cidade e o povo”. Mas, na realidade, a profecia começa numa nota de esperança sem par. É a mais concreta mensagem de esperança que Israel recebeu até então: dentro de 70 semanas, o Messias virá e realizará tudo o que foi prometido! E embora Jerusalém e o templo fossem outra vez destruídos, Israel ainda cumpriria a sua missão como povo sacerdotal, povo no meio do qual viria a nascer o Redentor, a semente de Abraão a quem foram feitas as promessas (Gl 3:16). Como disse o próprio Jesus: a salvação vem dos judeus (Jo 4:22).


Completar a transgressão


Dentro de um período de 70 semanas, a transgressão seria completada. Transgressão é um termo geral, não significando pecados individuais, mas rebeldia em geral.

O verbo KHALA’ significa fechar, restringir, refrear, proibir, reter. A tradução grega na Septuaginta é sunteleio (συντελεω): levar ao fim, completar, terminar, fechar. A rebeldia de Israel contra Deus chegou ao seu cúmulo quando rejeitou e crucificou o seu Rei e Messias. A transgressão foi levada até ao fim. Disse assim Jesus aos fariseus: Enchei vós, pois, a medida dos vossos pais … uns matareis e crucificareis; outros açoitareis nas vossas sinagogas e perseguireis de cidade em cidade (Mt 23:32-34).

A parábola do dono da vinha é esclarecedora (Mt 21:33-45). Os lavradores maus mataram, primeiro, os servos e, no fim, o filho que veio buscar os frutos. Respondendo a Jesus quando este perguntou «quando vier o senhor da vinha, que fará aos lavradores?», os próprios sacerdotes e fariseus selaram o seu destino, respondendo «Fará perecer horrivelmente a estes malvados, e arrendará a vinha a outros lavradores que lhe remetam os frutos nos seus devidos tempos». Encheram a medida dos seus pecados, rejeitando a principal pedra de esquina. Por isso, o reino ser-lhes-ia tirado e incendiada a sua cidade (Mt 21:43; 22:7).

Mas o Messias não veio só para Israel. Nem a rebeldia é só por parte de Israel. Toda a humanidade é responsável pela morte de Jesus. Porque se enfureceram os gentios, e os povos imaginaram coisas vãs? Levantaram-se os reis da terra e as autoridades ajuntaram-se à uma contra o Senhor e contra o seu Ungido (Sl 2:1-2); porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e povos de Israel (At 4:25-27).

A transgressão completada e levada ao extremo na morte do Ungido significa, ao mesmo tempo, que a transgressão foi refreada (ver o significado do verbo KHALA’). Pela cruz de Jesus, o pecado não mais nos pode ser imputado e utilizado contra nós (os que crêem) em justiça. O poder da transgressão foi quebrado em Jesus.


Selar os pecados


O verbo TAMAM usado aqui quer dizer terminar, completar, aperfeiçoar, dando a esta frase mais ou menos o mesmo significado que à anterior. Mas, numa leitura alternativa do texto[1], os escribas hebraicos usavam o verbo CHATTAM, que significa selar, autenticar com selo.

Paulo escreveu aos Gálatas que a Escritura encerrou tudo sob o pecado, para que mediante a fé em Jesus Cristo, fosse a promessa concedida aos que crêem (Gl 3:22) e aos Romanos, que Deus a todos encerrou na desobediência, a fim de usar de misericórdia para com todos (Rm 11:32).

É interessante, também, observar o significado das palavras “transgressão” e “pecados”. No hebraico, incluem, além do próprio sentido de transgressão e pecado, o significado de oferta ou sacrifício pelo pecado. Oferecendo-se ele próprio como sacrifício pelo pecado, Jesus levou ao fim os sacrifícios, aperfeiçoou os sacrifícios, fazendo e sendo ele mesmo o último sacrifício necessário, dando assim fim à necessidade de sacrifícios animais (Hb 10:1-12).

Cristo é o cordeiro que, à semelhança dos animais sobre quem a culpa era transferida, levou sobre ele o pecado do mundo (Jo 1:29). Daniel conhecia o livro de Isaías, que diz: ele foi traspassado pelas nossas transgressões, e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados […] o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos (Is 53:5-6). Os pecados foram fechados e selados e colocados sobre ele, e ele os levou à cruz. Carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados (1 Pe 2:24). Cancelou o escrito de dívida que era contra nós, removeu-o e cravou-o na cruz (Cl 2:14). Jesus aniquilou, aboliu o pecado pelo sacrifício de si mesmo (Hb 9:26). Jesus deu fim aos pecados e aos sacrifícios pelos pecados.

Naqueles dias, e naquele tempo, diz o SENHOR, buscar-se-á a iniquidade de Israel, e já não haverá; os pecados de Judá, mas não se acharão; porque perdoarei aos remanescentes que eu deixar (Jr 20:20).

Eis aí vêm dias, diz o Senhor, e firmarei nova aliança […] esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel […] Perdoarei as suas iniquidades, e dos seus pecados jamais me lembrarei (Jr 31:31-34)


Expiar a iniquidade


O verbo KAPHAR é geralmente traduzido expiar, fazer reconciliação. Mas, basicamente, significa cobrir. O pecado é coberto com o sangue exigido pela justiça de Deus.

A cerimónia mais importante no calendário litúrgico de Israel era o Dia da Expiação (Yom Kippur), literalmente, o Dia de “cobrir”. Kippur vem do verbo KAPHAR. Naquele dia todos os pecados do ano de toda a congregação de Israel eram como que ajuntados e selados, e expiados (Lv 16:16, 17). Porque naquele dia se fará expiação (KAPHAR) por vós, para vos purificar; e sereis purificados de todos os vossos pecados perante o Senhor (Lv 16:30).

Naquele dia, dois bodes eram trazidos perante o Senhor. Um era o bode da oferta do pecado, que era morto para satisfazer a justiça de Deus. O outro era enviado para o deserto, levando sobre ele as iniquidades para longe, como sinal da remissão do pecado pela graça de Deus (Lv 16).

Naquele dia, e só naquele dia, o sumo-sacerdote entrava no Santo dos Santos, como figura e sombra de Jesus (Hb 8-10) que, não por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção (Hb 9:12).

O dia da crucificação de Jesus foi o último e verdadeiro Dia da Expiação. Jesus expiou a iniquidade, passando ele próprio pelo juízo em nosso lugar.

Não terá também passado despercebido a Daniel que era no Dia da Expiação que se soava a trombeta que inaugurava o ano do jubileu, o ano de libertação e de restituição, o ano aceitável do Senhor (Is 61).

Então no mês sétimo, aos dez do mês, farás passar a trombeta vibrante: no dia da expiação fareis passar a trombeta por toda a vossa terra. Santificareis o ano quinquagésimo, e proclamareis liberdade na terra a todos os seus moradores: ano de jubileu vos será, e tornareis, cada um à sua possessão, e cada um à sua família (Lv 25:9-10)

Trazer a justiça eterna


Israel aguardava um reino firmado mediante o juízo e a justiça (Is 9:7). Mas ninguém podia ser justificado perante Deus pelas obras da lei (Rm 3:19-10). E os sacrifícios traziam uma justiça imperfeita e temporária. Israel aguardava a justiça perfeita. Na cruz, Jesus expiou o pecado e o resultado foi a justiça eterna.

Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus … mediante a fé em Jesus Cristo … mediante a redenção que há em Cristo Jesus; a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente … (Rom 3:21-26).


Selar a visão e a profecia


A ideia de selar, fechar com selo (aqui é utilizado o verbo CHATTAM) pode ter várias implicações.

Um selo posto sobre um documento sanciona, confirma, autentica o que nele está escrito. A função da profecia e dos profetas era anunciar o Messias. Os profetas falaram, mas quando veio o filho, calaram-se; não havia mais necessidade de o anunciar (Hb 1:1). Foi o próprio Filho quem falou. A primeira vinda de Cristo, a sua morte e ressurreição foi a confirmação de tudo o que fora anteriormente predito. Cristo selou toda a visão e profecia; ele é o “sim e amem”, o selo de autenticação de toda a profecia. Em Cristo são cumpridas e confirmadas todas as promessas (2 Co 1:20).

Eis que subimos para Jerusalém e vai cumprir-se ali tudo quanto está escrito por intermédio dos profetas, no tocante ao filho do homem (Lc 18:31; ver também Lc 24:44; At 3:18)

Todos os profetas e a lei profetizaram até João, a partir de então é anunciado o evangelho, isto é: as boas novas (Mt 11:13; Lc 16:16). Com Jesus, tinha chegado a plenitude dos tempos (Gl 4:4), que Paulo também chamou os fins dos séculos (1 Co 10:11).


Nas Escrituras, o verbo “selar” é usado noutras ocasiões para indicar que algo é fechado de maneira que não pode ser visto ou compreendido (Is 29:11).

Toda a visão já se vos tornou como as palavras dum livro selado, que se dá ao que sabe ler, dizendo: Lê isto, peço-te; e ele responde: Não posso, porque está selado; e dá-se o livro ao que não sabe ler, dizendo: Lê isto, peço-te; e ele responde: Não sei ler (Is 29:11-12).

O pecado tornou os judeus cegos à compreensão da mensagem dos profetas e do próprio Jesus. Jesus disse dos seus contemporâneos (Mt 13:14,15; Jo 12:39-40) que neles se cumpriu a profecia de Isaías (Is 6:9-13).

Vai, e diz a este povo: Ouvi, ouvi, e não entendais; vede, vede, mas não percebais. Torna insensível o coração deste povo, endurece-lhe os ouvidos, e fecha-lhes os olhos, para que não venha ele a ver com os olhos, a ouvir com os ouvidos, e a entender com o coração, e se converta e seja salvo.

Então disse eu: Até quando, Senhor? Ele respondeu: Até que sejam desoladas as cidades e fiquem sem habitantes, as casas fiquem sem moradores, e a terra seja de todo assolada, e o Senhor afaste dela os homens e no meio da terra seja grande o desamparo. Mas se ainda ficar a décima parte dela tornará a ser destruída. Como terebinto e como carvalho, dos quais, depois de derrubados, ainda fica o toco, assim a santa semente é o seu toco (Is 6:9-13)

Esta profecia de Isaías é esclarecedora. Ela alia o tema da profecia de Daniel à situação em que os judeus se encontravam no primeiro ano de Ciro, para dali tirar uma ilação. Jerusalém tinha sido destruída por Nabucodonosor, mas uma parte fiel permaneceu e recebeu uma nova oportunidade (regresso à terra), que desta vez os conduziria até à vinda do Messias. Mas como o pecado se iria repetir novamente, a terra seria novamente destruída. E não o compreenderam.

Ungir o santo dos santos


O templo (a casa de Deus) era a habitação de Deus, o sinal da presença de Deus no meio do seu povo, como testemunho da sua aliança. Na história de Israel, duas casas de Deus já haviam sido edificadas e posteriormente destruídas: o tabernáculo e o templo de Salomão, porque Israel quebrara a aliança. Dentro em breve, uma nova casa seria edificada por Zorobabel (ver o livro de Esdras). E, dentro de 70 semanas, o santo dos santos seria ungido. Que significa isto?

O santo dos santos era o lugar onde se encontrava a arca, que simbolizava a presença e o trono do Senhor. O propósito da unção (ungir) é dedicação e consagração, para ser santo (separado) para o Senhor. Nas estipulações da lei (Ex 40:9), o tabernáculo com o santo dos santos devia ser ungido para ser consagrado.

Mas o santo dos santos que seria consagrado dentre de 490 anos da profecia não seria outro templo de pedra.

Jesus era, ele próprio, o templo. Sim, porque ele veio como Emanuel, Deus connosco, presença de Deus entre os homens. Jesus disse de si próprio que ele era o templo. No dia do seu batismo, à semelhança dos sacerdotes, Jesus foi ungido e consagrado para o ministério. Depois destruíram o santuário (do seu corpo) e em três dias ele o reconstruiu (Jo 2:19-21).

Depois de ressuscitado e de ascender ao céu, enviou o Espírito Santo para ungir a Igreja representativamente nos discípulos no dia de Pentecostes, ungindo assim o templo espiritual da Nova Aliança (Atos 2:1-4, 17), formado por Cristo e a sua Igreja, o seu povo, o Novo Israel.

Mas aquele que nos confirma convosco em Cristo, e nos ungiu, é Deus, que também nos selou e nos deu o penhor do Espírito em nossos corações (2 Cor 1:21-22).

A presença do Espírito em nós faz de nós “templo de Deus”, habitação de Deus no Espírito (Ef 2:19-22). Não sabeis que sois santuário de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós? (1 Co 3:16; e também 6:19).

O templo espiritual da Nova Aliança é o verdadeiro e último templo, que não está nem em Jerusalém, nem em Samaria ou em Roma, mas está onde estão os verdadeiros adoradores que o adoram em espírito e em verdade (Jo 4:21-24). Este é o verdadeiro “santo dos santos”.


Daniel não podia compreender em toda a sua plenitude tudo o que a profecia implicava, o significado do “verdadeiro santo dos santos”. Mesmo os discípulos de Jesus só começaram a entender a nova realidade depois da sua morte. E se nós hoje podemos compreender a realidade deste templo espiritual, porque há tantos ainda à espera de um templo de pedra reconstruído em Jerusalém??! Não há maior graça que Deus nos pode conceder do que habitar em nós.

Tudo neste versículo 24 – que é de uma riqueza extraordinária, que aqui só tocámos ao de leve – aponta para a obra de Jesus Cristo e, finalmente, para a Nova Aliança com o seu novo templo, a Igreja de Cristo. Os seis propósitos que deviam ser cumpridos no quadro da septuagésima semana estão todos relacionados uns com os outros e cumpridos em Jesus, o Messias. É este significado messiânico que não podemos de maneira alguma perder de visto quando avançamos para a interpretação dos restantes versículos!




[1] Na Bíblia hebraica, os escribas não alteravam o texto quando achavam que uma palavra tinha sido copiada incorrectamente, mas anotavam na margem o que consideravam ser correcto. Esta variante anotada chama-se KHETIV.

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